25 Março 2015
Na manhã da última sexta-feira, Anselmo Yanomami, um índio de uma aldeia cravada no meio da selva amazônica a duas horas de distância via monomotor da cidade mais próxima, Boa Vista, alcançou seu celular, clicou no ícone do WhatsApp e começou a digitar a seguinte mensagem:
A reportagem é de Talita Bedinelli, publicada por El País, 23-03-2015.
“Eu sou Anselmo Yanomami, do Estado de Roraima, extremo norte do país. Em nome do meu povo Yanomami xirixana, xiriana, sanoma, quero denunciar a secretária especial de saúde indígena. Povo Yanomami está morrendo por falta de assistência de saúde. Mortes causadas por doenças, pneumonia, diarreia, tuberculose. O povo Yanomami pede socorro. Nos ajude a divulgar para as autoridades do Brasil e do mundo”.
O pedido de socorro que atravessou 4.109 quilômetros até o celular da reportagem do EL PAÍS, em São Paulo, era mais um grito de tantos que os Yanomami têm dado nos últimos anos para alertar sobre a situação de degradação do atendimento de saúde em sua Terra Indígena, na fronteira com a Venezuela, onde vivem atualmente cerca de 25.000 índios.
No começo deste ano, pintados de preto, em sinal de luto, um grupo deles entrou em meio a uma cantoria na sede da Secretaria Especial de Saúde Indígena, em Boa Vista, com flechas em punho, para exigir a saída de Maria de Jesus do Nascimento, coordenadora do Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami. “A saúde só tem piorado nos últimos quatro anos na nossa terra indígena e por isso estamos aqui reivindicando melhorias para as nossas crianças”, disse à época, para a reportagem do site G1, Júnior Yanomami, uma das lideranças que acompanha Anselmo nas denúncias. Ambos fazem parte do Conselho Distrital de Saúde Yanomami e Ye'kuana, um grupo que discute a situação sanitária nas 300 aldeias da Terra Indígena, que é a maior área demarcada do país, com 9,6 milhões de hectares (um tamanho maior do que toda Portugal).
Ao EL PAÍS, Anselmo explicou, agora já em uma ligação telefônica, a situação atual da região. Segundo seu relato, apenas neste ano 11 crianças entre 1 e 10 anos morreram por causas como diarreia e vômito nas aldeias Yanomami. A última delas, de cinco anos, na última quinta-feira. Ele relata ainda que dois índios também morreram neste ano após serem picados por cobras e não haver medicamento disponível no posto de saúde da aldeia onde viviam.
“Nossas comunidades estão abandonadas, há comunidades ilhadas, sem atendimento nenhum. Reduziram o número de profissionais de saúde que atendem as aldeias sem consultar os índios, nos postos não há equipamento ou medicamento suficiente”, conta ele.
Criança Yanomami na aldeia Demini, em Roraima. / ALEX ALMEIDA
Os dados do Datasus, sistema do Ministério da Saúde que compila informações sanitárias de todo o Brasil, mostram que houve, entre os índios da região, um aumento de mortes por causas evitáveis – aquelas que poderiam não ter acontecido, caso houvesse imunização, atenção à gestante, ao parto e ao recém-nascido, além de diagnóstico e tratamento adequados.
As informações preliminares de 2013, os últimos disponíveis segundo o Ministério da Saúde, mostram que no Amazonas e em Roraima, onde se concentra a Terra Indígena Yanomami, foram 1.004 mortes evitáveis de indígenas (que vivem em aldeias ou não, pois esse sistema não difere), sendo 446 delas entre crianças de até 5 anos. Um acréscimo de 14% em relação a 2012, quando morreram 881 indígenas pelas mesmas causas (390 crianças de até 5 anos); e um aumento de 47% em relação a 2011, quando foram 681 óbitos (247 de índios de até 5 anos). Na população geral dos dois Estados, o crescimento dessas mortes também ocorreu, mas em taxa muito menor: 4,55% entre 2013 e 2012 e 7,35% entre 2013 e 2012.
Segundo o Ministério da Saúde, os dados referem-se a indígenas que foram atendidos na rede de saúde local e, por isso, não refletem a situação apenas dos índios que vivem nas aldeias. O órgão, entretanto, não enviou à reportagem os dados relativos apenas aos que vivem na Terra Indígena Yanomami, que afirma serem mais precisos – disse que não havia tempo hábil para fazê-lo.
Os dados gerais de mortalidade de índios que vivem nas aldeias do Brasil, entretanto, apontam que o problema tem piorado em todo o país. Em 2012, o coeficiente de mortalidade infantil indígena no Brasil foi de 37,8 para cada 1.000 nascidos vivos. Em 2011, havia sido de 32,2. Entre os não índios, essa taxa é de 21 por 1.000.
“A situação é crítica. Aqui em Roraima nos dizem que a culpa é de Brasília, que não envia o dinheiro. Ligamos para Brasília e lá nos dizem que mandam o dinheiro e não sabem o que acontece. Mas o povo Yanomami está morrendo e precisa saber por que isso ainda está acontecendo”, diz ele.
Ministério diz que aumentou investimento em áreas indígenas
Por nota, o Ministério da Saúde afirmou que quadruplicou o investimento no acesso à assistência à saúde dos povos indígenas, passando de R$ 479 milhões, em 2011, para R$ 1,093 bilhão, em 2014 -não especificou, entretanto, o valor repassado para a área Yanomami. Também afirmou que por meio do programa Mais Médicos ampliou em 305 o número de profissionais atuando nessas áreas, que contam com 511 médicos atualmente.
“O DSEI de Yanomami era um dos que enfrentava dificuldade na fixação desses profissionais, mas que atualmente conta com 20 médicos, sendo 15 do Programa Mais Médicos, além de 67 equipes multidisciplinares de saúde compostas por mais de 460 profissionais.”
O órgão apontou ainda que tem investido em saneamento básico, algo essencial para reduzir as diarreias. “Estão em andamento obras de abastecimento de água em 457 aldeias e de saneamento em 113 aldeias. Também estão sendo construídos e reformados 97 estabelecimentos de saúde como Unidades Básicas de Saúde, Polos Base e Casas de Saúde Indígena. Os investimentos nessas ações somam R$ 97,3 milhões”. A nota aponta ainda que disponibiliza os medicamentos essenciais para a assistência básica aos povos indígenas nos 37 Polos Bases e 73 farmácias da Terra Indígena Yanomami e Ye’kuana. O ministério, entretanto, não explica os motivos que levaram ao aumento das mortes.
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Um pedido de socorro por WhatsApp - Instituto Humanitas Unisinos - IHU