09 Junho 2015
Uma das histórias mais interessantes ocorrida durante o Sínodo dos Bispos sobre a família em outubro do ano passado foi o surgimento dos bispos africanos como verdadeiros protagonistas, não mais contentes em simplesmente seguir a liderança de seus colegas ocidentais. Isso provavelmente irá acontecer de novo no Sínodo do próximo mês de outubro, quando o Vaticano receberá um outro encontro devotado ao assunto.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada por Crux, 06-06-2015. A tradução de Isaque Gomes Correa.
Em outubro de 2014, os africanos apoiaram os ensinamentos católicos tradicionais em meio ao debate turbulento sobre assuntos como o quão acolhedora a Igreja deveria ser para com os gays e lésbicas, e se ela deveria admitir católicos divorciados e recasados à Comunhão. A maioria deles irá seguir esta mesma linha neste segundo encontro, ainda que tal postura não seja a única a ser admitida entre os prelados do continente, podendo haver surpresas em alguns assuntos.
Se há alguma resposta que verdadeiramente une a maior parte dos bispos africanos, ela não é um “sim” ou “sim” a tais problemáticas, mas sim uma forte convicção de que eles não são simplesmente uma prioridade, já que a África possui questões mais urgentes com que lidar.
Uma história recente vinda de Burundi exemplifica o isso que estou dizendo.
Na semana passada, os bispos do país retiraram o apoio às eleições presidenciais que estavam marcadas para o dia 26 de junho, ordenando aos sacerdotes que se retirassem das funções de observadores oficiais. Foi um sinal claro de que a ideia era pressionar o presidente Pierre Nkurunziza para ele ou cancelar a sua candidatura polêmica ou assegurar condições equitativas de concorrência à oposição.
Em parte por causa da postura destes bispos, o governo anunciou em 4 de junho que as eleições haviam sido adiadas. Uma nova data ainda não foi estabelecida, embora elas deveriam acontecer antes que oficialmente termine o prazo do mandato de Nkurunziza, em 26 de agosto.
A título de informação, Burundi é um país sem litoral na região dos Grandes Lagos africanos. Tem um dos maiores índices de densidade populacional no mundo, com mais de 10 milhões de pessoas vivendo em um espaço menor do que o estado do Maryland. Em termos percentuais, é também o segundo país mais católico do continente africano, depois da Guiné Equatorial, com mais de dois terços dos burundianos professando o catolicismo.
Ao mesmo tempo, Burundi está entre os lugares mais pobres e atormentados da terra.
Ele tem um dos menores PIBs per capita do mundo, foi classificado como o menos globalizado entre as 140 nações incluídas num estudo de 2012, e o Global Hunger Index diz que o Burundi é o país mais faminto no planeta atualmente. Durante os últimos 30 anos, Burundi também sofreu com um surto de HIV/AIDS, com as tensões étnicas entre Hutus e Tutsis e com um conflito regional maciço que muitos especialistas consideraram a primeira guerra mundial do século XXI.
Até 2008, esta guerra havia custado cerca de 5,4 milhões de mortes na África, um total impressionante e que é o resultado, na maior parte, de doenças e da fome. Cerca de 300 mil burundianos estiveram entre as casualidades, junto de 687 mil refugiados.
Por causa da violência, a Igreja em Burundi tem gerado uma safra de novos mártires. Estes incluem 36 seminaristas católicos com idades entre 15 e 20 anos, que se juntaram aos oito funcionários do Seminário Buta, mortos por rebeldes Hutus em 30 de abril de 1997.
Armados com rifles, granadas, pistolas e facas, os rebeldes ordenaram que os seminaristas se separassem em dois grupos, Hutus e Tutsis, ficando óbvio que os Tutsis estavam prestes as serem mortos. Os seminaristas se recusaram a se dividir, e como resultado foram todos assassinados, Hutus e Tutsis morreram lado a lado.
Segundo o grupo Transparency International, sob o governo de Nkurunziza Burundi o país também se encontra entre os países mais corruptos do continente, ficando acima apenas de países como o Sudão, a Somália e Eritreia. Os analistas dizem que o governo de Nkurunziza se tornou, cada vez mais, autoritário – entre outras coisas, proibiu a prática do cooper (corrida) em março de 2014 sob o pretexto de que este era um “abrigo para a subversão”.
Isso posto, os dez prelados burundianos, liderados por Dom Gervais Banshimiyubusa, da Diocese de Ngozi e presidente da conferência episcopal nacional, podem ser perdoados por considerarem grande parte das discussões pré-sinodais como uma distração aos desafios atuais que enfrentam.
Nkurunziza, que se descreve como um cristão nascido de novo, chegou ao poder em 2005, no fim da guerra, e está atualmente concorrendo a um terceiro mandato de cinco anos à frente do país, apesar do fato de que a Constituição o limita a apenas dois. Ele sustenta que esta provisão não se aplica ao caso, já que o seu primeiro mandado veio através do Parlamento e não do voto popular. Até o momento, a agitação civil em oposição à sua candidatura já custou mais de 20 mil mortes.
Inicialmente, os bispos apoiaram a ideia de dar aos burundianos o direito de votar o assunto. Porém, eles acabaram desistindo da ideia, na medida em que a repressão contra as forças oposicionistas se intensificou.
“A Igreja Católica não pode apoiar uma eleição que está impregnada de lacunas”, disse Banshimiyubusa em nota. “Ela não pode apoiar um processo que não esteja baseado no consenso”.
Sem o apoio da Igreja em um país tão esmagadoramente católico, era praticamente óbvio que as eleições não poderiam ser feitas – ou se fossem, seriam vistas como ilegítimas. Por motivos óbvios, os bispos foram alertados de que uma eleição fraudulenta poderia desencadear um novo ciclo de violência.
Em geral, pode-se esperar que os bispos dos países em desenvolvimento que trazem estes tipos de experiências defendam que as discussões, do próximo Sínodo sobre a família, não podem se dissociar das questões como a pobreza, a fome e a guerra, as quais inevitavelmente têm consequências enormes na estabilidade dos casamentos, nas oportunidades que os pais podem oferecer a seus filhos, e assim por diante.
Perguntemos sobre a postura que estes bispos têm sobre questões tais como a homossexualidade e teremos suas respostas. Peçamos a estes mesmos bispos que listem as suas próprias prioridades, no entanto, e o diálogo irá rapidamente se mover para uma direção bem diferente.
Em uma Igreja na qual dois terços de seus 1,2 bilhão de fiéis vivem, hoje, fora do Ocidente, acostumar-se com diferentes prioridades é básico para a vida católica em geral – e, consequentemente, para compreender o Sínodo propriamente.
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Por que os bispos africanos têm uma pauta diferente para o Sínodo da família - Instituto Humanitas Unisinos - IHU