Por: Jonas | 25 Abril 2014
O professor de embriologia Andrés Carrasco, da Universidade de Buenos Aires, e também pesquisador do Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas (CONICET) da Argentina, conversou com Mario Hernandez, pelo programa de rádio Metrópolis, FM La Boca, de Buenos Aires. O professor destaca que, atualmente, "já se está convencido que a tecnologia transgênica, além dos efeitos tóxicos dos agroquímicos, é uma tecnologia sumamente rudimentar, que tem muitos problemas de sustentabilidade biológica, desafios para solucionar e que não poderão resolver porque não levam em conta determinadas e mais modernas hipóteses de como funcionam os organismos vivos". A entrevista é publicada por Rebelión, 23-04-2014. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
Recebemos o Dr. Andrés Carrasco, com quem nos comunicamos, pela última vez, quando se iniciava a luta das Malvinas Argentinas, o bloqueio à fábrica da Monsanto, que até esse momento não havia tido muita repercussão, mas que, depois, assumiu uma dimensão muito importante.
Gostaria que nos esclarecesse algumas questões científicas. Estive vendo que nesta fábrica que a Monsanto tenta instalar querem produzir uma semente de milho chamada “Intacta”, aprovada pelo governo, que é uma semente MON89034, uma versão melhorada do MON810, que sintetiza três venenos diferentes para matar lagartas, borboletas e vaquinhas de Santo Antônio.
Possuem três inseticidas mais um herbicida.
Resistente ao glifosato e ao glufosinato.
Possuem cinco modificações genéticas.
Gostaria que me explicasse em que consiste esta semente.
É a nova geração de sementes. Deve-se advertir aos ouvintes que as grandes empresas de sementes quando surgiram no mercado, há 15 ou 20 anos, com esse tipo de tecnologia, esse tipo de estratégia tecnológica para produzir inseticidas dentro das sementes ou feijões, diziam que essa estratégia seria superada por outras e que nos próximos 10 a 15 anos, no mais tardar, não utilizariam nenhum tipo de produto químico.
Percebe-se que essas estratégias, que prometiam produzir alimentos de forma intensiva, com a monocultura, não foram exitosas. Então, hoje, o que você tem é um aprofundamento daquela velha estratégia de usar produtos químicos ou substâncias tóxicas no campo. No meu modo de ver, significa um fracasso das estratégias empresariais que pensaram que poderiam superar isso e quando o barulho fosse muito, muito grande, sairiam com uma novidade que acalmaria os ânimos, mas não foram exitosos. Por isso, você percebe que hoje ao invés de haver um gene contra insetos, existem três. Apenas um não resolve. Assim como também não resolve apenas o glifosato, por isso, é necessário acrescentar glufosinato. Certamente, no futuro aparecerá o glifosato combinado com o LicanB ou com 4D, que significa o aprofundamento da estratégia tecnológica de usos químicos para produzir sementes.
Aproveito para esclarecer que as sementes não são produzidas na fábrica de Córdoba, mas em San Luis ou em alguma outra região mais ao sudoeste. Na fábrica da Monsanto, que parece estar parada e que não será fácil continuar sua construção, mesmo com a empresa dizendo que fará outro relatório ambiental, porque o primeiro foi rejeitado, aí, processarão e manipularão a semente, vão tratá-la, vão usar outros produtos químicos.
Poderíamos dizer que vão “curá-la”.
Sim, colocarão nela outros produtos químicos e vão embolsá-la para vender.
Irão curá-la com inseticidas?
Alguns praguicidas e fungicidas precisam usar, porque, caso contrário, a semente pode ser atacada por algum bicho.
Li, embora confesse que sou bastante ignorante sobre o assunto, que irão curá-las com dois inseticidas da Bayer: Pancho e Gaucho.
Pode ser que sim, não sei os detalhes.
São dois agrotóxicos proibidos na Europa e serão utilizados 108.000 litros de Pancho.
É muito provável.
O que significa esses números?
Que ainda continuam dependendo de agregar novos produtos químicos para manter o modelo produtivo e que, evidentemente, no futuro isso não diminuirá ou será substituído por outra coisa. Portanto, para cultivar essas sementes irão usar mais produtos químicos ou mais modificações genéticas, quando tiverem que processá-las nos 160 depósitos que existem, porque são sementes para 3,5 milhões de hectares, é uma produção formidável.
Contudo, o importante é que a fábrica está paralisada, não puderam avançar, o que supõe outra reflexão, pois o problema agora é da Monsanto. Eles precisam dessa fábrica para o seu negócio.
Pelo que entendi, seria a maior fábrica da Monsanto no mundo.
Eles precisam processar sementes para fracionar e vender aos agricultores argentinos e de outras partes do continente, por isso, necessitam de uma fábrica desse tamanho. Se as pessoas resistem e eles não conseguem construir, possuem um problema de estratégia empresarial. Aonde irão construí-la? Estão pensando em ir para outro país? Não sei, como também isso não importa muito. O que importa é que não puderam progredir em razão da resistência das Mães de Ituzaingó e das Malvinas Argentinas.
Quero voltar ao número de 108.000 litros de Pancho e 112.000 litros de outro inseticida que se chama Nativo. O que fazem com os resíduos líquidos?
Nunca esclareceram isso. Em um Impacto Ambiental é necessário dizer o que se faz com os resíduos após usar essas substâncias e não é fácil lidar com eles, custa caro e certamente pensaram que poderiam enrolar facilmente as pessoas, mas não deu certo. Não conheço os procedimentos, mas sei que não é fácil.
Por alguma razão, o Impacto Ambiental que apresentaram mostra sua impunidade, seu desprezo pelas pessoas, porque certamente fizeram uma coisa que não serve para nada, assim como também sua onipotência, sua soberba, porque disseram que regularizariam isso, mas não puderam. A Secretaria de Meio Ambiente de Córdoba o rejeitou (o relatório). Agora terão que fazer outro, mas é mais difícil porque terão que fazê-lo seriamente, a não ser que tenham força para mudar leis provinciais que os eximam dos requerimentos das normativas atuais.
Quando um cientista denuncia essas situações, o que acontece?
Leva pau de todos os lados. Em geral, os produtores, associações como a Associação Argentina de Produtores em Semeadura Direta (Aapresid), com Gastón Fernández Palma na direção, que diz que é médico, gente como Trucco, que são importantes atores neste negócio, Huergo do Clarín, irritam-se e usam toda a munição que possuem. A principal é a desqualificação e a desfeita. Como possuem muitos meios de comunicação, em geral, fazem com a ausência e não há debate, é sumamente arbitrário.
Em definitivo, os empresários estão defendendo seus interesses econômicos e possuem os cientistas enredados, enquadrados na submissão a esse modelo. Não apenas cientistas livres, mas, sim, na mesma direção e com maior grau de gravidade, grandes setores do INTA (Instituto Nacional de Tecnologia Agropecuária), das Universidades de Santa Fé e Rosário e do CONICET, que é um fiel subordinado e predestinado ator em prol destes interesses, portanto, não deseja ter cientistas que estejam dizendo coisas que não se encaixam com os seus alinhamentos.
Há diferentes formas de lhe retirar a munição, mas o CONICET tem uma muito pesada, que tem a ver com o trabalhista, porque caso seja membro da carreira de pesquisador e cumpra com uma série de requisitos, você é avaliado periodicamente, recebe um salário para compensar essa dedicação, dentro de um sistema de avaliações, com promoções, bolsas, subsídios, etc., que lhe permitem exercer funções sem nenhuma inibição. Por exemplo, podem colocar para alguém que é contra os transgênicos e que vem falando há anos, com trabalhos feitos a esse respeito, um avaliador que trabalha com transgênicos e os desenvolve e que publicamente se expressou de um lado diferente. Isso não deveria existir no sistema de avaliação. É uma armadilha que o CONICET desempenha muito bem.
É no processo de avaliar uma pessoa, seja para lhe dar uma bolsa, um subsídio, promovê-la, que eles atuam e emitem ditames e decisões que pretendem ser disciplinadores. Negando uma bolsa, uma promoção, independente dos méritos que se tenha, manobram esse sistema de avaliação, não a serviço da ciência, mas, sim, do jogo político da instituição.
Há muitos cientistas que trabalham com Huergo, Trucco, etc., e que tem organizações, fundações e dinheiro, como, por exemplo, a de Grobocopatel, ainda que por trás devam estar as transnacionais. Há uma imbricação profunda nos locais de pesquisa como em Santa Fé e Rosário, onde não é possível separar os institutos particulares dos oficiais, pois estão envolvidos cientistas do CONICET. Se olharmos a totalidade da massa de pesquisadores no país, os que se encontram neste jogo é uma pequena porção, mas são muito poderosos, pois, em geral, são influentes, quando não, o próprio CONICET lhes constrói o prestígio, ano a ano, para que sua palavra seja legitimadora.
Há todo um mecanismo que a indústria transnacional e os produtores argentinos exploraram com astúcia, e eles precisam seguir adiante com estes negócios e modelos produtivos que cientistas, supostamente não suspeitos em estar envolvidos com nenhum interesse, legitimem por meio de sua declaração pública. Há alguns e cada vez haverá mais, porque o processo de legitimação também é desafiado pelo discurso contrário, então, aí, vai se estabelecer um debate que irá durar algum tempo até que alguém encontre a maneira de saná-lo. Não é difícil fazer isso, o problema é que eles não debatem, enunciam e dizem ‘quem não está com os transgênicos está entorpecendo a ciência’, e isso é uma barbaridade, mas como há muita apelação nos setores médios argentinos, as palavras de algumas pessoas são superestimadas, fazem-se sentir.
Também é um espaço de ida e volta. Alguém prevê que no futuro as instituições terão que dar maior grau de precisão a respeito do que estão apoiando, o que estão facilitando, o que estão subvencionando. Eu acredito que, cedo ou tarde, isto acabará, tardará um pouco, mas se acaba, porque é uma construção muito virtual.
Hoje, já se está convencido que a tecnologia transgênica, além dos efeitos tóxicos dos agroquímicos, é uma tecnologia sumamente rudimentar, que tem muitos problemas de sustentabilidade biológica, desafios para solucionar e que não poderão resolver porque não levam em conta determinadas e mais modernas hipóteses de como funcionam os organismos vivos. Então, é uma tecnologia, não é uma ciência.
Se um cientista que trabalha no laboratório e faz demonstrações científicas diz a um jornal que criticar os transgênicos é uma atitude anticientífica, está negando a si mesmo, pois poderia se esperar esse tipo de afirmação de alguém que não conhece. É um jogo que tem um alto conteúdo político.
Terminou o programa, mas fiquei com algumas perguntas e você com algumas respostas, quando ia falar do componente político, por isso convido-lhe para continuar esta conversa na próxima terça-feira.
Sem problemas.
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“As estratégias tecnológicas que as grandes empresas de semente prometiam fracassaram”, afirma pesquisador - Instituto Humanitas Unisinos - IHU