30 Julho 2014
A história às vezes está ligada a tragédias, eventos que deixam as pessoas refletindo sobre como ela poderia ter sido diferente. Nesse sentido, podemos pensar no acidente trágico ocorrido na Inglaterra domingo passado (20-07-2014) e se ele pode mudar a atenção do papado de Francisco sobre o ecumenismo, ou seja, em seus esforços visando a unidade entre os cristãos.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada pelo jornal The Boston Globe, 27-07-2014. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Os cristãos, evidentemente, gostam de pregar a paz e a fraternidade, mas qualquer um que olhe para o ambiente cristão, claramente fragmentado, poderá ver que eles não praticam muito este evangelho. Líderes cheios de ideias, de todos os cantos, tentaram aparar as diferenças, tendo pouco sucesso, e vem tendo esperanças de que o Papa Francisco será o primeiro, finalmente, a conseguir ter sucesso nesse front, em parte devido à sua longa história de amizade com outros cristãos.
Francisco tem programado uma viagem para esta segunda-feira à cidade de Caserta, no sul da Itália, para ver alguns de seus antigos amigos protestantes e rezar junto deles. O encontro acontece à sombra da perda de alguém que deveria, em princípio, estar lá, o bispo Tony Palmer, da Comunhão de Igrejas Evangélicas Episcopais, que conheceu aquele que seria o futuro papa na ocasião em que esteve ministrando na Argentina.
Nascido na Inglaterra e criado na África do Sul, Palmer estava andando de moto no dia 20 de julho numa estrada próximo à cidade de Bath quando bateu de frente em um carro dirigindo na pista contrária. Uma cirurgia de emergência não conseguiu reanimá-lo. Palmer deixa para trás sua esposa e dois filhos adolescentes.
Tony Palmer surgiu como uma nova estrela ecumênica em janeiro deste ano quando visitou o Papa Francisco em Roma e gravou uma mensagem de vídeo com o pontífice em seu iPhone para uma conferência pentecostal no Texas realizada pelo tele-evangelista americano Kenneth Copeland. A mensagem improvisada foi um apelo para a unidade e amizade, tendo Francisco dado um “abraço espiritual”.
Francisco, evidentemente, conhece muitas pessoas em todo o mundo e não deveremos, portanto, exagerar o quão era próxima a sua ligação com Palmer. Embora o Palmer descrevesse o pontífice como um de seus três “pais espirituais”, um porta-voz do Vaticano recusou-se a afirmar, na semana passada, de que eles eram “amigos”, preferindo a dizer “conhecidos”.
No entanto, Palmer claramente tinha certa proximidade com o pontífice. O líder havia dito, durante a conferência no Texas, acreditar que Deus pretendia usar esta relação para realizar algo grande, afirmando que ele e Francisco tinham firmado uma aliança para trabalharem juntos pela “unidade visível dos cristãos”.
Será difícil substituir Palmer nesta questão, pois ele ocupava um lugar único no horizonte ecumênico.
Em termos de sua espiritualidade, Palmer era o tipo de cristão devotado aos sinais e maravilhas conhecidos como dons do Espírito Santo, tais como o falar em línguas. É o que se conhece por pentecostal e que, quando visto de forma mais ampla, dentro de uma igreja estabelecida, são chamados carismáticos.
Palmer via a sua missão como sendo a de aproximar os cristãos, usando o movimento carismático como uma ponte. A sua paixão se refletia em sua afirmação deliberadamente provocativa de que muitos cristãos sofrem de “racismo espiritual”, com o que queria dizer: a convicção de que a sua igreja é superior às outras.
Ele acreditava que as divisões sectárias são tudo evitáveis. Ou seja, “se pararmos de agir como se as fronteiras denominacionais precisassem manter os cristãos afastados uns dos outros, então elas desaparecerão”.
“Podemos ser católicos, carismáticos, evangélicos e pentecostais, tudo ao mesmo tempo”, disse Palmer enquanto apresentava a mensagem do papa em janeiro durante a conferência, insistindo que “Jesus era todas essas coisas”.
Palmer brincou com o público: “Quanto vocês querem de Jesus? Querem somente uma denominação de Jesus? Qual é, fiquem com todas elas!”
Com certeza não se pode acusar Palmer de não fazer aquilo que diz. Ele era um padre e bispo anglicano que havia trabalhado no ministério pentecostal de Copeland, tendo criado seus filhos como católicos carismáticos para refletir a herança italiana de sua esposa.
Em relação à questão teológica, Palmer acreditava que um acordo de 1999 entre o Vaticano e a Federação Luterana Mundial havia marcado o final da Reforma e que, portanto, os cristãos estão vivendo, hoje, numa “era pós-Protestante”.
Noutras palavras, não estava à espera da unidade dos cristãos. Ele já vivia como se ela já estivesse presente.
Palmer estava bem posicionado para ajudar nos interesses ecumênicos do papa, não apenas porque se movia ao longo de diferentes denominações religiosas como também porque representava uma ponte para o mundo dos países de língua inglesa.
Francisco não se sente confortável com a língua inglesa e desconhece o arranjo cultural destas terras, especialmente fora dos círculos católicos, o que fazia de Palmer um canal ideal.
Sem Palmer, por exemplo, fica difícil imaginar Bergoglio se relacionando com Copeland, cujo sotaque grosso texano e estilo agressivo, daqueles que batem na Bíblia ao pregar, dificilmente parecerá uma substituição à altura.
Falta saber o que irá acontecer agora que Palmer está fora de cogitação. Às vezes uma tragédia põe fim a algumas possibilidades, enquanto em outras vezes ela abre os olhos para o que, finalmente, precisa ser feito.
Limpeza religiosa no Iraque
Durante o início de 2014, não havia nenhum símbolo mais convincente das ameaças enfrentadas por cristãos num número crescente de lugares perigosos do que a jovem de 26 anos de idade chamada Meriam Ibrahim, cristã que fora condenada à morte no Sudão por apostasia do Islã e que se esforçou para dar à luz o seu segundo filho já atrás das grades.
O seu caso tornou-se uma causa célebre entre ativistas cristãos e grupos de direitos das mulheres. Ao se deparar com uma crescente pressão internacional, o Sudão soltou Meriam Ibrahim da prisão no último mês de junho. A ela foi dada uma permissão de deixar o país na semana passada após intervenções dos governos americano e italiano.
Na quinta-feira, o Papa Francisco recebeu Meriam Ibrahim no Vaticano, com um porta-voz dizendo que Francisco a agradeceu por seu “testemunho corajoso de perseverança na fé”. Ibrahim esteve na residência no papa junto de seu marido e de seus filhos, Martin (de 18 meses) e Maya (de 2 meses de idade).
Francisco obviamente está ciente de que fotos dele com Ibrahim iriam circular pelo mundo numa época em que inúmeros cristãos enfrentam ameaças semelhantes.
O padre jesuíta Federico Lombardi, porta-voz do Vaticano, disse que o papa queria ofertar um “gesto de apoio a todos aqueles que sofrem por causa da fé que professam e que vivem em dificuldade ou em situações restritivas”.
Em nenhum outro lugar este gesto se faz mais importante do que numa região do norte do Iraque, na cidade de Mosul, onde os militantes do Estado Islâmico do Iraque e al-Sham – ISIS (como a organização é conhecida) expurgaram da cidade a presença cristã de 1600 após impor um prazo – 19 de julho – para que os cristãos ou se convertessem ao Islã, pagassem uma taxa, deixassem a área ou morressem.
Uma década atrás havia creca de 35 mil cristãos em Mosul. Este número caiu para uns poucos milhares depois da invasão liderava pelos Estados Unidos, e pouco antes do ultimato este número se reduzia a umas poucas centenas. Hoje a cidade é declarada “livre de cristãos”.
Há relatos de cristão da região de que igrejas vêm sendo atacadas e desfiguradas, que lares cristãos estão sendo marcados de vermelho para destruição ou confisco e que cristãos estão sendo mortos de forma brutal.
Líderes cristãos no Iraque expressaram frustração com o que consideram uma falta de resposta internacional.
“Temos que perguntar ao mundo: Por que todo este silêncio? Por que não se manifestam?”, disse na semana passada Shlemon Warduni, bispo auxiliar de Bagdá.
“Os direitos humanos existem ou não? E se existem, onde estão?”, disse. “Há muitos e muitos casos que deveriam despertar a consciência de todo o mundo: Onde está a Europa? Onde estão os Estados Unidos?”
Outros estão buscando ajuda de seus companheiros de fé para agirem.
“Precisamos da solidariedade dos cristãos de todo o mundo, não podemos temer falar sobre esta tragédia”, disse Amel Nona, arcebispo de Mosul.
Na quarta-feira, o Patriarca Louis Raphaël Sako, da Igreja Católica Caldeia iraquiana, enviou uma carta a Ban Ki-moon, secretário-geral das Nações Unidas, pedindo para que pressione a comunidade internacional no sentido de reforçar a assistência aos cristãos do Iraque e a outras minorias almejadas pelos militantes.
Verdade seja dita, pode ser tarde demais para se fazer alguma coisa pelos cristãos de Mosul. No entanto, o mundo precisa ponderar sobre como responder a limpezas religiosas assim no futuro, pois provavelmente esta não é a última vez que isso acontece.
O Papa nos EUA
Na semana passada houve relatos sobre a vinda do Papa Francisco aos EUA, com base em algo que Dom Charles Chaput, da Arquidiocese da Filadélfia, disse durante um encontro nacional dos Católicos Nativos Americanos em Fargo, no estado de Dakota do Norte. Em poucas palavras, Chaput disse que Francisco irá visitar a Filadélfia no fim de setembro de 2015 durante o Encontro Mundial das Famílias, organizado pelo Vaticano.
Caso isso lhe tenha soado familiar, não estranhe, pois temos ouvido relatos sobre este mesmo assunto nos últimos 18 meses e, provavelmente, outros ainda serão feitos.
Em resumo, o Encontro Mundial das Famílias é um evento do Vaticano que ocorre em várias cidades do mundo a cada três anos desde 1994. Em fevereiro de 2013, antes de o Papa Francisco ser eleito, o Vaticano anunciara que a próxima edição aconteceria na Filadélfia. Ainda que os papas nem sempre participem, foi dado como certo que o pontífice iria aos Estados Unidos pela primeira vez nesta ocasião.
Não muito tempo depois de sua eleição, Francisco se encontrou com Chaput e manifestou o desejo de vir ao país, e desde então eles têm conversando sobre o assunto em off. Para Chaput, é obviamente importante saber das intenções do papa, pois os desafios logísticos mudam drasticamente dependendo de sua vinda ou não.
Francisco também falou também à autoridade vaticana responsável pelas questões de família, o arcebispo italiano Vincenzo Paglia, que pretende comparecer ao encontro.
No entanto, o Vaticano nunca confirma uma viagem papal com tanto tempo de antecedência. O protocolo normal é confirmar os planos do papa sempre com dois ou três meses de antecedência e, em seguida, divulgar uma programação no último mês.
Como resultado temos que, durante o último ano, muitos jornalistas abordaram Chaput ou Paglia perguntando sobre esta viagem e estes dizendo que Francisco está planejando realizá-la.
O que fica de tudo isso: o Papa Francisco estará vindo para a Filadélfia em setembro de 2015 e provavelmente irá fazer algumas paradas ao redor do país – em Nova York para discursar na ONU e em Washington para falar ao Congresso.
Um silêncio curioso na Austrália
Passei grande parte da última semana em Melbourne, onde dei uma palestra numa conferência para educadores católicos organizada pela arquidiocese. Foi uma experiência incrível, em parte porque os australianos nunca deixam de viver segundo a reputação que têm de serem relax, informais e sempre dispostos para uma conversa franca e simples.
No entanto, fui ao país com uma pressuposição que acabou se revelando bastante distante da realidade, e ainda estou me esforçando para entender o porquê.
A pressuposição era de que eu encontraria fortes rumores sobre a ascensão ao poder em Roma por parte do cardeal George Pell, ex-arcebispo de Melbourne e Sydney e que, hoje, é o czar financeiro do Papa Francisco. O consenso entre os observadores do Vaticano na atualidade não é somente que Pell tem mais poder real do que o cardeal secretário de Estado, em geral o peso-pesado do Vaticano, mas também o de que ele pode ser o prelado mais influente de várias gerações.
Não que eu esperava encontrar um júbilo geral aqui em relação a Pell. Eu sabia que ele fora uma figura polarizadora no país, em parte por sua reputação como um ultraconservador, em parte por sua identificação com os escândalos de abusos sexuais que marcaram a Igreja australiana, como em tantos outros países, durante grande parte da última década.
No entanto, esperava uma reação. Supus que seus críticos iriam estar organizando protestos e que seus amigos estariam comemorando, enquanto outros poderiam estar se esforçando em conciliar suas impressões de Pell como alguém defensor do status quo contra o papel que desempenha atualmente, como um reformador heterodoxo enfrentando a velha guarda italiana do Vaticano.
Mas, pelo contrário, o que encontrei foi basicamente silêncio.
Ao falar com católicos australianos um tanto diversos entre si, a impressão que tive foi que a maioria não sabe muito sobre a nova função de Pell ou o quanto de poder ela acarreta e, consequentemente, não lhes ocorreu terem uma reação num sentido ou noutro.
“Para a maioria de nós, este assunto não faz parte de nosso campo de visão”, disse Andrew Rabel, jornalista australiano correspondente para a revista Inside the Vatican.
Esta verdade se confirmou repetidas vezes. Na quarta-feira pela manhã, estive conversando com alguns teólogos na Universidade Católica Australiana, em Melbourne, e, de forma aleatória, abordamos uma jovem estudante de pós-graduação para perguntar sobre o que sabia a respeito de George Pell.
“Ele tem uma imagem bastante pesada na mídia, não?”, disse referindo-se aos escândalos de abuso. Quando perguntada se sabia sobre o que Pell faz atualmente, a resposta foi: “Não faço ideia”.
Como pode um australiano subir a tais alturas na hierarquia da Igreja e ter tão pouca presença nas conversas entre seus conterrâneos?
Dom Dennis Hart, da Arquidiocese de Melbourne, colega seminarista de Pell, disse que os católicos locais sempre tiveram uma forte sensação de se encontrarem distantes de Roma e, assim, não são obcecados pelo que se passa no Vaticano.
Em segundo lugar, a cobertura da mídia australiana a respeito de Pell, especialmente no final de seu mandato, se centrou bastante nos escândalos de abusos sexuais. Consequentemente, há uma tendência em alguns setores de se pensar que a sua saída foi uma forma de salvar sua reputação, e não uma promoção.
Em terceiro lugar, Rabel cita uma característica da cultura australiana chamada “síndrome da papoula alta”, que ele define como uma “tendência percebida de tirar os créditos ou de depreciar aqueles que alcançaram uma riqueza notável ou destaque na vida pública”.
É provável que todos estes fatores desempenham um papel. Talvez inexista alguma tendência natural na Austrália que se inclinaria a ver a ascensão de Pell como algo válido de nota. Quanto aos críticos liberais e seculares, estes estão felizes com o fato de que ele não está mais por perto; e, pelo menos, parte da base conservadora do religioso pode ser ambivalente a respeito do Papa Francisco e, assim, não ter a tendência de levar muito a sério seus esforços para reformar a Igreja.
Qualquer que seja a explicação, a minha mensagem aos amigos australianos era: podem amar ou odiar George Pell, mas é um engano ignorá-lo. Ele tem importância, talvez mais do que nunca.
Para constar, há uma decisão se apresentando neste momento que poderia trazer Pell novamente para a atenção dos australianos. Espera-se que o Papa Francisco nomeie o sucessor de Pell para Sydney em breve, com os principais candidatos sendo Dom Mark Coleridge (da Diocese de Brisbane) e Dom Anthony Fisher (da Diocese de Parramatta).
Em tese, Coleridge parece ser a escolha natural. A sua formação acadêmica é em Bíblia, algo que Francisco admira, e trabalhou durante 4 anos na Secretaria de Estado do Vaticano. Francisco vem demonstrando a tendência de colocar ex-diplomatas vaticanos em funções centrais, dando valor à visão cosmopolita deles bem como a moderação instintiva que trazem consigo.
Já Fisher é um erudito dominicano cuja especialidade é em bioética, e nos círculos católicos australianos é visto como um protegido de George Pell. Se Fisher for nomeado para Sydney, muitos irão suspeitar da influência do antecessor – ocasião em que não precisarão ir visitar os jornalistas americanos para lembrá-los de sua importância.
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Será que tragédia tirará o Papa Francisco do caminho para a unidade dos cristãos? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU