15 Abril 2013
“Estou me apegando a Cristo. [...] Graças te dou, Deus meu. [...] Obrigado, pátria amada.”
Estas palavras estiveram entre as últimas que o presidente Hugo Chávez enviou ao povo da Venezuela antes de sua morte em 5 de março. Ele as tuitou, expressando uma piedade popular que desmente as caricaturas da mídia americana, que persistiram embora ele tenha exercido o cargo por quase 15 anos e ganho três eleições consecutivas.
O artigo é de Michael J. Gillgannon, sacerdote da diocese de Kansas City-St. Joseph, no estado de Missouri, e que atuou como missionário na Bolívia por mais de 30 anos, publicado por New Catholic Reporter, 12-04-2013. A tradução é de Luís Marcos Sander.
Rafael Correa, eleito em 17 de fevereiro para seu terceiro mandato como presidente do Equador com 56% dos votos, é católico praticante. Ele se autodescreveu como “de esquerda – não da esquerda marxista, mas de uma esquerda católica”. Quando estudante, Correa foi um líder nacional de grupos universitários católicos e trabalhou durante um ano como missionário leigo a serviço dos pobres junto com os padres salesianos na selva do Equador. Depois foi fazer um mestrado na Universidade de Lovaina, na Bélgica, e em seguida um doutorado em economia na Universidade de Illinois em Urbana-Champaign.
Evo Morales ganhou seu segundo mandato de cinco anos como presidente da Bolívia com 54% dos votos em 2009. No mês passado, ele lançou não oficialmente sua campanha à reeleição no pleito presidencial de 2014, embora não esteja claro se a constituição lhe permite buscar um terceiro mandato. Ele é um católico batizado com uma fé que sincretiza Jesus, a Virgem Maria e a Pachamama (Mãe Natureza) do povo boliviano.
Nicolás Maduro, o sucessor de Chávez escolhido a dedo por ele, que foi vice-presidente da Venezuela e depois presidente interino, vai disputar no domingo a eleição presidencial contra Henrique Capriles Radonski, governador de estado que perdeu para Chávez na eleição presidencial de outubro de 2012.
A América Latina continua a definir novos caminhos para eleições livres e justas bem como para as aplicações políticas confusas e ambíguas dos ensinamentos sociais da Igreja Católica.
Estudos demográficos recentes do Centro de Pesquisa Aplicada no Apostolado da Universidade Georgetown e do Pew Research Center mostram um rápido crescimento da população hispânica nos Estados Unidos, ao mesmo tempo em que observam o declínio da igreja em todos os países latino-americanos, causando muita confusão eclesial.
Ainda assim, com todas as suas limitações humanas, a igreja está buscando uma forma de se adaptar. Isso não ocorre com as políticas americanas, focadas em acordos de livre comércio, terroristas e drogas. O segundo governo de Obama, com um novo secretário no Departamento de Estado, precisa rever os rumos de sua política-padrão para as relações pan-americanas.
Os novos presidentes da Bolívia, do Equador e da Venezuela – que são importantes países exportadores de petróleo e gás – ficarão em seus cargos ao menos até o final de 2014. Em anos recentes, cada um desses países expulsou o embaixador americano por se imiscuir em seus assuntos internos. O Equador aceitou um novo embaixador ano passado, e a Bolívia e a Venezuela expressaram interesse em restabelecer vínculos diplomáticos.
Esses países têm mostrado altas taxas de crescimento, de mais de 4% nos últimos três anos. Todos obtiveram avanços estatísticos incríveis, reduzindo os índices de pobreza e as taxas de mortalidade infantil e materna, ao mesmo tempo em que ampliavam o acesso à educação para milhões de pessoas, desde a educação infantil até a pós-graduação.
Será que o (ainda) novo secretário de Estado John Kerry e sua equipe perceberão o que a deterioração das relações diplomáticas fez? Entenderão que as relações não podem ser renovadas sem uma mudança séria nas atitudes arrogantes dos definidores das políticas americanas?
Os slogans americanos evoluíram, passando da Guerra Fria para os “marxistas”, para a “Guerra às Drogas” e agora para a “Guerra ao Terrorismo”. Entretanto, as políticas estatais de segurança nacional dos Estados Unidos parecem coerentes, só enxergando conspirações paranoicas em países latino-americanos amistosos. Países que simplesmente dizem que são estados soberanos livres, fazendo suas próprias políticas econômicas e comerciais, não deveriam ser necessariamente vistos com alarme.
E que mudanças memoráveis presenciaremos com nosso primeiro papa latino-americano, Francisco?
Uma nova era está raiando para as Américas. O passado colonial – tanto para a igreja quanto para o estado – não é mais um prólogo. Os sistemas europeus e americanos de controle colonial, econômico ou político da efervescência social e cultural de 600 milhões de latino-americanos e povos indígenas não prestarão um bom serviço ao futuro. Tais práticas simplesmente não vão funcionar.
Preconceitos históricos de classe e raça continuam em países latino-americanos e não são questionados pela mídia, que busca as “pessoas que têm poder”, entrevistando apenas intelectuais universitários e executivos de empresas e instituições financeiras para pedir interpretações e comentários. Com pouquíssimas exceções, faz décadas que a mídia só buscou e contou um lado de uma história fascinante de mudança histórica que continua a ocorrer na América Latina.
Ninguém melhor do que os missionários que viveram, trabalharam e caminharam junto com os pobres e marginalizados desde a época das ditaduras militares até agora sabe quão ruim é o trabalho feito pelos meios de comunicação.
O estigma de estereótipos midiáticos classistas e clonados – “Chávez é um ditador e um palhaço” – “Correa é um inimigo furioso dos Estados Unidos” – “Evo Morales é um socialista aimará iletrado” – não ajuda a explicar o que está acontecendo nos países sul-americanos. Essas palavras e caricaturas tendenciosas entram nos canais da mídia americana não filtradas e erroneamente entendidas, desinformando o público americano. Enquanto isso, virtualmente ninguém oferece o contexto, os antecedentes reais de seis décadas de enormes mudanças políticas, sociais e econômicas em todos os estados nacionais do México para baixo.
É verdade que essas jovens democracias têm suborno e clientelismo. É verdade que a nova fonte de riqueza internacional de minérios e recursos naturais dá a esses países dinheiro que eles não viram desde a descoberta de prata e ouro na Bolívia, no Peru e no México no século XVI. Entretanto, ao “redistribuírem” a riqueza nacional, tendo em vista sua história passada e presente de injustiça e desigualdade, eles poderiam ser desculpados por seus erros e excessos.
Com suas mudanças culturais e políticas, e tendo em vista suas novas riquezas em termos de recursos naturais, todos os estados latino-americanos devem ser incluídos num debate internacional sobre “construção nacional” e “desenvolvimento humano com um rosto humano”.
O que palavras como “capitalismo” e “socialismo” significam no século 21? Acaso os bilhões de dólares em subsídios dados pelos governos dos Estados Unidos e da Europa a produtores monopolistas de alimentos como a ConAgra e a Monsanto constituem um socialismo? Um monopólio jurídico de patentes de sementes orgânicas do abastecimento mundial de alimentos define agora um livre mercado? E qual é o sentido de “livre empresa” numa era de bancos que “são grandes demais para falir”? São muitas perguntas em busca de respostas, das quais parece haver poucas. É claro que essas mesmas questões intrincadas esperam por uma consideração séria e por respostas morais de parte da Igreja Católica.
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O passado colonial deixa de ser prólogo à medida que a América do Sul define novos caminhos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU