18 Outubro 2014
Na medida em que este Sínodo dos Bispos se encaminha para a sua conclusão, uma discussão acalorada no plenário ressaltou a linha divisória que atravessa a África.
A reportagem é de John Thavis, publicada em seu blog, 16-10-2014. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Nas últimas 24 horas, dois entrevistados delinearam a questão.
(ATUALIZAÇÃO: o Papa Francisco nomeia o cardeal sul-africano Napier para a comissão que prepara o “Relatio” final do Sínodo.)
(SEGUNDA ATUALIZAÇÃO: O cardeal Kasper negou ter feito as observações descritas abaixo, e diz estar “chocado” por elas estarem sendo atribuídas a ele. O link para o artigo da agência noticiosa Zenit agora apresenta uma mensagem de erro; aparentemente removeram o texto do site. Isto levanta sérias interrogações sobre a manipulação de informações neste Sínodo, especialmente considerando que o cardeal Müller emitiu uma declaração, hoje, em que nega ter chamado o relatório intermédio de “vergonhoso”, fato que também havia sido relatado. Se estas forem entrevistas inventadas, a atribuição precisa ser desfeita.)
O cardeal Walter Kasper falou à agência noticiosa Zenit sobre o empenho do Sínodo em estender a mão às pessoas homossexuais sob uma forma nova e mais aberta, e falou que os bispos da África e os países muçulmanos têm um ponto de vista muito diferente.
“A questão é que existem diferentes problemas de diferentes continentes e de diferentes culturas. A África é totalmente diferente do Ocidente. Também o são os países asiáticos e muçulmanos, eles são muito diferentes, especialmente quanto aos gays. Não podemos falar sobre isso com os africanos e com as pessoas de países islâmicos. Isto não é possível. É um tabu. Quanto a nós, dizemos que não deveremos discriminar, que não queremos discriminar em certos aspectos”, disse Kasper.
Kasper chegou a sugerir que, embora os bispos africanos possam ter suas restrições, eles “não devem nos dizer o que fazer”. Noutras palavras, o ponto de vista deles não deveria frear o Sínodo, e uma linguagem mais acolhedora às pessoas homossexuais não deveria ser simplesmente bloqueada porque ela não iria cair bem na África.
Estas observações chamaram a atenção dos críticos conservadores, que sugeriram haver um tom de condescendência e, até mesmo, racismo na fala do cardeal alemão. A entrevista foi, obviamente, conduzida em tempo real, e eu não vou dissecá-la (isso já foi feito por Grant Gallicho em artigo na revista Commonweal [1]), porém penso que Kasper estava apenas afirmando um fato, e não necessariamente tentando amordaçar os africanos.
Na manhã desta quinta-feira, o jornal italiano Corriere della Sera publicou uma entrevista com Dom Nicolas Djomo Lola, da República Democrática do Congo, quem reagiu ao pedido do relatório intermédio de se encontrarem “elementos positivos” em uniões irregulares e homoafetivas como um passo em direção à evangelização.
“Nenhum bispo e nenhuma Igreja no mundo está dizendo que a homossexualidade é uma coisa boa”, afirmou Djomo.
Ele apresentou o argumento frequentemente feito por bispos africanos: de que o continente está sendo recolonizado pela cooperação ocidental e por organizações financeiras, que “condicionam a ajuda aos países pobres a atitudes para com a homossexualidade. Eles impõem esta ideia: se vocês querem ajuda, cooperação, então precisam aceitar a ideologia de gênero e o casamento gay. E isso não é nada bom”.
Tudo isso soa muito familiar aos meus ouvidos. Dizeres parecidos foram feitos em sínodos anteriores, quando a oposição africana foi usada para neutralizar os pedidos por uma nova perspectiva pastoral. Em particular, no sínodo especial de 2009 sobre a África, muitos bispos advertiram que o sentido africano de família estaria ameaçado por ideias ocidentais sobre o divórcio, a homossexualidade e a identidade de gênero.
A linha divisória neste Sínodo vai além da sexualidade, penso eu. Os africanos podem, muito bem, achar que o relatório intermédio deu pouco espaço para as grandes inquietações presentes em seu continente, incluindo as guerras, a pobreza e a exploração econômica. Eu também diria que os participantes africanos ficaram ofendidos pelo fato de que a comissão nomeada para considerar as revisões do relatório final não inclue um africano.
(ATUALIZAÇÃO: Hoje, para a comissão que prepara o documento final o Vaticano anunciou que o papa nomeou um africano, o cardeal Wilfrid Napier, quem havia se distanciado em grande parte do relatório intermédio. Também um australiano foi nomeado, Dom Denis Hart, da Arquidiocese de Melbourne.)
Este sínodo é claramente um teste para as novas direções pastorais do Papa Francisco, mas é também um teste para mostrar as suas habilidades em construir consensos, e a questão africana não será nada fácil de se resolver.
Nota:
[1] O artigo citado está disponível em inglês aqui: https://www.commonwealmagazine.org/blog/no-cardinal-kasper-not-racist-updated
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O fator africano e a construção de consensos no Sínodo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU