05 Mai 2016
"A primazia da consciência fica claramente em destaque, mas também parece que Francisco está abrindo as portas da mesma forma que São João XXIII fez no passado. Ele está dizendo para sairmos e encontrarmos melhores formas de levar a mensagem divina", escreve Pat Perriello, educador aposentado da rede pública de ensino de Baltimore, foi professor na Universidade John Hopkins, em artigo publicado por National Catholic Reporter, 03-05-2016. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Eis o artigo.
O que se pode dizer de positivo sobre Amoris Laetitia depois de eu já ter deixado claro a minha decepção geral com este documento?
A verdade é que eu estou menos decepcionado com que o Papa Francisco disse do que com aquilo que, eu temo, vai ser a reação às suas palavras. O documento contém inúmeros trechos que sugerem que a Igreja precisa se mover numa direção diferente. Vejamos algumas delas.
• “Recordando que o tempo é superior ao espaço, quero reiterar que nem todas as discussões doutrinais, morais ou pastorais devem ser resolvidas através de intervenções magisteriais” (parágrafo 3).
• “(…) em cada país ou região, é possível buscar soluções mais inculturadas, atentas às tradições e aos desafios locais” (parágrafo 3)
• “De nada serve também querer impor normas pela força da autoridade” (parágrafo 35).
• “Também nos custa deixar espaço à consciência dos fiéis, que muitas vezes respondem o melhor que podem ao Evangelho no meio dos seus limites” (parágrafo 37).
• “Muitos não sentem a mensagem da Igreja sobre o matrimônio e a família como um reflexo claro da pregação e das atitudes de Jesus, o qual, ao mesmo tempo que propunha um ideal exigente, não perdia jamais a proximidade compassiva às pessoas frágeis como a samaritana ou a mulher adúltera” (parágrafo 38).
• “O amor matrimonial não se estimula falando, antes de mais nada, da indissolubilidade como uma obrigação, nem repetindo uma doutrina, mas robustecendo-o por meio dum crescimento constante sob o impulso da graça” (parágrafo 134).
• “Ninguém pode ser condenado para sempre, porque esta não é a lógica do Evangelho! Não me refiro só aos divorciados que vivem numa nova união, mas a todos seja qual for a situação em que se encontrem” (parágrafo 297).
• “(…) um pastor não pode sentir-se satisfeito apenas aplicando leis morais àqueles que vivem em situações ‘irregulares’, como se fossem pedras que se atiram contra a vida das pessoas. É o caso dos corações fechados, que muitas vezes se escondem até por detrás dos ensinamentos da Igreja (…)” (parágrafo 305).
• “Na mesma linha se pronunciou a Comissão Teológica Internacional: ‘A lei natural não pode ser apresentada como um conjunto já constituído de regras que se impõem a priori ao sujeito moral, mas é uma fonte de inspiração objetiva para o seu processo, eminentemente pessoal, de tomada de decisão’” (parágrafo 305).
• “Por pensar que tudo seja branco ou preto, às vezes fechamos o caminho da graça e do crescimento e desencorajamos percursos de santificação (…)” (parágrafo 305).
Estes excertos não são só representativos daquilo que o Papa Francisco tem a dizer nessa exortação. Eles também espelham o que ele vem dizendo e fazendo desde que foi elevado ao papado.
Qual a mensagem principal? Creio que ele está tentando dizer ao clero e aos leigos também: “Não fiquem olhando para mim ou para a Igreja institucional a responder todas as duas dúvidas”. Como minha mãe sempre dizia: “Deus lhe deu uma mente, ele espera que você a use”.
A primazia da consciência fica claramente em destaque, mas também parece que Francisco está abrindo as portas da mesma forma que São João XXIII fez no passado. Ele está dizendo para sairmos e encontrarmos melhores formas de levar a mensagem divina de amor, misericórdia e carinho ao mundo. “Não fiquem presos a um conjunto de regras, e não esperem um novo conjunto de regras”.
Existe uma nova liberdade que está sendo proclamada na Igreja. Então por que eu continuo pessimista? Porque temo que ninguém vá ouvir a mensagem. Infelizmente, acredito que muitos leem tais documentos e continuam em busca daquela declaração que coloque um ponto-final em todo o debate e que deixe claro o que cada pessoa deve fazer em cada situação imaginável.
A esperança reside nos bispos, nos padres e nos leigos que leem e compreendem tais palavras, e que agem com base nelas. Isso vai precisar de muita oração e de muito trabalho do Espírito Santo. Provavelmente irá também precisar de um período significativo de tempo, enquanto o espírito de Francisco e uma nova compreensão do que significa ser Igreja e ser cristão invadem aquilo que continua a ser uma comunidade eclesial rígida e imóvel.
Precisamos olhar para locais proponentes de ideias novas. De onde elas virão? Será a Alemanha, a América do Sul, partes da África ou Ásia? Podemos esperar algum movimento vindo dos EUA?
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Depois de Amoris Laetitia, qual o próximo passo? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU