30 Abril 2014
"É interessante traçar um paralelo que remonta a muito antes do Concílio, a 1946. Roncalli e Wojtyla, que já então mostravam um espírito novo, duas histórias revolucionárias...". Riccardo Di Segni, rabino-chefe de Roma – a comunidade judaica mais antiga da diáspora, até porque já existia antes –, nos dias da Páscoa, retribuiu os votos de Francisco com uma mensagem em que, dentre outras coisas, escrevia: "Em poucos dias, vocês honrarão solenemente a memória de dois grandes papas que mudaram positivamente a história das relações da Igreja com o judaísmo, e esse é um sinal de esperança para todos".
A reportagem é de Gian Guido Vecchi, publicada no jornal Corriere della Sera, 27-04-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Uma delegação judaica internacional esteve presente na Praça de São Pedro. O rabino Di Segni sorri: "É claro que as canonizações são um fenômeno dentro da Igreja Católica. Nós somos espectadores. Mas, consideradas de fora, significam que o comportamento de pessoas especiais é indicado como exemplo aos fiéis, um modelo que identifica o grupo".
Eis a entrevista.
Por que o senhor falava de 1946?
Penso na história das crianças judias escondidas nos conventos durante os anos da Shoah e que, depois da guerra, não tinham mais família. Alguns haviam sido batizados, várias organizações judaicas pediam que fossem restituídas às suas comunidades, mas, por parte das autoridades eclesiásticas, havia, digamos assim, uma enorme relutância. O Santo Ofício dava instruções para impedir a restituição. É um momento em que, no que diz respeito aos judeus, manifesta-se todo o cristianismo pré-conciliar. Eis que, nesse momento, Roncalli e Wojtyla se comportam de outra forma.
O que fazem?
Roncalli, núncio na França, fez como se não houvesse recebido nenhuma disposição e trabalhou com o rabino Herzog para que as crianças voltassem para as suas comunidades. É a tese, sustentada por documentos, formulada pelo historiador Alberto Melloni. Além disso, não podemos esquecer o que Roncalli tinha feito durante a guerra, quando era núncio na Turquia e ajudou muitíssimos judeus a fugir.
E Wojtyla?
Nesse mesmo ano, na Polônia, uma família católica à qual os pais judeus tinham confiado uma criança para livrá-lo das perseguições nazistas leva o menino a um jovem sacerdote para fazê-lo batizar. Esse sacerdote era Karol Wojtyla, que ouve a história da criança e diz ao casal: devolvam-na ao seu ambiente de origem.
Ambos fizeram gestos revolucionários depois como pontífices...
O Concílio convocada por Roncalli e a declaração Nostra aetate de 1965 representam uma virada epocal. Certamente, a Nostra aetate deve ser enquadrada no seu tempo. Ao relê-la hoje sente-se um pouco o peso da idade. Mesmo o famoso gesto de João XXIII que, em 1959, fez com que o carro parasse na frente da sinagoga e deu a bênção parece agora um pouco paternalista. Mas certamente a declaração conciliar é a brecha que faz com que a represa desmorone. Hoje, as relações entre judeus e cristãos são concebidos de modo diferente, mas sem aquela reviravolta nada teria sido possível.
No dia 13 de abril de 1986, João Paulo II visitou o Templo Maior de Roma, o primeiro papa a entrar em uma sinagoga depois de Pedro...
No caso de Wojtyla, é fundamental a sua biografia. Desde criança, cresceu em Wadowice rodeado de amigos judeus, conheceu o mundo judaico na raiz. Depois, ele desapareceu nos horrores da guerra, na Shoá, uma experiência que o marcou por toda a vida. João Paulo II entendeu que eram necessários gestos para mudar a atmosfera. A sua visita à sinagoga é histórica porque derruba psicologicamente as barreiras de hostilidade, mostra que aquela é uma casa de oração em que um pontífice entra com dignidade e respeito. Para os cristãos, é uma espécie de redescoberta das próprias raízes. Assim como aconteceu em Israel no ano 2000, na visita ao Yad Vashem, a oração no Muro ocidental... Um dos temas fundamentais do diálogo judaico-cristão é a abolição da relação de desprezo. E esse gesto é uma inversão de perspectiva, um sinal que toca o inconsciente.
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''Roncalli e Wojtyla mudaram a relação da Igreja com o judaísmo.'' Entrevista com Riccardo Di Segni - Instituto Humanitas Unisinos - IHU