29 Mai 2015
Na última quarta-feira (20), a presidente Dilma Rousseff sancionou, com apenas cinco vetos, a Lei que dispõe sobre o acesso ao patrimônio genético, a proteção e o acesso ao conhecimento tradicional associado e sobre a repartição de benefícios para conservação e uso sustentável da biodiversidade. Infelizmente, com essa aprovação seguiu-se a velha fórmula da política brasileira, onde o que importa são os interesses privados e não os interesses e preocupações da sociedade.
A reportagem foi publicada pelo portal Greenpeace Brasil, 26-05-2015.
Embora importantes, os vetos presidenciais não deram conta de balancear a lei, que ainda é insuficiente para equilibrar a discrepância entre os avanços em pesquisa e desenvolvimento e o respeito a floresta e seus habitantes, especialmente do ponto de vista da repartição de benefícios e do consentimento prévio. O governo perdeu a chance de ouvir as comunidades e movimentos durante a elaboração e tramitação do texto.
Uma das questões polêmicas diz respeito a grande insegurança jurídica em relação ao consentimento prévio ao acesso do conhecimento tradicional, direito assegurado pela Convenção da Diversidade Biológica e pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho OIT, “Embora existam artigos na lei sobre o direito a consulta livre e informada, há gargalos e brechas que podem impossibilitar que isso ocorra de fato”, analisa Mariana Mota, de Políticas Públicas do Greenpeace.
Outro ponto que merece atenção refere-se a repartição dos lucros. A lei prevê que as empresas que utilizarem o patrimônio genético ou o conhecimento tradicional no desenvolvimento e fabricação de produtos deverá repartir os lucros desta exploração econômica com a comunidade cedente. Essa repartição, no entanto, será de no máximo 1% da receita anual obtida com a comercialização do produto e apenas se o patrimônio ou conhecimento em questão for um dos elementos “principais” de agregação de valor do produto e se o elemento constar na Lista de Classificação de Repartição de Benefícios.
“É flagrante a sobreposição dos interesses econômicos, em especial da indústria farmacêutica, de cosméticos e do agronegócio, dado que a versão aprovada se ocupa mais em normatizar o acesso aos recursos genéticos, do que em garantir uma justa repartição de benefícios, que deveria ser negociada de forma livre entre as partes envolvidas”, afirma Danicley Saraiva, da campanha Amazônia do Greenpeace.
Os movimentos sociais e comunidades tradicionais não foram ouvidos diretamente no processo de construção da lei. Mas entre os cinco artigos vetados pela presidente, três se destacam positivamente e constavam na carta enviada pelos movimentos: o que previa a anistia para quem acessou o patrimônio e conhecimento antes de 29 de junho de 2000; o que condicionava a empresa exploradora do patrimônio ou conhecimento associado a indicação do beneficiário da repartição de benefícios não monetários; e o que limitava ao Ministério da Agricultura a competência de fiscalizar infrações ligadas a atividades agrícolas (o artigo deixava de incluir o IBAMA).
Os vetos, entretanto, ainda devem passar pela apreciação do Congresso Nacional, que pode derrubá-los. Há um prazo de aproximadamente 30 dias para essa votação.
Segundo informou o Ministério do Meio Ambiente (MMA), a lei deve passar por regulamentação no prazo de seis meses. Esperamos que, nesta etapa, não sejam cometidos os mesmos erros e que, desta vez, seja aberto o diálogo com as comunidades interessadas na matéria, para diminuir a insegurança jurídica e aumentar os direitos e garantias destas populações.
Considerando que mais de 200 milhões de hectares de florestas brasileiras estão sob a proteção dos povos e comunidades tradicionais, toda e qualquer iniciativa que reduza a proteção dessas populações é também uma forma de diminuir a proteção de nossas florestas.
Nesse sentido, o Novo Marco Legal da Biodiversidade ainda tem muito o que avançar, para garantir que os interesses econômicos não continuem a se sobrepor a conservação da biodiversidade e da agrobiodiversidade, mantida graças ao trabalho realizado pelos povos indígenas, comunidades tradicionais e os agricultores familiares ao longo da história do Brasil.
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Valorização da sociobiodiversidade continua em segundo plano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU