26 Novembro 2015
O Vaticano parece estar respondendo de maneira equivocada ao vazamento de documentos sigilosos. Ele está agindo como um Estado em vez de agir como uma igreja.
Verdade seja dita, a Cidade do Vaticano é um Estado que pode aprovar e derrubar leis, mas também é o escritório central da Igreja Católica. Neste caso, ele deveria agir como uma igreja, e não como um Estado.
O comentário é de Thomas Reese, jornalista e jesuíta, publicado por National Catholic Reporter, 24-11-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
O Vaticano acusou criminalmente cinco pessoas – dois jornalistas e três funcionários seus – de “procurar e revelar” informações sigilosas.
Os jornalistas Emiliano Fittipaldi e Gianluigi Nuzzi publicaram livros sobre gastos vaticanos e práticas financeiras questionáveis com base em documentos confidenciais vazados.
Na primeira audiência num tribunal vaticano, os repórteres protestaram dizendo que o processo viola os seus direitos de jornalistas reconhecidos na Itália, na Europa e pelas Nações Unidas.
A Associação Internacional dos Jornalistas emitiu uma nota nesta terça-feira manifestando “consternação e preocupação” pelo fato de os dois jornalistas estarem sendo processados por publicarem documentos vazados quando “publicar notícias é exatamente o seu trabalho”.
O Mons. Angel Vallejo Balda e Francesca Chaouqui foram detidos por autoridades vaticanas no começo deste mês sob suspeita de vazarem os documentos usados nos livros. Ele havia trabalhado como secretário da Prefeitura dos Assuntos Econômicos da Santa Sé, e ela, especialista em relações públicas, fora membro da Pontifícia Comissão de Estudo e de Orientação sobre a Organização da Estrutura Econômico-Administrativa da Santa Sé.
Nicola Maio, leigo assistente do Monsenhor Balda, também foi acusado.
Os três funcionários são acusados de conspiração criminosa para “divulgar informações e documentos concernentes a interesses fundamentais da Santa Sé e Estado [da Cidade do Vaticano]”, enquanto todos os cinco réus são acusados de apropriação indevida e mal-uso de documentos do Vaticano.
Os funcionários vaticanos que vazaram os documentos não deveriam ser processados; eles deveriam ser disciplinados como qualquer funcionário da Igreja que vaza informações confidenciais. No máximo, poderiam ser demitidos, destituídos de todos os títulos e privilégios, e até mesmo proibidos de trabalhar em alguma outra entidade da Igreja.
Mas a ideia de colocar os seus funcionários diante de um julgamento por vazarem documentos não pode ser séria. O Papa Bento perdoou o seu mordomo após este ser condenado, em 2012, por furtar documentos dos apartamentos papais, e o Papa Francisco irá, em dúvida, fazer o mesmo caso estas pessoas acabem condenadas. Por que se incomodar?
Processar os jornalistas é ainda pior. Processar põe o Vaticano na companhia dos regimes autoritários que não respeitam a liberdade de imprensa. Tal atitude é estúpida e errada. E mais: se os jornalistas italianos forem condenados, é pouco provável que a Itália vá extraditá-los para o Vaticano. Por que ter que passar por tudo isso?
Vazamentos de segredos oficiais levam as autoridades governamentais à loucura. Uma coisa que todos os presidentes americanos, de Richard Nixon a Barack Obama, têm em comum é o ódio pelos vazamentos. A esta lista podemos adicionar o Papa Francisco agora.
No dia 8 de novembro, o papa falou sobre os documentos vazados durante o seu discurso do Angelus. “Sei que muitos de vocês estão preocupados com as notícias que têm circulado nos últimos dias, sobre os documentos confidenciais da Santa Sé, roubados e publicados”, disse. “Por isso, gostaria de lhes dizer, antes de tudo, que roubar esses documentos é um crime. É um ato deplorável que não ajuda”.
Os vazamentos são especialmente decepcionantes quando decorrem de pessoas em quem se confiou porque pensaram que elas eram apoiadoras leais.
Práticas assim podem causar prejuízos políticos a funcionários do governo e, nos piores casos, ameaçar a segurança nacional. Os vazamentos trazem informações que podem frustrar os planos dos governos antes de eles serem implementados. Francisco deixou claro que os vazamentos não irão detê-lo de reformar as finanças vaticanas.
Às vezes os vazamentos envergonham os governos ao tornar públicas informações que eles gostariam que se mantivessem em privado. Francisco claramente queria usar tais informações para reformar as finanças do Vaticano, mas ele pode talvez não ter desejado processar ou publicizar todas as infrações passadas.
No mínimo, os vazamentos tiram a atenção dos governos, na medida em que precisam correr atrás para tentar tapar o que vazou. Com certeza estes vazamentos tiraram a atenção de Francisco.
Às vezes os vazamentos vêm de pessoas que, em princípio, odeiam o sigilo e apoiam a transparência governamental. Eles podem também resultar de um funcionário que simplesmente está querendo ajudar um jornalista a fazer o seu trabalho. Mas os vazamentos podem também resultar de subornos ou chantagens. Tais métodos violam a ética jornalística e podem ser infrações passíveis de processos judiciais.
A forma como um governo responde aos vazamentos pode influir em sua reputação com a imprensa e o público. Aqui devemos distinguir entre a maneira como o governo responde a quem vaza as informações e a forma como ele responde à imprensa que publica o vazamento.
O governo processar o vazamento de segredos de Estado é algo legítimo dependendo do prejuízo que a exposição causar. Se vidas ou a segurança nacional forem postas em risco, um processo criminal será merecido.
Os documentos financeiros vazados do Vaticano não se elevam ao nível de segredos de segurança nacional. Somente se eles tornam impossível processar criminosos financeiros no Vaticano é que se elevam ao nível de constituírem um crime.
Ninguém deverá ficar surpreso se for demitido por vazar informações sigilosas. Isso é verdade nos governos, nos negócios e nas igrejas.
Atacar verbalmente a imprensa por publicar vazamentos é válido, assim como tornar o trabalho dela mais difícil ao não lhe conceder entrevistas ou expulsá-las das entrevistas coletivas. Mas até mesmo estas opções devem ser limitadas, ao menos que se queira transformá-la em mártires junto de deus colegas.
Um oficial de imprensa da Casa Branca se desentendeu com um repórter ao deixá-lo, em seu escritório, com um documento marcado “Top Secret” sobre sua mesa. O documento era falso e teria destruído a carreira do jornalista caso o funcionário não tivesse informado ao jornalista antes de ele levar adiante a sua história.
Processar a imprensa por crime somente é feito em casos raros extremos, onde vidas estão em jogo. Os governos que processam repórteres por publicar outros tipos de vazamentos estão abusando de seu poder e interferindo no direito fundamental da livre imprensa.
Qual o melhor conselho tanto para o governo quanto para os funcionários católicos quando eles se depararem com um vazamento? “Respirem fundo. Acalmem-se. Tomem um pouco d’água.
Reconheçam que vazamentos são inevitáveis. Não mandem a polícia ir atrás da imprensa; isso vai apenas piorar o dano. Encontrem quem vazou e demita-os”.
O Vaticano é muito bom em manter segredos, especialmente no campo da política externa. Lembremos de como ele organizou as negociações secretas entre os EUA e Cuba.
Mas o Vaticano pode também vazar como uma peneira, especialmente em questões católicas disputadas. Lembremos como, ainda antes do Conclave de 2013, tudo o que era falado nos encontros dos cardeais vazava. Durante estes momentos, disseram aos cardeais americanos para não concederem coletivas de imprensa, pois os cardeais italianos queriam vazar, seletivamente, informações aos seus jornalistas preferidos.
O vazamento feito por funcionários do Vaticano, leigos e clérigos (incluindo cardeais), é generalizado.
Uma piada no Vaticano é que um segredo pontifício é um segredo que você só pode contar a uma pessoa numa única vez. A resposta vaticana mostra como ele ainda é uma instituição em grande parte italiana, preocupada como é retratada na imprensa do país.
A verdade é que todo jornalista italiano já recebeu informações vazadas vindas de todos os níveis do Vaticano. Quando praticamente tudo é classificado como sigiloso, não há outra maneira de trabalhar aqui.
O Vaticano precisa respirar e se afastar desta estratégia contraprodutiva, agindo como uma igreja (e não como um Estado). Estes processos são antitéticos às reformas de Francisco.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
A resposta desnecessária do Vaticano aos vazamentos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU