Por: André | 10 Março 2015
“Renuncia já: a única via em busca de pacto sério para reconstrução do País”. Assim, com um pedido de renúncia a Dilma Rousseff por conta do escândalo da Petrobras, termina a coluna de Miguel Reale Júnior, ex-ministro de Fernando Henrique Cardoso, publicada na edição do domingo, 08 de março, no jornal O Estado de São Paulo (Estadão).
Sobre esse jornal de oposição baseou-se o livro De la expectativa a la confrontación: O Estado de São Paulo durante el primer gobierno de Lula da Silva, escrito pelo sociólogo Ariel Goldstein, no qual analisou a relação entre o ex-presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva e o Estadão, representante dos setores políticos tradicionais do país. A pesquisa buscou compreender de que forma o veículo representante das elites conservadoras que “olham a política de cima” se relacionou com o chefe de Estado que implementou políticas em prol dos setores mais marginalizados do Brasil. Por outro lado, Goldstein também opinou sobre a tensa relação entre Dilma e o jornal paulista e sobre as possibilidades de uma lei da mídia no país vizinho (no caso o Brasil).
Fonte: http://bit.ly/1E1Ndhq |
A reportagem está publicada no jornal argentino Página/12, 09-03-2015. A tradução é de André Langer.
Em seu livro, Goldstein assinalou que em um primeiro momento o Estadão apoiou a chegada de Lula a Brasília. “Havia certa expectativa sobre o novo governo, já que Lula havia se comprometido a manter a continuidade econômica do governo de Fernando Henrique Cardoso, ao nomear (Antonio) Palocci como ministro da Economia e (Henrique) Meirelles para a direção do Banco Central, dois expoentes da ortodoxia econômica. Isto fez com que o jornal falasse de Lula como um ‘líder pragmático’, que foi capaz de deixar para trás seus ideais de esquerdista e reconheceu a importância de implementar políticas de mercado”, explicou Goldstein.
Não obstante, o autor detectou um ponto de inflexão na relação entre o jornal e o governo de Lula a partir do escândalo do Mensalão (que consistiu no pagamento de subornos a vários deputados para que votassem a favor dos projetos de interesse do Poder Executivo). “Lula, com a intenção de superar as denúncias de corrupção que foram colocadas na agenda da imprensa, fez uma série de discursos em todo o país convocando para atos e mobilizações populares. A partir desse momento, para o Estadão, o governo de Lula converteu-se em um populismo chavista. É aí que aparece a questão que vai da expectativa ao confronto”, opinou o autor do livro, que pode ser baixado gratuitamente na internet.
Os ataques a Lula provenientes do poder midiático brasileiro foram fruto do temor que os líderes reformistas inspiram, disse Goldstein, já que os líderes são tachados com desqualificações para invalidar a interpelação popular. “Qualquer tipo de reforma é vista, do ponto de vista das elites, como aquilo que ameaça os fundamentos da própria nação, como se esses fossem desmoronar pelo simples fato de baixar os níveis de desigualdade ou aumentar os níveis de participação”, opinou o sociólogo, que destacou que o que gerou temor ao jornal paulista foram os atos e a interpelação popular de Lula em defesa do seu governo, que convocou para sair às ruas grupos como o MST (Movimento Sem Terra).
Goldstein assinalou em seu trabalho que os jornais no Brasil possuem uma grande influência na esfera pública – apesar da baixa circulação – por sua incidência nas elites formadoras de opinião. Isto produz logo uma réplica em outros meios, como a televisão, que possui, essa sim, uma audiência massiva nesse país. “Este é o caso da rede Globo, que todas as noites transmite o Jornal Nacional (o noticiário de todos os dias), que tem uma influência muito grande em um país atravessado por regionalismos, que é unificado pela ‘interpretação da nacionalidade’”, afirmou Goldstein.
O sociólogo observou que o jornal converteu Dilma Rousseff em objeto de críticas, já que as políticas da presidenta seguem a linha daquelas realizadas por Lula. No entanto, o Estadão não recrimina em Rousseff a capacidade de conectar-se com determinados setores como um líder carismático, dado que a presidenta tem outro estilo de interpelação. “Eles não recriminam em Dilma as formas, isto é, esse populismo chavista e a exaltação à qual o Estadão fazia referência, já que Rousseff tem um tom mais comedido em suas apelações”.
No entanto, Goldstein assinalou que o jornal – e o sistema midiático no Brasil, em geral – não demorou em dirigir suas críticas à presidenta brasileira pelos escândalos de corrupção em sua administração. “A mídia tacha Lula, Dilma e o PT de corruptos, especialmente com a eclosão do escândalo da Petrobras. Este caso, que está atualmente na agenda serve para assinalar que, na sua visão, o maior problema do governo é a incompetência para a administração”, explicou Goldstein.
Por outro lado, a mídia também busca capitalizar os conflitos internos que se produzem no país para atacar o governo. O especialista indicou que nas manifestações de junho de 2013 (nas quais os brasileiros protestaram contra o aumento do transporte público, contra o excessivo gasto na realização da Copa do Mundo de Futebol de 2014 e pedindo maiores investimentos públicos nas áreas da educação e da saúde), a mídia mudou seu discurso ao observar que o descontentamento da população poderia ser útil para criticar a Dilma. “Quando eclodiram as manifestações, o Estadão indicava que havia anarquia e desordem nas ruas, e que o Estado deveria intervir para deter tais desordens. Quando este jornal – e muitos outros – se deu conta de que podia direcionar as manifestações contra a Dilma, mudou o enfoque com que eram publicados os fatos e começou a apontar a presidenta e o seu governo como os principais responsáveis pelos distúrbios e as reivindicações de insatisfação da população”, destacou Goldstein.
Por outro lado, o sociólogo afirmou que o cenário midiático no Brasil oferece enormes resistências para uma lei da mídia. Os principais jornais, revistas e canais de televisão são propriedade de famílias “históricas” que detêm o poder político em várias regiões do país. “O Partido dos Trabalhadores defende a importância da democratização do sistema da mídia desde os anos 1980, mas uma vez no poder criou-se uma tensão entre o partido e o governo no tocante ao assunto”, explicou Goldstein, uma vez que para o governo implicaria em complicadas negociações com os políticos proprietários e um eventual cenário de ruptura. “Por isso, quando o PT venceu as eleições, Dilma disse que a melhor forma de regular os meios de comunicação é o controle remoto”, recordou Goldstein.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
O Estadão e Lula/Dilma. Diário de um confronto - Instituto Humanitas Unisinos - IHU