17 Setembro 2011
Há mais de uma década discute-se no Brasil a possibilidade de criar um Marco Regulatório das Comunicações, mas sempre que entra em pauta o tema é rechaçado pela grande imprensa. Adormecido, o debate voltou à tona no 4º Congresso do PT, mas ainda não é consenso entre os integrantes do partido. Após a discussão, "a presidente Dilma disse que o controle da comunicação no Brasil se dá através do controle remoto, do dedo do telespectador", menciona Valério Brittos, ao comentar a indefinição do governo em relação ao tema.
Para Valério Brittos, autor de A televisão brasileira na era digital: exclusão, esfera pública e movimentos estruturantes (São Paulo: Editora Paulus), a regulação da mídia é fundamental para assegurar o "interesse público, pois a comunicação tem que estar a serviço da sociedade". A falta de um marco regulatório, menciona, contribui para a permanência de uma "censura privada, onde fatos importantíssimos não são abordados porque a mídia não tem interesse".
Em entrevista à IHU On-Line, concedida pessoalmente, o pesquisador explica que existe uma "série de instrumentos soltos, atrasados e antigos em relação às comunicações, principalmente à comunicação de massa, à televisão aberta, por assinatura e jornais, os quais não tratam de questões importantes como a propriedade cruzada, como a questão da regulação de conteúdo, do compromisso social".
Valério Cruz Brittos é formado em Direito, pela Universidade Federal de Pelotas, e em Jornalismo, pela Universidade Católica de Pelotas, com especialização em Ciências Políticas. É mestre em Comunicação pela PUCRS e doutor em Comunicação e Cultura Contemporânea pela Universidade Federal da Bahia. Atualmente é professor do PPG de Comunicação da Unisinos.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como vê a proposta do governo de querer instituir um Marco Regulatório das Comunicações? Há necessidade de se instituir regras para o setor da comunicação, da mesma maneira que existe para outros setores como energia, transportes, etc.?
Valério Brittos – Acho importantíssimo que haja um Marco Regulatório das Comunicações. Na verdade, existe hoje no Brasil uma série de instrumentos soltos, atrasados e antigos em relação às comunicações, principalmente à comunicação de massa, à televisão aberta, por assinatura e jornais, os quais não tratam de questões importantes como a propriedade cruzada, como a questão da regulação de conteúdo, do compromisso social. Todos os países desenvolvidos têm um Marco Regulatório.
Apesar de o governo mencionar a necessidade de criar um Marco Regulatório, não vejo tanta vontade em avançar nessa questão. Recentemente, o PT aprovou em Congresso a proposta de criar o Marco e, imediatamente, a presidente Dilma disse que o controle da comunicação no Brasil se dá através do controle remoto, do dedo do telespectador. Talvez o governo aprove alguma regulamentação, mas certamente não é aquela que nós imaginávamos.
IHU On-Line – O que essa postura do partido revela sobre a prioridade do governo em relação à democratização da informação?
Valério Brittos – Os políticos de modo geral têm muito medo da força da mídia, porque ela é desregulada e faz o que quer. Imagina se esse poder se insurge contra um grupo político. Por causa desse medo de represálias, de serem prejudicados e de serem midiatizados negativamente, os políticos não abordam a questão da regulação da mídia.
IHU On-Line – Nos debates sobre a democratização da informação, fala-se da necessidade de proibir monopólios e oligopólios de concessões de rádio e TV, mas, quando o governo propõe regulações no setor de comunicação, a mídia o acusa de querer regular, controlar a imprensa e de criar uma censura estatal. Como vê esse debate? Quais são a principais nuances dessa discussão?
Valério Brittos – A mídia tem um discurso simplista, fácil e pouco racional. Diz que qualquer possibilidade de regulação é censura. Como as pessoas não têm uma elaboração maior do assunto – o qual não é debatido justamente porque a mídia não debate o tema –, acabam aceitando a posição midiática e obstaculizando o debate. Todo político que tenta propor a discussão da regulação é tachado como censor. É claro que não se trata de censura e, sim, de uma regulação para que o controle da mídia atenda ao interesse público, pois a comunicação tem que estar a serviço da sociedade. Hoje, sim, existe uma censura privada, em que fatos importantíssimos não são abordados porque a mídia não tem interesse.
IHU On-Line – E no caso da internet, há necessidade de regulação?
Valério Brittos – É importante regular a internet, mas sem censura. Regulá-la consiste em abrir espaço para novas mídias, expandir o sinal para outros grupos econômicos, fazer com que se tenha mais conteúdo nacional, com que se tenha direito de resposta. Esse deve ser o caminho da regulação da internet.
IHU On-Line – Caso fosse criado um Marco Regulatório das Comunicações, que aspectos deveriam ser considerados para de fato garantir a pluralidade da informação?
Valério Brittos – É fundamental controlar os oligopólios, os grandes grupos de comunicação que têm propriedade privada e acabam atuando em todos os setores. Nesse sentido, tem que proibir a propriedade cruzada, ou seja, a possibilidade uma única empresa ter a propriedade de rádio, jornal, TV, TV por assinatura e tudo mais.
Também é preciso rever as concessões. Para um grupo obter a concessão, não adianta apenas ter valor econômico que pague o preço da concessão; ele tem que ter o melhor projeto de televisão ou de rádio para a sociedade. Portanto, tem que ter os chamados cadernos de encargos, onde aquele operador, ao se propor a assumir um canal de rádio ou TV, assume determinados encargos, que são contraprestações dos serviços oferecidos à sociedade.
Além disso, o Marco Regulatório é importante para que todos os radiodifusores cumpram as mesmas obrigações, para que haja um controle, uma fiscalização daquilo que é feito. Se formos observar, os demais setores não têm tanta liberdade quanto à mídia. Talvez a indústria do aço seja mais regulada do que a própria indústria da mídia.
IHU On-Line – Os Marcos Regulatórios de Comunicações da Argentina e da Bolívia servem de exemplo para o Brasil?
Valério Brittos – O Brasil tem que construir sua própria caminhada em termos de regulação da mídia, mas não pode se virar de costas para a experiência internacional.
No caso da América Latina, diria que existem iniciativas interessantes. Na Argentina, a difusão do espectro é feita de três maneiras: através do setor privado, do público e do público não estatal. Hoje em dia, o espectro é basicamente distribuído para rádio e TV privada. A Argentina está propondo que um terço do espectro seja destinado ao setor privado, um terço para o Estado e um terço para as organizações da sociedade civil. O Brasil pode refletir sobre esse modelo; não necessariamente copiá-lo.
IHU On-Line – E no caso da Venezuela, como percebe a regulação da mídia?
Valério Brittos – Chávez foi eleito democraticamente, embora tenha uma postura autoritária em determinados momentos. Mais do que autoritário, ele é belicoso, é um homem que gosta da disputa. Por outro lado, ele abriu espaço para a chamada Lei de Radiodifusão da Venezuela, dando oportunidade para a comunicação comunitária. No Brasil, não existe um modelo de financiamento definido: a radiodifusão comunitária tem baixíssimo alcance.
IHU On-Line – Como vê sites que revelam segredos de Estados, como o WikiLeaks? Esses modelos de site também deveriam sofrer algum tipo de regulação?
Valério Brittos – Eles estão no papel de divulgar os fatos. O Estado tem determinadas informações que não deixam de ser sigilosas para o desenvolvimento do próprio Estado, para as suas políticas, pelo menos durante um período curto. Por outro lado, cabe ao jornalista buscar a informação. Esse é um jogo. Não se pode proibir a divulgação quando alguém teve acesso a um documento, por exemplo.
A regulação da internet deve justamente promover a busca pela igualdade ou, pelo menos, o máximo de igualdade possível, de condições de produção e de acesso à internet.
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Marco regulatório das comunicações: "existe uma censura privada". Entrevista especial com Valério Brittos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU