29 Abril 2014
Diante de uma multidão interminável, composta e comovida, o Papa Francisco elevou Angelo Roncalli e Karol Wojtyla à glória dos altares. "Homens corajosos", chamou-os. Ressaltando a autenticidade do seu falar e do seu crer, situando as suas diversidades no sulco do testemunho apaixonado que cada um conseguiu dar.
A reportagem é de Marco Politi, publicada no jornal Il Fatto Quotidiano, 28-04-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
É o dia dos quatro papas, evento extraordinário para a Igreja. O espírito dos romanos, impassível antes de qualquer inédito da história, ironicamente tuíta: "Hoje, em Roma, tem mais papas do que linhas de metrô".
Quatro papas para a atenção da opinião pública mundial, mas o dia não se torna a exaltação do papado. Uma direção precisa, desejada por Francisco, imprime ao rito de massa o selo da sobriedade, da não retórica. Não se ouvem gritos entusiasmados, não se ouvem gritos de guerra ritmados.
A paixão por João Paulo II que anima grande parte da plateia, apertada entre a colunata de Bernini e que se estende até Castel Sant'Angelo, em um rio de fiéis de todas as nações, não explode em manifestações de torcida.
Francisco quis uma celebração que fosse uma missa, não um desfile triunfal, e o fio do seu discurso esteve longe de toda apologia do papel papal. O centro e o chefe da Igreja – sugere ele na sua pregação – são o Cristo com as suas "chagas".
Os homens, mesmo os papas, valem de acordo com a sua capacidade de se confrontar com as feridas de Cristo e de "ver Jesus em toda pessoa sofredora". É uma mudança de ênfase, que desmitifica as figuras papais e que já estava presente no discurso de despedida de Bento XVI, quando mencionou que quem guia a Igreja não é o pontífice, mas Cristo.
Impressionante, mais uma vez, foi a longa oração silenciosa feita na Praça de São Pedro por centenas de milhares de pessoas seguindo Francisco.
É um dia especial esse 27 de abril de 2014. Ponto de chegada e de partida para a Igreja Católica. João XXIII, tantas vezes sabotado na vida, recebe o máximo reconhecimento que as forças eclesiásticas conservadoras quiseram negar-lhe, impedindo-o de ser aclamado santo ao término do Concílio. E finalmente estão satisfeitos todos aqueles – principalmente poloneses – que reivindicavam a santificação de João Paulo II já durante o seu funeral.
Os poloneses representam a grande massa dos peregrinos estrangeiros que foram a Roma. Para eles, Wojtyla é um herói nacional. Um grande soberano, símbolo de religião e de pátria. Bandeiras e faixas polonesas abundam na praça em relação às bandeiras de outros países.
Mas não passa despercebido que a multidão, nesta ocasião, diminuiu em comparação com os dias anteriores. No dia 1º de maio de 2011, quando Wojtyla foi beatificado, os peregrinos eram um milhão. Entre os dias 4 e 7 de abril de 2005, quando uma massa infinita de fiéis homens e mulheres de todas as religiões e visões de mundo se puseram em fila pela Via della Conciliazione para entrar na basílica e dar um último adeus a Karol, os participantes eram três milhões. Desta vez, são meio milhão em torno de São Pedro e outro 300 mil espalhados pelas praças romanas na frente dos telões.
Para todos, porém, é uma experiência inesquecível, da qual – repetem – "tinham que participar". Muitos chegam à Praça de São Pedro já com as malas, prontos para partir depois da cerimônia. Muitos acamparam durante a noite da melhor forma possível para poder conquistar os lugares mais próximos do presbitério. Muitos rezaram na vigília noturna organizada nas igrejas romanas.
É um dia particular, porque, diante de dois bilhões de telespectadores (esse é o cálculo do Vaticano no planeta), Francisco convidou Bento XVI para participar do rito e foi abraçá-lo duas vezes, no início e no fim. Ratzinger, com o rosto mais relaxado e sereno em comparação com os meses passados, chegou por primeiro lugar à praça. Todo de branco nos paramentos e com uma grande mitra episcopal branca na cabeça. Continua sendo o símbolo de uma dedicação absoluta à Igreja.
E Francisco, trazendo-o sob a luz dos refletores mundiais, lança a mensagem de que a catolicidade terá que se acostumar a ver os pontífices aposentados. Talvez daqui a dez anos ele – Bergoglio – estará no mesmo lugar, sentado na primeira fila ao lado do altar.
A homilia de Francisco concede pouco aos elogios e à ilustração das biografias, é comedida, não há espaço para improvisações. O papa argentino lê o texto com o rosto sério. Se menciona Roncalli e Wojtyla é para ilustrar a imagem de Igreja que ele está propondo há um ano: "testemunho da bondade de Deus e da sua misericórdia".
João XXIII e João Paulo II, diz ele, conheceram as tragédias do século XX, mas não foram superados por elas. Mais forte neles era Deus, era a fé em Cristo Redentor, "mais forte era a misericórdia de Deus". O essencial do Evangelho, insiste Francisco, sem medo de se repetir, é o amor, a misericórdia, em simplicidade e fraternidade.
E aqui se percebe que o papa argentino está se dirigindo insistentemente à Igreja, à Cúria, aos episcopados, ao clero, aos crentes de hoje. O Concílio, explicou, serviu para levar a Igreja novamente à sua "fisionomia original".
Desigual, na sua breve homilia, foi a descrição dos dois pontífices. Francisco pareceu mais próximo de João XXIII, definido como "dócil ao Espírito Santo", guia-guiado pelo Espírito Santo. Wojtyla foi definido de "o papa da família". Título justo, dada a insistência com que tratou os temas familiares, mas limitado, se olharmos para a amplitude do seu pontificado.
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800 mil para Francisco e os ''homens corajosos'' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU