29 Mai 2013
A historiadora Dulce Pandolfi e a cineasta Lúcia Murat denunciaram ontem, em depoimento à Comissão Estadual da Verdade do Rio, a existência de laboratórios de treinamento de torturadores nas dependências do Exército no Rio durante a ditadura militar (1964-1985).
A reportagem é de Guilherme Serodio e publicada pelo jornal Valor, 29-05-2013.
"O professor, diante de seus alunos, fazia demonstrações com o meu corpo", relatou Dulce, que foi cobaia em uma aula prática de tortura. "Enquanto eu levava choques elétricos, pendurada no pau de arara, ouvia o professor dizer: 'Essa é a técnica mais eficaz'", lembrou. Ela e Lúcia foram presas no começo da década de 1970 no Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi). Lúcia afirmou que os militares testavam métodos de tortura, chamados eufemisticamente de "técnicas de interrogatório", com os presos numa espécie de laboratório.
Ainda assim, a prisão no DOI-Codi, um prédio oficial do exército, representou melhor sorte do que a reservada aos militantes das principais organizações armadas de oposição ao regime, torturados e assassinados em prisões extra-oficiais como a Casa da Morte de Petrópolis. "Eles não podiam mais me matar porque eu já estava oficialmente presa", disse.
A cineasta defendeu o papel da Comissão e disse esperar que os torturadores sejam responsabilizados por seus atos. "A criação da Comissão Nacional e das comissões estaduais é o primeiro passo nesse sentido. Diferentemente de outros países latino-americanos, nós estamos muito atrasados nesse processo", criticou.
Presente ao evento na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), o diretor-executivo da Anistia internacional no Brasil, Átila Roque, pediu que a discussão acerca da revisão da Lei da Anistia seja retomada. "Os trabalhos da comissão e os desdobramentos que ela provoca vão colocar a sociedade, o Estado e as instituições brasileiras diante do imperativo da Justiça", disse. "Não há mais como tentar evitar essa conversa. Temos que rever a própria Lei da Anistia".
Ainda que os torturadores cobrissem com esparadrapos seus nomes nos uniformes militares, as vítimas conseguiram identificar as identidades de alguns deles, como o major Demiurgo, então chefe do DOI-Codi; o major PM Riscala Corbage, conhecido como Nagib, e o agente da Polícia Federal Luiz Timóteo de Lima, além do médico Amilcar Lobo, que liberava os presos para as sessões de tortura no DOI-Codi.
A partir dos relatos das vítimas, a comissão da verdade do Rio vai relacionar os nomes dos torturadores e convocá-los para prestar depoimento, disse o presidente da comissão estadual, o advogado Wadih Damous. "Se vivos estiverem serão chamados". Segundo ele, a Comissão Nacional da Verdade terá nos próximos dias uma representação no Rio para colaborar mais intensamente com a Comissão Estadual.
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Historiadora diz ter sido cobaia de aula prática de tortura - Instituto Humanitas Unisinos - IHU