09 Março 2012
“A imigração vai continuar fazendo parte da cultura brasileira”, assinala Rutemarque Crispim, pároco de Nossa Senhora das Dores, em Brasileia, no Acre.
Confira a entrevista.
A pequena cidade de Brasileia, localizada no Acre, faz divisa com a Bolívia e tem sido o destino inicial de muitos haitianos que migram para o Brasil. Depois de encaminharem a documentação para permanecerem oficialmente no país, eles viajam para outros estados em busca de trabalho e moradia fixa, pois o Acre não tem estrutura para mantê-los durante um longo período. “Lembro que, quando nós começamos a preparar a alimentação deles na cozinha paroquial, ficávamos angustiados porque passávamos um dia inteiro elaborando uma única refeição. Às vezes não tínhamos panelas para cozinhar o feijão. É desumano eles virem para o Brasil e não serem bem acolhidos”, relata Crispim à IHU On-Line, em entrevista concedida por telefone.
Padre Crispim recebe os haitianos desde janeiro de 2011, quando assumiu a Paróquia Nossa Senhora das Dores, e revela que um dos maiores desafios ao trabalhar com imigrantes é compreender as leis para orientá-los. Em sua avaliação, o Brasil continuará recebendo imigrantes nos próximos anos e precisa se preparar para acolhê-los. “Outro grande desafio é nos preocuparmos com o ser humano, porque às vezes somos tentados a ver os haitianos apenas como uma mão de obra barata. Temos de ter clareza de que eles sofreram bastante e de que vêm para o país com uma angústia muito grande, pois deixaram suas famílias no Haiti e precisam enviar dinheiro para elas. A imigração vai continuar fazendo parte da cultura brasileira”, conclui.
Rutemarque Crispim é pároco de Nossa Senhora das Dores, em Brasileia, no Acre.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Desde quando os haitianos estão migrando para o Acre e qual a situação dos que chegam a Brasileia?
Rutemarque Crispim – Nós estamos acolhendo os haitianos que chegam ao Acre desde meados de 2010. Os primeiros imigrantes que chegaram ao país tinham muito medo, pois, antes de virem para o Brasil, foram para países como o Peru, onde não foram bem recebidos. No primeiro contato que tive com eles, na praça de Brasileia, percebi que estavam assustados porque não sabiam o que iria acontecer com eles, especialmente porque não conseguiam se comunicar em função do idioma. Alguns falam inglês, espanhol e francês, e poucos brasileiros conseguiam compreendê-los.
IHU On-Line – Como acontece a passagem dos imigrantes pelas fronteiras da Bolívia e do Peru?
Rutemarque Crispim – Eles tentam migrar pelo Peru, mas como geralmente encontram a ponte fechada pela polícia, entram no Brasil pela rota boliviana, depois pegam um táxi e chegam ao país à noite, de maneira clandestina. Essa situação é bastante difícil, pois até chegarem ao Brasil alguns são assaltados e sofrem violência.
IHU On-Line – Quantos estão em Brasileia neste momento?
Rutemarque Crispim – Atualmente poucos haitianos estão no Acre, pois eles chegam aqui e em seguida encaminham a documentação para permanecerem no país, e migram para outros estados, em busca de trabalho. Hoje, existem menos de 40 haitianos no Acre.
IHU On-Line – Como a população de Brasileia reage diante da chegada dos imigrantes?
Rutemarque Crispim – A onda de imigração já teve várias fases. Como Brasileia faz divisa com a Bolívia, em 2008 a cidade acolheu os bolivianos refugiados políticos que foram expulsos de seu país. Brasileia sempre foi muito solidária no sentido de acolher o estrangeiro.
No entanto, quando os haitianos chegaram, a situação foi um pouco diferente, pois a população tinha medo e receio de serem contaminados por alguma doença, já que havia comentários de que os haitianos tinham cólera, HIV, bactérias. Queira ou não, a cultura brasileira é racista. De todo modo, foi possível acolher os imigrantes e as pessoas foram solidárias. A Igreja pediu ajuda e contribuição para as famílias, que doaram alimentos e roupas. Alguns haitianos chegaram sem nada, pois eram assaltados ao longo do caminho.
A juventude também foi bastante solidária; os jovens conversavam com os haitianos, principalmente aqueles que falam inglês. Eles queriam saber da cultura e dos problemas enfrentados no Haiti.
IHU On-Line – O governo do Acre distribui passagens para que os imigrantes possam ir para outros estados. Como o senhor avalia essa postura? O Acre tem condições de receber e abrigar os imigrantes ou um percentual deles?
Rutemarque Crispim – O Acre não tem estrutura para mantê-los no estado, pois os hospitais e postos de saúde são muito limitados e não há locais para hospedá-los. Lembro que, quando nós começamos a preparar a alimentação deles na cozinha paroquial, ficávamos angustiados, porque passávamos um dia inteiro elaborando uma única refeição. Às vezes não tínhamos panelas para cozinhar o feijão. É desumano eles virem para o Brasil e não serem bem acolhidos. Então, a iniciativa do governo do Acre foi de grande valor para os haitianos e para algumas empresas que não tinham condições de pagar as passagens para seus futuros funcionários. Desde o início deste ano, as empresas que irão empregar os haitianos estão comprando as passagens para eles. Mandá-los para outros estados não é uma opção de repulsa nem de preconceito, mas uma forma de ajudá-los, porque eles querem trabalhar. A maioria deles quer mudar para São Paulo.
IHU On-Line – Como a Igreja tem se posicionado diante destas migrações e como tem atuado junto aos haitianos?
Rutemarque Crispim – Assumi a paróquia no ano passado, no dia 2 de janeiro. Em seguida, recebi aproximadamente 300 haitianos. Eu sabia pouco em relação a refúgio, à documentação. Então, tive que estudar para compreender como deveria agir diante desta onda migratória, porque, às vezes, queremos ajudar, mas podemos fazer algo errado. A Cáritas Diocesana nos ajudou muito, além de Pe. Raimundo, pároco de uma cidade vizinha. Ainda estamos aprendendo a lidar com os imigrantes e refugiados que chegam ao estado.
A estrutura da Igreja é pequena, e ainda não temos a Pastoral da Mobilidade Humana, uma pastoral dos imigrantes; neste mês queremos fundá-la. Como sabemos, haitianos, africanos, quenianos, bolivianos vão continuar entrando no Brasil pela fronteira com a Bolívia, e temos de ter uma estrutura para ajudá-los.
IHU On-Line – Quais são os maiores desafios de atuar junto dos imigrantes?
Rutemarque Crispim – O primeiro desafio é ter compreensão das leis, para saber como proceder com as pessoas que chegam ao Brasil.
Outro grande desafio é nos preocuparmos com o ser humano, porque às vezes somos tentados a ver os haitianos apenas como uma mão de obra barata. Temos de ter clareza de que eles sofreram bastante e de que vêm para o país com uma angustia muito grande, pois deixaram suas famílias no Haiti e precisam enviar dinheiro para elas. A imigração vai continuar fazendo parte da cultura brasileira. O Brasil é formado de imigrantes e continuará sendo. Por isso temos de amadurecer essa ideia de como acolhê-los da melhor maneira possível para crescermos como comunidade.
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Haitianos no Brasil. Entrevista especial com Rutemarque Crispim - Instituto Humanitas Unisinos - IHU