15 Outubro 2013
Um livro que é publicado enquanto a vida de quem o escreveu ainda está suspensa sobre o fio da incerteza. E no qual uma consciência superior leva o autor a classificar como "um luxo extremo" a possibilidade de "escrever um testamento quando o risco de morte é excepcionalmente grande" com relação a muitos que foram mortos na carnificina síria sem gozar desse "último privilégio".
A reportagem é de Domenico Rosati, publicada no jornal L'Unità, 11-10-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto
De fato, o padre Paolo Dall'Oglio está plenamente consciente, na primavera europeia de 2013, ou seja, no intervalo "europeu" depois da sua expulsão da Síria, que ele está se movendo em um perímetro infernal em que os sofrimentos atingem, quase sem distinção, carnífices e vítimas. E a esperança de sair deles deve necessariamente conviver com a incerteza e com a dúvida.
A trágica especificidade dessa situação pessoal torna até difícil encontrar uma chave unívoca dos pensamentos, das reflexões e também das invectivas que se leem nas páginas da Collera e luce. Un prete nella rivoluzione siriana (EMI, 2013), um texto escrito em francês e apresentado quando Paolo era um homem livre e agora traduzido para o italiano quando nos apegamos a fragmentos de notícias que vazam do desconhecido cativeiro.
Como a marca desse jesuíta de fronteira é a autenticidade, devemos acreditar na descrição que ele faz do seu estado de espírito no auge de uma aventura humana vivida com o entusiasmo do pioneiro e, enfim, subvertida por uma desilusão percebida como uma humilhação.
"A minha consciência cristã – escreve – está claramente dilacerada. De um lado, há o desejo radical de levar até o fim a revolução contra esse regime. Por outro lado, pouco ou muito, isso parece que provocaria uma islamização radical da Síria e criaria as condições para uma definitiva marginalização da comunidade cristã".
O padre Paolo não esconde que ele havia acreditado no potencial caráter democrático da versão síria da "Primavera Árabe" e, portanto, na possibilidade de uma superação incruenta do regime de Bashar Assad. Mas ele precisa reconhecer as consequências incontroláveis de "um circuito hermenêutico infernal", aquele pelo qual "os medos legitimam a repressão, que cria o extremismo, que justifica os medos".
Era outro o cenário que ele havia imaginado e para o qual havia trabalhado desde que, muito jovem, tinha ouvido o "chamado" para se dedicar ao diálogo islâmico-cristão e não só com as pesquisas e os debates intelectuais, mas também e principalmente, por 30 anos a partir de 1982, com uma experiência, a do mosteiro "plural" de Mar Musa.
Foi o empreendimento que o levou a se declarar Innamorato dell’Islam, credente in Gesù [Apaixonado pelo Islã, crente em Jesus], título de outro livro, e a traduzir essa visão na ideia de um "estar juntos" que leva a "descobrir um Deus também mais aberto, que gostaria de viver em um bairro plural, que não se escandaliza de ver uma mulher velada passar na rua ou outra que veste uma saia muito curta".
Não era um caminho fácil. O ditador sírio o tolerava porque lhe permitia fingir ser "liberal", mas no campo cristão não faltavam suspeitas de heterodoxia, como demonstram as interpelações da Santa Sé e, principalmente, a desconfiança das Igrejas sírias, que, a seu ver, mantinham uma relação de excessiva tranquilidade com o poder dominante. Mesmo assim, ele considerava que a planta da harmonia inter-religiosa podia ser cultivada especialmente confiando no papel de personalidade e movimentos disponíveis ao diálogo inter-confessional e na democracia.
Depois, com a "primavera " e a demanda de liberdade, manifestou-se a reação do regime e, com ela, a barbárie das relações e a expansão do campo da violência com o impulso islamita, embora multiforme e confuso. Tanto é que, hoje, não se saberia dizer a quem a posição de Paolo foi mais indesejável, se ao regime ou aos seus antagonistas armados.
No entanto, enquanto a história desse padre ainda não está concluída, é bom evocar com ele o episódio daquele jovem frequentador de Mar Musa que, preso nos cárceres de Assad, lembra as orações comuns no tempo do Ramadã e as intitula como "Meditações inacianas no tempo do profeta Maomé". Um oxímoro que contém uma profecia.
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''Cólera e luz'', a Síria de Paolo Dall'Oglio - Instituto Humanitas Unisinos - IHU