15 Março 2016
Três anos. De certo modo, parece que o Papa Francisco vem comandando a Igreja de Roma há muito mais tempo.
Isso porque provavelmente ele conseguiu ter sucesso em provocar uma mudança importante de atitude entre inúmeros católicos neste período relativamente curto de tempo.
O comentário é de Robert Mickens, editor-chefe da revista Global Pulse e que desde 1986, vive em Roma, onde estudou teologia na Pontifícia Universidade Gregoriana, antes de trabalhar na Rádio Vaticano por 11 anos e, em seguida, como correspondente da revista The Tablet de Londres, publicado por Global Pulse, 11-03-2016. A tradução é de Isaque Gomes Correia.
De certa alguma forma, é difícil acreditar que, neste domingo (13-03-2014), o primeiro papa jesuíta e nascido no Novo Mundo estará celebrando apenas o seu terceiro aniversário de pontificado.
O papa marcará esta data de um jeito que não deve surpreender ninguém: ele o fará jantando com alguns dos desabrigados que frequentemente procuram comida e um lugar para descansar na região em torno do Vaticano.
O único papa a tomar o nome do santo pobre e querido de Assis está trabalhando pesado para mudar a mentalidade de seus companheiros católicos, encorajando-os – pela palavra e pelo exemplo – a se tornarem “uma Igreja pobre para os pobres”.
Ele também tem dado testemunho sobre o que significa ser uma Igreja humilde e misericordiosa, que caminha com a humanidade pecadora em um diálogo respeitoso, e como um viajante companheiro numa jornada incerta, em vez de uma Igreja centrada em pregar absolutos morais e admoestações – na maior parte sobre as chamadas “questões pélvicas” – desde uma distância segura de seus santuários higienizados.
Um pouco de ar fresco
Dentro da comunidade eclesial em si, o Papa Francisco restaurou o senso de “normalidade” sobre o que significa ser Igreja, principalmente pondo de lado as polêmicas polarizantes em torno do que constitui a interpretação correta do Concílio Vaticano II e abandonando tentativas inúteis de simular a vida e o culto católicos do período pré-Vaticano II.
Apesar da oposição feroz dentro da Cúria Romana – oposição ainda que dissimulada –, ele se pôs metodicamente a reformar a burocracia central da Igreja. Infelizmente, as mudanças foram poucas até agora, mas Francisco prometeu que, nesse objetivo, não irão dissuadi-lo.
E o mais importante: ele igualmente está lançando cuidadosamente as bases para aquilo que pode ser a mudança mais significativa na estrutura de governo da Igreja em mais de mil anos: a mudança de uma forma monárquica e centralizada de comando para um modelo sinodal e subsidiário mais próximo da prática da Igreja primitiva.
O pontífice de 79 anos, assim como João XXIII fez mais de meio século atrás, trouxe um ar fresco e uma grande esperança extremamente necessários às pessoas na Igreja e no mundo todo. E, por isso, ele ganhou com razão a admiração de católicos e não católicos.
Tudo isso é muito encorajador.
Porém…
Sim, sempre há um “porém”. E, nesse caso, ele é bem grave e bastante preocupante.
Todas as coisas boas que o Papa Francisco conseguiu até agora não só corre o risco de ser ofuscado, mas todo o seu pontificado pode ser significativamente posto em perigo caso ele não comece imediatamente a agir de forma mais decisiva em, pelo menos, duas questões que preocupam profundamente um segmento significativo de seu rebanho: a pedofilia e o papel das mulheres dentro da Igreja.
A sua negação – ou simplesmente a sua falta de interesse em – abordar seriamente estes dois temas causa perplexidade e é profundamente decepcionante para muitos católicos que, por outro lado, o acham um papa extraordinariamente inspirador. Ele vai perder o apoio destas pessoas e afastar inúmeras outras caso não comece a agir.
Abusos sexuais clericais e bispos errantes
É um fato simples e indiscutível que o Papa Francisco não priorizou, em seu pontificado, tratar os casos de abuso sexual dentro da Igreja Católica. Os poucos passos que ele deu – a criação de uma comissão consultiva para a proteção (tutela) dos menores de idade e um tribunal para responsabilizar os bispos por má-conduta no tratamento em casos dessa natureza – vieram após a insistência de outros, principalmente do Cardeal Sean O’Malley, arcebispo de Washington, membro do Conselho dos Cardeais.
Mas nenhum destes dois órgãos – a Comissão para a Tutela dos Menores e o tribunal eclesiástico – produziu resultados visíveis. A comissão composta por 17 membros, presidida por O’Malley, reuniu-se somente duas vezes desde que foi criada há dois anos. E ela já removeu (pelo menos temporariamente) um dos dois sobreviventes de abusos sexuais participantes da Comissão – Peter Saunders, britânico – por ser sendo demasiado crítico sobre a inação do papa e de um de seus assessores principais (o Cardeal George Pell), que supostamente teria acobertado casos de pedofilia e bullying décadas atrás na Austrália.
Incrivelmente, Francisco nunca participou de um encontro desta Comissão, apesar dos pedidos para que ele se fizesse presente. Ele nunca também se encontrou com os seus membros enquanto grupo. Na verdade, demorou mais de um ano depois de sua eleição até que viesse a se encontrar oficialmente com alguém que fora sexualmente abusado em sua juventude por um padre. O sr. Saunders esteve entre os seis sobreviventes que o papa viu nesse encontrou inicial em julho de 2014 em sua residência no Vaticano.
Desde então, Francisco se reuniu com sobreviventes de abusos sexuais clericais somente uma outra vez. Isso foi em setembro de 2015 durante a sua visita à Filadélfia. Um grupo de sobreviventes da Austrália que viajou para Roma poucas semanas atrás para presenciar o depoimento via videoconferência dado por Pell à Comissão Real [australiana] para Respostas Institucionais ao Abuso Sexual Infantil tentou ter um encontro com o papa. Mas o grupo não teve sucesso.
O padre jesuíta Federico Lombardi, porta-voz do Vaticano, alegou que Francisco não recebeu o pedido para se encontrar com o grupo. Porém os australianos contestaram essa afirmação e mostraram uma cópia de um fax que haviam enviado à residência papal. Mesmo que os funcionários aqui – coordenados por Dom Georg Gänswein – não tivessem repassado o pedido para as autoridades competentes, é absolutamente impossível que o papa (ou, pelo menos, as pessoas próximas dele) de nada soubessem do desejo das vítimas australianas.
Quatro dias antes de o grupo voltar para a Austrália, a imprensa italiana informou o desejo deles de se encontrar com o papa. Não deveria sequer haver a necessidade de eles submeterem um pedido oficial. O Papa Francisco, famoso por seus telefonemas inesperados a pessoas simples e por ter a iniciativa de se encontrar com todos os tipos de pessoas possíveis, deveria ter estendido este seu convite para incluir os sobreviventes australianos.
Será que algum de seus assessores mais próximos o incentivou a agir assim? Se não, por que não houve um encontro entre ele e os sobreviventes? E o que feio feito do departamento jurídico especial “para julgar bispos em relação a crimes de abuso de poder quando conectado com o abuso de menores” que, em junho passado, seria criado dentro do tribunal da Congregação para a Doutrina da Fé – CDF?
Este setor não deu em nada.
Já se passaram nove meses desde que o anúncio foi feito e, no entanto, Francisco sequer nomeou o secretário ou alguém mais para supervisionar este novo departamento. Esse novo mecanismo do tribunal da CDF era para servir como prova de que o Vaticano estava sendo falando sério a respeito da responsabilização dos bispos em casos de má-conduta relativa a casos de abusos sexuais em suas jurisdições eclesiásticas.
Sem dúvida, houve uma forte oposição ao plano. E ele veio certamente também de dentro da própria congregação doutrinal. Afinal de contas, o seu prefeito, o Cardeal Gerhard Müller, fora denunciado repetidas vezes por fiéis em sua antiga diocese alemã de Regensburg por permitir que padres, sabidamente culpados de abuso sexual, permanecessem no ministério.
Mas a bem da justiça e de sua própria credibilidade, o Papa Francisco precisa superar esta oposição e este impasse. Caso contrário, os seus comentários concernentes à responsabilização dos bispos, coisa que ele fez no mês passado enquanto voltava da visita ao México, continuarão a soar como falsos.
“Um bispo que troca um sacerdote de paróquia quando se reconhece um caso de pedofilia, é um inconsciente, e o melhor que pode fazer é apresentar sua renúncia”, disse o papa. “Está claro?”, acrescentou ele, evidentemente para mostrar a sua seriedade.
Mas um papa pode também exigir uma tal renúncia. E se um bispo se recusa, ele pode trocá-lo. Isso não aconteceu, a menos que tenha sido feito secretamente, o que dificilmente é uma vitória para o princípio de transparência, que é o que está por detrás de tudo isso.
Cada vez mais, por causa de sua falta de ação, a muitas pessoas parece que, quando se trata da questão dos abusos sexuais infantis cometidos pelo clero, o Papa Francisco ainda não entendeu a mensagem.
A Igreja estará vazia sem elas
E provavelmente existem mais pessoas ainda que enxergam o papa argentino como, lamentavelmente, fora de contato com as problemáticas relacionadas às mulheres, especialmente a necessidade de criar mais áreas de participação para elas na vida e nos níveis de tomadas de decisão da Igreja.
Mesmo se deixarmos de lado a questão da ordenação feminina ao sacerdócio – ainda que ninguém na Igreja tenha um argumento teológico coerente e convincente a oferecer sobre o porquê elas não podem participar no presbitério –, existem tantas outras áreas onde se precisa desesperadamente da presença delas.
O problema acima mencionado dos casos de pedofilia é somente um exemplo. Se as mulheres estivessem envolvidas em forjar a resposta inicial da Igreja àquilo que agora estamos começando a entender se tratar de uma pandemia mundial em geral, provavelmente se teria lidado de forma diferente com as coisas e, provavelmente, ter-se-ia uma ação mais eficiente. Aqui estamos diante de uma área onde o “gênio feminino” e os “instintos maternais” singulares (que certos hierarcas gostam de apontar) teriam sido certamente úteis.
As mulheres ocupam cargos importantes na Igreja, na medida em que coordenam importante entidades prestadoras de serviços à comunidade, tais como escolas, hospitais e organizações de caridade. Alguns bispos possuem mulheres como secretárias executivas, chanceleres diocesanas, canonistas e professoras seminaristas.
Mas esta tal inclusão é deixada aos caprichos ou à engenhosidade de cada bispo.
Estruturalmente, as mulheres continuam sendo cidadãs de segunda classe na Igreja Católica. E qualquer menina de 10 anos de idade que (surpresa!) não tenha interesse algum na Igreja sabe disso: mesmo se a mãe dela ou sua avó, ainda tentando amar e permanecer nessa comunidade de fé, ache difícil reconhecer este fato.
O Papa Francisco tem a autoridade e o poder de mudar esta situação. E é melhor ele começar a fazer isso já.
Francisco vem sendo um papa inspirador, podendo contar com o apoio e a oração de tantos fiéis que querem – e precisam – desesperadamente que ele tenha sucesso em reformar e renovar a Igreja.
Mas se ele não encontrar um modo de fazer das mulheres cidadãs plenas nesta comunidade, dando-lhes uma voz igual em todas as áreas de tomada de decisão e serviço na Igreja, até mesmo aquelas (e aqueles) jovens que ainda se interessam no desenvolvimento espiritual e que nutrem o sentimento de pertença irão continuar a olhar para outros lugares.
O Ano Quatro do pontificado de Francisco, o Bispo de Roma, está começando. Chegou a hora de ele abordar estas questões candentes.
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Três anos de um pontificado extraordinário. Mas… chegou a hora de o papa abordar temas candentes - Instituto Humanitas Unisinos - IHU