01 Dezembro 2015
Na catedral de Bangui, capital da República Centro-Africana, o papa abriu nesse domingo a Porta Santa do Jubileu, o Ano Santo da Misericórdia que começa no dia 8 de dezembro.
A reportagem é de Francesco Peloso, publicada no jornal L'Unità, 29-11-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Com a viagem à África, precedida e acompanhada por temores pela sua própria segurança, o papa se apresentou para encerrar um 2015 em que afirmou de modo decisivo a sua liderança entre os povos e os países do Sul do mundo.
Uma definição talvez não mais suficiente para manter unidas realidades geográficas, políticas e sociais tão diferentes. Mas é possível encontrar um traço comum que as caracteriza: ou seja, a vontade, a necessidade de "emergir", de fazer pesar a própria voz na comunidade internacional, apesar das evidentes relações de força desfavoráveis.
Assim, o Papa Francisco, em nome de um cristianismo não mais só romano e europeu, acolheu o desafio e o assumiu, interpretando a outra face da globalização, que conecta não só as Bolsas, os mercados – não por acaso tomados frequentemente como símbolos negativos pelo pontífice, como se fossem os novos ídolos dos quais é preciso se proteger –, mas também as favelas de Manila e de Nairóbi, os agricultores bolivianos e os coletores de papelão de Buenos Aires, passando pelas periferias de Nápoles, de Scampia, até a Plaza de la Revolución de Havana e, depois, tocando as fronteiras onde mundos diferentes se encontram e entram em conflito, começando por Lampedusa.
Diversos observadores veem nessa configuração de Bergoglio uma carga populista, e, sem dúvida, tal elemento está presente na mensagem que o Papa Francisco transmite nos seus discursos públicos. Por outro lado, o fato é que isso faz parte da sua própria experiência política e história como argentino.
No entanto, ao mesmo tempo, é nessa inversão de latitudes e de prioridades, ao colocar novamente no centro a África, "os descartados", os "bairros populares", na capacidade de se dirigir com inteligência política reformista ao Parlamento Europeu (discurso do dia 25 de novembro de 2014), falando depois a linguagem profética do Evangelho diante da multidão que o acolheu nas grandes metrópoles do mundo, que se delineia um percurso original capaz de colocar o cristianismo novamente no centro da cena mundial.
Das Filipinas à África
Francisco, ao longo deste ano, foi para as Filipinas, para aquele extrema Oriente em que a Igreja busca uma nova forma de evangelização do continente mais populoso do planeta; para a América Latina mais pobre – Bolívia, Equador, Paraguai –; e agora para a África do Quênia, da Uganda, da República Centro-Africana (ainda abalada por conflitos políticos e pseudorreligiosos).
Certamente, ele foi também para Washington, para Nova York, para a Filadélfia, mas, antes, fez uma escala em Cuba, onde coletou os frutos de uma mediação excepcional realizada pela Santa Sé entre a Casa Branca e o regime castrista. Ter dissolvido Cuba do feitiço do embargo e, ao mesmo tempo, do imobilismo interno foi um sucesso extraordinário para o papa de origem e nacionalidade argentina, assim como aquele Che, cujo ícone despontava atrás do altar no qual Bergoglio celebrou uma missa multitudinária na "isla grande".
Daí nasceu a definitiva investidura que os governos e os povos da América do Sul concederam de boa vontade ao bispo de Roma, um evento cujo porte, na Europa, não se pode captar até o fim.
O papa que tocou o solo africano, nesse sentido, não foi inferior, ainda mais que Francisco foi ao coração de uma realidade em que o radicalismo islamista deixou uma longa trilha de sangue atrás de si. A violência fundamentalista se confunde, no entanto, com a violência filha das infinitas guerras entre facções e "exércitos revolucionários" de todos os matizes, armados por aliados poderosos e interessantes, que disputam entre si recursos energéticos, minerais, naturais.
O cenário, de que Francisco está bem ciente, é o de uma exploração sem fim, que vê juntas as responsabilidades predadoras das próprias classes dirigentes africanas, em uma convergência de finalidades e objetivos com os grandes grupos multinacionais e com governos estrangeiros há muito tempo não mais e não só europeus. Por isso, dentre outras coisas, o papa denunciou a corrupção desenfreada no Quênia.
Cristianismo e Islã
Entre as questões que inevitavelmente tiveram um peso particularmente relevante nessa viagem africana, estava a do conflito entre Islã e cristianismo, alimentado pelos atentados na França e em outros países.
Na origem do caos, também está a crise síria, o desastre do Iraque, a crise do Oriente Médio, marcada, dentre outras coisas, pela fuga de milhões de sírios das suas terras. Francisco tentou desviar o trem da escalada inevitável, da guerra que chama guerra. Reafirmou um princípio já proferido por João Paulo II, ou seja, que nenhum Deus jamais pediu que os seus fiéis se transformassem em assassinos, mas também reiterou que, na pobreza, no desespero que já marca o destino de milhões de pessoas nesses territórios, cresce a semente da violência.
Portanto, não serão os muros ou o medo do outro que vão nos salvar, é a mensagem do papa, mas uma intervenção nas causas de fundo desta crise. Em um plano mais geral, a Santa Sé está elaborando propostas para relançar o papel da comunidade internacional, de modo que o princípio referido como "responsabilidade de proteger" – que diz respeito a minorias e populações civis também em conflitos internos a um mesmo país – seja acompanhado por um adequado marco jurídico, para que não prevaleçam interesses nacionais ou particulares quando, em casos extremos, se decida uma intervenção até mesmo de tipo militar.
Jubileu e Laudato si'
Por fim, não se pode esquecer que, na catedral de Bangui, capital da República Centro-Africana, o papa abriu nesse domingo a Porta Santa do Jubileu, o Ano Santo da Misericórdia, que começa no dia 8 de dezembro.
Aqui, o símbolo é muito evidente, a Igreja se transfere para a África, recomeça de onde a palavra reconciliação não é artifício retórico, mas faz a diferença entre a vida e a morte, o medo e uma chance de futuro.
No plano político, por fim, a Santa Sé fará ouvir a sua voz no contexto da COP-21, a conferência mundial sobre o ambiente que terá início nas próximas horas em Paris.
A encíclica Laudato si', nesse sentido, é uma nova bússola sobre a Criação para os fiéis e um instrumento político de primeira ordem, capaz de mobilizar e unir mundos diferentes e distantes, dos movimentos ambientalistas às igrejas locais, passando pelos países afetados pelo aquecimento climático.
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A "sua" África: Francisco, líder global do Sul do mundo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU