20 Dezembro 2017
Os jornalistas que cobrem outras instituições em todo o mundo muitas vezes se esforçam para encontrar notícias suficientes para justificar que estejam no jornal ou para preencher o tempo de transmissão da TV. No Vaticano, os repórteres muitas vezes têm o problema oposto – há tantas notícias, o tempo todo, que é quase impossível acompanhar tudo.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada no sítio Crux, 19-12-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A terça-feira passada foi um desses dias na frequência vaticana. Então, ao invés de tentar informar tudo de forma abrangente, o que se segue é simplesmente os destaques de um dia repleto de notícias.
O rei Abdullah II, da Jordânia, encontrou-se com o Papa Francisco na manhã de terça-feira e, depois, de acordo com o protocolo vaticano para os chefes de Estado em visita, o monarca jordaniano também se encontrou com o cardeal italiano Pietro Parolin, secretário de Estado, e com o arcebispo britânico Paul Gallagher, secretário para as Relações com os Estados.
Sem qualquer surpresa, a recente decisão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de transferir a embaixada estadunidense em Israel para Jerusalém veio à tona. Embora um breve comunicado vaticano depois não explicasse o que os dois homens disseram, uma aposta segura é que Francisco e Abdullah compartilharam seu descontentamento. Poucas horas antes de Trump anunciar a medida, Francisco o havia exortado a respeitar o status quo e a evitar qualquer coisa que pudesse causar uma “nova espiral de violência”, enquanto Abdullah foi o primeiro líder árabe a denunciar o fato depois, chamando a transferência de uma “violação do direito internacional”.
Surpreendentemente, talvez não haja ninguém hoje com quem o Vaticano de Francisco se encontre mais sintonizado em termos de política e diplomacia globais do que os Estados árabes, como a Jordânia, o Egito e os estados do Golfo. É difícil pensar em uma única e séria diferença de política, e o “crédito” de Francisco no mundo islâmico também aumentou ultimamente com a sua ardente defesa da minoria muçulmana oprimida Rohingya em Myanmar.
Isso, por sua vez, torna especialmente interessante a última frase do comunicado de imprensa vaticano depois do encontro entre Francisco e Abdullah: “Destacou-se a importância de favorecer a permanência dos cristãos no Oriente Médio e a contribuição positiva que eles trazem para as sociedades da região, das quais fazem parte”.
Ficamos pensando se isso significa uma nova vontade por parte de Francisco de “lucrar” com a sua popularidade com os líderes muçulmanos no Oriente Médio, levando os moderados a intensificarem seus esforços em prol da minoria cristã sitiada na região.
Também na terça-feira, uma rádio do norte da Irlanda chamada “Q Radio” sugeriu que Francisco pode visitar a Irlanda do Norte em agosto de 2018, na companhia da rainha Elizabeth II, enquanto ele estiver na Irlanda, de qualquer modo, para o Encontro Mundial das Famílias em Dublin, de 21 a 26 de agosto.
A reportagem foi outro exemplo de por que a frequência vaticana nunca seca: mesmo quando não há notícias reais para relatar, geralmente há “fake news” para desmascarar.
Neste caso, embora haja boas razões para suspeitar que Francisco pode querer ir para o norte da fronteira enquanto ele estiver na Ilha Esmeralda, a fim de prestar seu apoio ao processo de paz, não há indícios reais de que ele faria isso na companhia da rainha de 91 anos.
De fato, como o veterano jornalista católico irlandês Michael Kelly observou na terça-feira, fazer isso provavelmente politizaria a visita aos olhos de muitos, talvez parecendo dar legitimidade às posições do governo britânico em relação ao futuro da Irlanda do Norte, e presumivelmente isso seria algo que o Vaticano se esforçaria para evitar.
Além disso, a rainha recentemente começou a diminuir os seus compromissos públicos e talvez nem sequer se arrisque a viajar em paralelo com um papa.
Assim, aqui está o placar da história:
- Francisco vai para a Irlanda em 2018: quase definitivo, senão até oficialmente confirmado.
- Francisco vai para a Irlanda do Norte: boas chances, embora dependa da situação política e de segurança na época.
- Francisco vai para a Irlanda do Norte com a rainha: não fique sem ar por causa disso.
Outra história da terça-feira foi que Francisco fez avançar as causas de santidade de 12 candidatos, três dos quais viram um milagre atribuído à intercessão deles, o que abre caminho para a sua beatificação; um deles foi declarado mártir, o que significa que ele não precisa de um milagre para a beatificação; e oito deles foram reconhecidos por “virtudes heroicas”, o que significa que agora eles ficam a um milagre de distância da beatificação e a outro da santidade formal.
Os candidatos são provenientes da Espanha, França, Venezuela, Rússia, Portugal, Itália, Estados Unidos e Polônia.
Os estadunidenses ficarão interessados no decreto da virtude heroica do padre Patrick Peyton, o “padre do rosário” do século XX.
Peyton organizou enormes manifestações de oração em todo o mundo e usou o rádio, a televisão e o cinema – e estrelas de Hollywood como Bing Crosby e Lucille Ball – para divulgar a sua mensagem de oração. Ele talvez ficou mais famoso por cunhar a expressão “família que reza unida permanece unida”.
A verdadeira celebridade desta safra, no entanto, vem da Polônia.
Estamos falando do lendário cardeal Stefan Wyszyński, que atuou como arcebispo de Varsóvia de 1948 a 1981 e, assim, conduziu a luta da Igreja polonesa contra o comunismo a nada menos do que o ato final da Guerra Fria. Antes disso, como padre e bispo, ele também havia sido um patrono da resistência polonesa à ocupação nazista do país.
Wyszyński foi um dos imponentes clérigos do século XX. A história diz que, quando um jovem Karol Wojtyla (o futuro João Paulo II) foi nomeado cardeal em Cracóvia em 1967, ele foi questionado sobre o seu gosto pelo esqui. Ele respondeu: “Quarenta por cento dos cardeais na Polônia esquiam”. Quando o interlocutor apontou que havia apenas dois cardeais poloneses na época, ele e Wyszyński, Wojtyla brincou: “Sim, mas Wyszyński conta por 60%”.
Outra história bem conhecida sobre Wyszyński veio pelo falecido cardeal Franz König, de Viena, Áustria, um dos “fazedores de rei” no segundo conclave de 1978, que impulsionou Wojtyla ao papado. König conta que se aproximou de Wyszyński durante as deliberações sobre o próximo papa para sugerir: “Talvez a Polônia possa oferecer um candidato”, a que Wyszyński respondeu: “Não, eu estou velho demais, possivelmente não poderia fazer isso”.
König foi forçado a explicar que, na verdade, ele tinha em mente o cardeal júnior da Polônia, que atuou como papa por quase 27 anos.
Se Wyszyński for eventualmente canonizado, ele se juntaria a João Paulo II, Edith Stein e Maximiliano Kolbe como aclamados santos poloneses do século XX.
Finalmente, nessa terça-feira, o Vaticano confirmou os rumores de que Francisco visitará os lugares mais associados com o Padre Pio em 2018, viajando tanto para Pietrelcina, seu lugar de nascimento, quanto para San Giovanni Rotondo, onde estão o seu hospital e o seu enorme santuário, no dia 17 de março.
O Padre Pio foi beatificado em 1999 e canonizado em 2002 pelo Papa São João Paulo II.
O pontífice chegará às 8h em Pietrelcina, localizada na região da Campânia, no sul da Itália, onde fará um discurso. Depois, ele se dirigirá a San Giovanni Rotondo, onde visitará a seção de pediatria oncológica e rezará a missa em frente ao santuário, antes de voltar para Roma de helicóptero.
Isso pode não parecer grandes coisas aos ouvidos estadunidenses, mas é impossível exagerar a importância do Padre Pio na Itália. Praticamente todos os táxis, bares, restaurantes e barbearias do país tem uma imagem do famoso capuchinho estigmatizado e milagreiro, que é popularmente conhecido como o santo para as pessoas em sofrimento ou em perda.
Tamanho é o apego ao santo no imaginário italiano que uma grande razão pela qual o cardeal Sean O’Malley, de Boston, era um dos favoritos da multidão em Roma na corrida para o conclave de 2013 é que o fato de ostentar uma barba e de vestir o hábito capuchinho marrom, para os italianos, lembra o Padre Pio.
Portanto, é uma boa ideia que os observadores do Vaticano de todas as partes circulem o sábado, 17 de março, nos seus calendários. Seja qual for o interesse internacional na época, na Itália, a visita do papa a Pietrelcina e a San Giovanni Rotondo será um programa imperdível.
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Giro vaticano: papa e Islã, a Rainha, uma lenda polonesa e o Padre Pio - Instituto Humanitas Unisinos - IHU