27 Outubro 2015
"Francisco estabeleceu o curso para uma reforma eclesial que não é pessoal e individual, mas institucional e coletiva, parecida com a “reforma gregoriana” (de Gregório VII no século XI). A grande diferença é que não mais existem um Sacro Império Romano como uma contraparte política (pela supremacia da cristandade europeia) e um modelo institucional (a reforma gregoriana fez do papa um imperador na Igreja)", escreve Massimo Faggioli, professor de história do cristianismo e diretor do Institute for Catholicism and Citizenship, na University of St. Thomas, nos EUA, publicado por Global Pulse, 25-10-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Eis o artigo.
O fim do Sínodo dos Bispos 2015 não foi menos dramático do que o Sínodo do ano anterior. O documento final, que recebeu um quórum de dois terços para todos os parágrafos, é mais cauteloso do que o documento do ano passado. Ele também se silencia em algumas questões importantes, a saber: a atitude da Igreja para com as pessoas gays (exceto uma tímida passagem sobre as famílias com integrantes gays). Este silêncio é claramente um passo atrás em relação ao Sínodo 2014, e é o resultado da escolha de alguns bispos e cardeais em postos de proeminentes para o debate no Sínodo – os bispos e cardeais que são claramente hostis a um novo curso estabelecido por Francisco. Mas, nesse sentido, o relatio final de 2015 é um documento que nos dá um retrato da Igreja – mais precisamente, de seus bispos –, um retrato que é mais fiel à realidade e à Igreja que temos hoje, e não àquela que gostaríamos de ter. Mas também ficou claro para onde a Igreja está indo, e não tão devagar assim.
O resultado mais importante do Sínodo é procedimental: na história da Igreja Católica no período pós-Reforma, tivemos algo desse tipo somente no Vaticano II. E o que se seguiu ao Vaticano II, depois de uma temporada muito curta de sinodalidade episcopal sob a liderança de Paulo VI, foi o inverno do descontentamento geral. A colegialidade do Vaticano II começou e terminou em poucos anos, entre dezembro de 1965 e o início de 1968, quando Paulo VI decidiu publicar Humanae Vitae.
O processo sinodal de 2014-2015 foi decidido por Francisco (e ele pode não necessariamente estar concluído), e é isso o que a Igreja Católica esperava 50 anos atrás, no final do Concílio Vaticano II. Foi preciso o primeiro papa pós-Vaticano II (Francisco foi ordenado sacerdote em 1969) para implementar este elemento-chave conciliar.
Não é que Francisco agora precise se antecipar por causa do tempo perdido (e foi muito tempo). Se lembrarmos que quase todos os bispos que foram eleitos participantes do Sínodo foram nomeados por João Paulo II e Bento XVI, teremos uma ideia das dificuldades do papa em fazer com que o Sínodo enfrentasse as problemáticas que, até três anos atrás, haviam sido ignoradas ou tomadas como se a realidade não existisse, ou ainda como se a realidade do lado de fora da Igreja não afetasse a própria Igreja.
A imagem que a Igreja Católica deu e si mesma no Sínodo é a de uma Igreja muito diferente no lado de dentro, com muitas fendas ideológicas diferentes (ideológicas, geoculturais, geracionais). Mas não há dúvida de que existe uma maioria a favor das aberturas do Papa Francisco. Sendo quase todos os bispos nomeados por Wojtyla e Ratzinger, estamos diante de um fato espetacular. ]
A geoteologia do catolicismo no Sínodo parece tão complicada como o é na realidade. A América Latina acompanha Francisco e representa um modelo de uma Igreja Católica capaz de agir com eficácia no nível continental. Os italianos estão bastante divididos e são bem diferentes uns dos outros (comparemos um simpático teólogo como Dom Brambilla, teólogo moral assim como o Cardeal Caffarra, que escreveu muito a partir da encíclica sobre a vida e o matrimônio de João Paulo II, e um homem da burocracia como o Cardeal Piacenza, e veremos o pensamento que há por detrás disso tudo).
A teologia alemã ainda é aquela (como 50 anos atrás) que se faz necessária para levar adiante o pensamento da Igreja. Os bispos falantes de língua inglesa (especialmente os africanos e americanos) são guerreiros culturais motivados por preocupações políticas, mas existem diferentes tonalidades: o Cardeal Turkson é o futuro das igrejas africanas, o Cardeal Sarah é o passado remoto.
Os bispos da Europa oriental se parecem muito mais moldados pelo legado de João Paulo II do que por uma consciência do que está em nossa frente. O Sínodo igualmente mostrou que grande parte do debate católico, hoje, é a expressão de um debate entre os bispos americanos. O fato de que eles tenham discordado em público (vejamos simplesmente a entrevista franca concedida pelo Cardeal Wuerl à revista America no dia 18 de outubro) é, em si, surpreendente: é o sintoma do extremismo e do sectarismo de alguns deles (contra os quais Wuerl estava reagindo), mas também o sinal do avanço de Francisco na hierarquia católica americana (Dom Cupich, de Chicago, e o Cardeal O’Malley, de Boston, não estão sozinhos).
A situação da Igreja está se desenvolvendo, mas também está claro que a Igreja precisa de Francisco mais do que nunca. Aquelas questões sobre as quais o texto de 2015 é um compromisso será abordado pelo Sínodo na próxima vez, ou pelo papa antes disso – e, claro, já existem, na Igreja real, bispos, sacerdotes e leigos que encontraram soluções temporárias que nenhuma lei canônica dá conta de sustentar.
Numa situação como esta, a devolução às conferências nacionais e continentais é, ao mesmo tempo, necessária e arriscada: poderia ser um passo em direção a uma maior colegialidade, o que pode levar alguns episcopados a um cerceamento da realidade. O documento final do Sínodo é importante, mas ele diz menos a respeito da direção futura da Igreja do que as grandes alocuções de Francisco feitas em 17 de outubro (um novo quadro eclesiológico para uma Igreja sinodal) e em 24 de outubro (contra os ideólogos na Igreja). É por isso que o Sínodo de 2015 irá decepcionar alguns progressistas, mas ele é claramente uma vitória para Francisco. A arrogância de alguns tradicionalistas anti-Francisco esconde uma clara decepção por terem de reabrir questões consideradas fechadas para sempre (“Nós já não havíamos vencido isso antes?”).
O desafio para a Igreja de Francisco é duplo. O primeiro é que Francisco estabeleceu o curso para uma reforma eclesial que não é pessoal e individual, mas institucional e coletiva, parecida com a “reforma gregoriana” (de Gregório VII no século XI). A grande diferença é que não mais existem um Sacro Império Romano como uma contraparte política (pela supremacia da cristandade europeia) e um modelo institucional (a reforma gregoriana fez do papa um imperador na Igreja).
O segundo desafio de Francisco é restaurar a sanidade teológica numa Igreja em que muitíssimos pastores veem a “doutrina” como mais importante do que a “pastoralidade” – e em que eles não podem esperar para perceber e denunciar a heresia. As acusações de heresia e os resmungos sobre um cisma são gestos sectários e provas de um desespero. Há alguns que vieram para Igreja Católica como uma ilha de certeza e segurança num mundo que se parece mais e mais caótico e assustador. Isso diz mais sobre eles do que o diz sobre a Igreja ou o mundo.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
O Sínodo de Francisco: A vida sinodal começa aos 50 - Instituto Humanitas Unisinos - IHU