23 Setembro 2015
Não há tempo para que o Papa Francisco recupere o fôlego! Depois da sua viagem a Cuba e aos Estados Unidos, virá o Sínodo. E o Sínodo será um verdadeiro desafio para o Papa Francisco, já que ele é chamado a mostrar que pode governar as diferentes partes dentro da Igreja. Resta saber como essas partes vão se apropriar das mensagens do papa durante a viagem aos EUA.
A reportagem é de Andrea Gagliarducci, publicada no sítio Monday Vatican, 21-09-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Os discursos mais aguardados do papa nos EUA são aqueles que ele vai proferir nas Nações Unidas e em uma sessão conjunta do Congresso dos Estados Unidos, os dois únicos discursos dos 26 em que provavelmente ele não vai improvisar. Ele não improvisou quando falou no dia 25 de novembro passado em nome da justiça social e da família ao Conselho da Europa e ao Parlamento Europeu.
Ele não vai improvisar perante o Congresso. Ele vai falar em inglês, uma língua que ele não traz na ponta da língua. Ele também não vai improvisar nas Nações Unidas, embora falará em espanhol, a sua língua materna.
Vale ressaltar que o Congresso o convidou para falar perante ambas as casas em uma sessão conjunta apesar do fato de que o Congresso não tinha enviado a ele a tradicional mensagem de congratulações quando da sua eleição. É ainda mais digno de nota que a opinião pública estadunidense sobre a Igreja mudou com o Papa Francisco, que é mais apreciado por aquilo que se diz que ele disse do que por aquilo que ele realmente diz.
Foi assim que o Papa Francisco tornou-se a estrela e o ícone de uma certa imprensa esquerdista que destaca um papa aberto aos homossexuais na Igreja, cuja agenda de misericórdia realmente é precisa, cujos esforços pela justiça social são justamente elogiados porque se focam em problemas sociológicos e se apoiam em dados científicos reais, e não em questões da vida e da liberdade religiosa que não se coadunam com a esquerda.
Essas últimas questões não estavam apenas no centro da arena dos EUA, mas também no centro de um debate global que até agora a Igreja liderou – basta pensar no trabalho da Santa Sé nas Conferências das Nações Unidas do Cairo e de Pequim (respectivamente em 1994 e 1995).
Quando o Papa Francisco fala sobre questões da vida e da família, quando ele condena o aborto – como ele também faz na encíclica Laudato si' –, a opinião pública permanece em silêncio. Na verdade, o mundo secular quer usar o papa como um totem para promover uma revolução cultural que acabará por ofuscar a Igreja.
Essa é a razão pela qual a Igreja, segundo a imprensa esquerdista, finalmente encontrou a sua verdadeira dimensão, enquanto, antes disso, ela estava desatualizada. A lógica do mundo secular é que o papa – e por extensão a Igreja – deve estar perto dos pobres, deve ir ao encontro das "periferias existenciais" e pode até ser útil para a realização de algumas operações diplomáticas que requerem uma terceira parte e um guarda-chuva diplomático de autoridade. Mas, ao mesmo tempo – segundo o mundo secular – a Igreja deve permanecer fora da arena internacional.
Uma das razões para o convite do Congresso dos EUA para o Papa Francisco é a esperança – não tão oculta – de que um papa sul-americano, mais concentrado no impacto social da Igreja do que no impacto cultural da Igreja – possa ratificar essa capitulação da Igreja à sociedade perante os políticos.
No entanto, essa viagem não é apenas sobre política. Há um mundo inteiro dentro da Igreja que está particularmente interessado nos resultados dos discursos do papa às Nações Unidas e ao Congresso dos EUA. Esse mundo é liderado pelos bispos alemães, que são os mais comprometidos em levar adiante a chamada "agenda da misericórdia".
Eles teorizam que, se a Igreja não levar suficientemente em consideração a atual situação social, ela continuará a sofrer ainda mais uma hemorragia de fiéis. Ao contrário – defendem eles – o pensamento da Igreja deve se adaptar às situações sociais e curar as feridas, em vez de fornecer um ideal a ser buscado.
Esse é um dos resultados daquilo que o Papa Francisco chama de Igreja "hospital de campanha". O papa, no entanto, fala sobre primeiros socorros, a serem aplicados naquelas que muitas vezes são situações desesperadas. Como muitas vezes acontece com papas em relação a suas terras nativas, a perspectiva do Papa Francisco tem sido a da América Latina. Lá, o mundo cristão está profundamente dividido; os católicos estão perdendo terreno, e as seitas protestantes estão prevalecendo. A crise da fé na América Latina está ocorrendo porque as estruturas da Igreja Católica são consideradas mais ou menos como "agências sociais", e não um lugar onde se olha para a fé.
Essa é a razão pela qual o Papa Francisco sempre insiste que a Igreja não é "uma ONG misericordiosa" e aprecia tanto a piedade popular como a única fé genuína que ele pode experimentar.
Depois de serem atendidas no hospital de campanha, as pessoas devem ser transferidas para estruturas que forneçam um tratamento permanente. Não é apenas uma questão de costurar uma ferida aberta. Ao contrário, a ferida deve ser curada, e uma terapia correta deve ser aplicada de modo que as mesmas feridas não ocorram novamente.
O próximo Sínodo sobre a família está olhando para esse tipo de terapia. Esse é o seu objetivo, e não – como amplamente se afirma – a consolação dada tanto pelo acesso à comunhão sacramental aos divorciados e civilmente recasados, e a extensão da aceitação moral e até mesmo uma bênção litúrgica para casais do mesmo sexo.
O Papa Francisco também tem esse primeiro objetivo corretamente em mente, embora a forma como ele vai fazer isso ainda deva ser esclarecida. Na verdade, a verdadeira questão que precisa ser explorada é entender como ele é aconselhado e por quem.
No próximo Sínodo dos Bispos, as regras foram alteradas, com o resultado de que o Sínodo está moldado muito menos como uma comunhão dos bispos. As conclusões desse Sínodo serão comunicadas no discurso final do papa, e não em uma mensagem final do Sínodo ou em uma exortação apostólica pós-sinodal. Nenhum desses documentos será publicado.
Uma comissão encarregada de escrever a mensagem não foi indicada na lista de delegados desse Sínodo, ao contrário do Sínodo em 2014. No entanto, em 2014, não havia nenhuma comissão para lidar com as controvérsias, um órgão que nasceu durante o Concílio Vaticano II e que estava voltado a resolver controvérsias.
Aqueles que mudaram as regras dizem que as mudanças vão permitir que o Sínodo tenha uma discussão mais aberta, porque não haverá nenhum relatório intermediário e porque cada parte do documento de trabalho do Sínodo será discutida em pequenos grupos.
No entanto, esse é exatamente o caminho pelo qual a colegialidade está sendo posta de lado, porque, da forma como as coisas estão agora, a mensagem final do papa vai ofuscar todo o resto, e apenas a sua voz será ouvida.
Certamente a presença do papa é garantia da unidade da Igreja. Mas nenhum papa antes deste jamais desempenhou um papel crucial durante o Sínodo dos bispos, apenas para abrir mão de publicar um documento final.
Não se sabe nada sobre o tempo que será dado para as discussões durante o Sínodo. As escolhas do Papa Francisco das suas nomeações pessoais para o Sínodo – revelados no dia 15 de setembro – não têm quaisquer critérios claros e definidos. Para qualquer regra que você possa encontrar, você também pode encontrar ao menos uma exceção.
As nomeações parecem ser o fruto da vontade do Papa Francisco de "hacer lío", ou seja, "fazer bagunça", no dialeto de Buenos Aires. Assim, parece que o papa quer que cada posição possível esteja representada no debate.
Mas como o seu discurso final será explorado depois do Sínodo? Os "adaptadores da doutrina" provavelmente se concentrarão mais no primado da consciência, já que a sua tentativa de pressionar por mudanças doutrinais e pastorais foi derrotada no último Sínodo, quando eles não conseguiram obter uma maioria qualificada dos bispos.
Os "defensores da doutrina" destacarão o fato de que já existem respostas pastorais adequadas às diversas situações sociais existentes, que também permitem que a Igreja permaneça fiel à doutrina.
No entanto, o papa pode gostar da ênfase no primado da consciência, assim como muitas vezes ele diz que o povo de Deus, em sua totalidade, não pode falhar.
O Papa Francisco, no fim, considera a piedade popular como um meio fundamental para reavivar a fé, junto com a ênfase em questões de justiça social. Sobre essas últimas questões, os discursos dos EUA e do Sínodo dos bispos estão interligados.
Se o papa disser qualquer coisa que mostre que a Igreja está saindo dos debates políticos, a sua medida vai ser manipulada pelos adaptadores no Sínodo. Os adaptadores, de fato, não esperam qualquer outra ocasião mais do que essa viagem para revelarem que o papa não quer uma Igreja construída sobre um ideal, mas uma Igreja que esteja mera e concretamente perto das necessidades das pessoas.
Um discurso vago em termos políticos poderia ser a ocasião para que os adaptadores pressionem o papa a enfatizar que a Igreja deve se adaptar mais à sociedade no seu discurso de encerramento do Sínodo.
Essa é a razão pela qual a visita do papa aos EUA está interligada com o Sínodo. Muito vai depender das exatas palavras do papa. O cardeal Gerhard Müller, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, falou sobre o risco de um cisma. O cardeal Walter Kasper, um promotor da agenda da misericórdia, enfatizou que "um cisma pragmático" já está em andamento.
Esses são os termos de uma luta que lida com a própria presença da Igreja na sociedade. O resto – incluindo a popularidade muito elogiada do Papa Francisco – é cortina de fumaça. A verdadeira discussão está ocorrendo por trás das capas dos jornais e das revistas dedicadas ao papa. E também está além das palavras imprecisamente atribuídas a ele.
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O "fio dourado" papal que une a viagem aos Estados Unidos e o Sínodo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU