Por: Jonas | 04 Fevereiro 2013
O Paraguai é outro “buraco negro” na informação internacional. Localizado entre duas potências muito superiores (Brasil e Argentina) e submetido à hegemonia estadunidense na região, o país tem sido tradicionalmente controlado por uma oligarquia, salvo o pequeno parênteses que representou a presidência de Fernando Lugo. O secretário geral da Associação de Agricultores do Alto Paraná (ASAGRAPA), Tomás Zayas, denuncia a atuação de um executivo, o de Federico Franco, que não apenas acedeu ao poder após um golpe político (consequência do massacre de Curuguaty), como também governa a serviço das multinacionais. “A Monsanto e as empresas sojeiras expulsam os camponeses e indígenas de seu habitat natural, o que os condenam a passarem fome nas cidades”, afirma o líder de ASAGRAPA.
O massacre de Curuguaty, em junho de 2012, terminou em 17 mortes (11 camponeses e 6 policiais) e 50 camponeses feridos. Em que situação se encontram os detidos após a repressão que seguiu aos fatos?
O curso da investigação continua. Tudo demonstra que os companheiros detidos serão condenados, apesar do Promotor não ter nenhuma prova de que eles tenham disparado contra os policiais. O que chama a atenção no caso é que não fazem nenhuma investigação sobre quem foram os assassinos dos onze companheiros camponeses. Os policiais que realizaram as execuções não estão sendo investigados.
A entrevista é de Enric Llopis, publicada no sítio Rebelión, 01-02-2013. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
Foi uma “montagem”, como foi afirmado, para acabar com a presidência de Lugo? Caso seja isto, quais interesses se escondiam atrás do golpe parlamentar contra o ex-presidente?
O grande beneficiário do caso Curuguaty é o Partido Colorado, que perdeu o poder após 60 anos de governo, em 2008. Ocorre, então, a vitória eleitoral de Fernando Lugo. Para consolidar o julgamento político que acabou com a presidência de Lugo (ocorrido após o massacre de Curuguaty), os partidos tradicionais (Liberal e Colorado) se uniram com o objetivo de dividir a Aliança Patriótica. Com essa divisão, existe a possibilidade do Partido Colorado recuperar novamente o poder, nas eleições gerais que ocorrerão em abril de 2013.
O que representou para os movimentos sociais e, particularmente, para as organizações camponesas, a ascensão de Federico Franco ao poder, recuperando termos como “subversão” ou “insurgência” (muito habituais na ditadura de Stroessner)?
O governo de Franco, apesar da falta de reconhecimento do Mercosul e dos governos de países vizinhos, caracteriza-se por ser um governo conservador, que retrocedeu em todas as medidas sociais implementadas durante a presidência de Lugo. Federico Franco não apenas começa a utilizar conceitos como “subversivo”, mas manda os policiais vestidos de civis nos despejos de camponeses que ocuparam propriedades privadas.
O Paraguai retornou para os “anos sombrios” da ditadura de Stroessner, que qualificava o país como “o mais anticomunista do mundo”?
Até o momento, foram adotadas medidas econômicas de corte neoliberal. Além disso, o governo está recorrendo aos bônus do tesouro e o endividamento público é cada vez maior. A repressão é cada vez mais violenta. Por exemplo, recentemente uma família de Cidade do Leste, no departamento de Alto Paraná, foi despejada. Para isto, nada menos do que 200 efetivos policiais foram mobilizados. Os vizinhos se solidarizaram com a família despejada, o que levou a uma dura repressão, resultando em mais de 20 feridos.
Da população paraguaia, 40% vivem em áreas rurais. Além disso, 80% das terras estão concentradas nas mãos de 2% dos proprietários. Quais são as principais aspirações do movimento campesino?
A principal aspiração das organizações campesinas continua sendo a reforma agrária e a recuperação das terras “ilícitas” que, segundo investigações e documentação apresentada pela Comissão da Verdade e Justiça, representam mais de 7 milhões de hectares. Reiteramos, além disso, a defesa das comunidades camponesas e indígenas, assim como um desenvolvimento rural sustentável a partir de um enfoque agroecológico.
Qual é o papel da organização ASAGRAPA, da qual você foi secretário geral, dentro do movimento campesino?
Trata-se de uma organização campesina de pequenos agricultores e de camponeses sem terra, que atua na tríplice fronteira entre Paraguai, Brasil e Argentina. Como organização, realizamos um trabalho de acompanhamento na luta pela terra. Nossa estratégia consiste em projetar a construção e reconstrução das comunidades camponesas e indígenas. Outro ponto essencial é a defesa da agroecologia como um sistema de vida integral, além da relação harmônica entre o ser humano e a natureza. Também trabalhamos, atualmente, no fortalecimento da organização para o novo cenário que possa surgir após as eleições de abril de 2013.
Pablo Stefanoni destaca, num artigo no “Página 7”, que no Paraguai os donos de terras nativos e os brasiguaios (filhos de brasileiros nascidos no Paraguai) controlam suas fazendas na base da escopeta. Como materializar a reforma agrária?
É correto o diz a respeito dos latifundiários. De fato, a maioria deles possuem seus exércitos particulares. Por isso, a reforma agrária é basicamente uma reivindicação política e democrática, que depende da correlação de forças, ou seja, do fluxo e refluxo do movimento de massas. Os latifundiários são parte de um “segmento” mafioso. Controlam numerosas propriedades, que possuem títulos “fabricados”, e que por sua vez servem para calotear estrangeiros ou bancos privados. Este é o contexto no qual atuamos. As poucas terras que estão em nosso poder são terras que conquistamos. Atualmente, existem 2 milhões de hectares de terras nas mãos dos pequenos produtores, distribuídas em 240.000 propriedades, das quais mais de 60% não contam com título de propriedade.
Recentemente, alguns jagunços assassinaram o dirigente camponês Vidal Vega, que realizava um trabalho de apoio aos familiares das vítimas de Curuguaty. Pode se aproximar do Paraguai uma realidade como a colombiana?
Aparentemente, o caso de Vidal Vega responde a uma queima de arquivo; mas o fundamental é que se trata de uma testemunha chave no caso Curuguaty, e que poderia ter fornecido muita informação para esclarecer o que realmente ocorreu. É por isso que o eliminaram. A morte de Vidal Vega é sintomática. Supostamente, houve todo um plano para provocar o massacre de Curuguaty, o que serviu ao Partido Colorado para conseguir o julgamento político de Lugo e dividir a Aliança Patriótica. Nesse momento, existem muitas probabilidades de que a situação se torne mais insegura e perigosa no campo. Caso os “colorados” voltem ao poder, teremos certamente um governo neofascista. No mais, o caso de Curuguaty foi o mais grave nos últimos tempos, depois do “março paraguaio”, em 1999, quando morreram sete jovens em frente ao Congresso, em defesa da democracia e contra o fascismo.
Fala-se sobre uma remilitarização do país. Qual é o peso dos Estados Unidos e da CIA na polícia paraguaia?
Os yanquees e a CIA desempenham um papel estratégico na política paraguaia. Foi assim também na destituição de Fernando Lugo. Na realidade, não se percebe a presença física de militares norte-americanos no Paraguai, mas existe a influência. Assim, o plano de combate ao crime organizado é desenvolvido baseando-se no Plano Colômbia. A promulgação da Lei Antiterrorista segue as orientações da CIA. Uma vez que os governos progressistas possuem uma influência crescente na região, torna-se essencial para o império contar com uma base de operações e um governo dócil. Pelo que parece, eles pensam no Paraguai.
Outra potência com grande influência no país é o Brasil. Poderia servir de contrapeso, num dado momento, diante da presença estadunidense?
O Brasil também pode ter um papel estratégico. Possui interesses de muito peso e grandes negócios no Paraguai. Por exemplo, a Itaipu Binacional ou a presença de mais de 200.000 proprietários de terra e produtores de soja. É muito importante saber se apoiará ou não, e de qual maneira, o executivo que surgirá das próximas eleições. Além disso, o Brasil é uma potência econômica que compete com o império e que, certamente, prefere contar com governos aliados ao Mercosul. Isto também vale para o Paraguai. Por isso, poderia lhes causar perturbação um governo de direita conservadora, após as próximas eleições, mas, insisto, isto em prol da defesa de seus próprios interesses.
Como atores como a Monsanto ou os grandes da soja (40% do setor exportador do país) e a agroindústria influenciam na realidade do Paraguai?
A Monsanto é um punhado de empresas multinacionais que dispõem de um enorme poder econômico e político, utilizados para influenciar e manipular os governos do Estado. E, sobretudo, para defender os negócios que controlam no país. Exercem este controle, sobretudo, na zona fronteiriça e em parte das terras mais férteis do país, assim como no aquífero Guarani. Refiro-me aos territórios de São Pedro, Canindeyú, o Alto Paraná, Caaguazú, Caazapá e Itapúa, onde a principal produção é a soja.
Como este domínio das transnacionais atinge a vida das comunidades camponesas e indígenas?
As empresas sojeiras invadem as comunidades camponesas e indígenas, destroem seu habitat natural e contaminam o meio ambiente e a água. Comenta-se que em algumas regiões a água superficial não está apenas contaminada, mas já envenenada. Porém, não se deseja publicar isto, em razão do perigo que representa falar sobre estas questões. Já faz tempo que estes fatos provocam a fome e a expulsão dos indígenas. Além, disso, as ruas das grandes cidades estão repletas de indígenas pedindo esmola para sobreviver, meninas indígenas prostituídas e meninos drogados.
Por último, para abril deste ano estão previstas as próximas eleições presidenciais, no Paraguai. Qual é o horizonte para a esquerda? Você vê perspectivas de um novo governo progressista?
Penso que dois projetos estão em disputa. Um de caráter conservador-liberal (do atual governo) e um segundo, também conservador, mas com pinturas neofascistas (do Partido Colorado). Ambos são iguais no econômico. Do outro lado, está o projeto da frente popular, em que a principal figura é o ex-presidente Lugo. Entretanto, por causa do oportunismo de diferentes setores da esquerda, suas perspectivas são escassas, embora finalmente possa haver uma surpresa. Existe a possibilidade de se conseguir a eleição de vários parlamentares no Congresso. No demais, as eleições de abril serão muito importantes para o império e a burguesia. Para o setor popular, lamentavelmente, é preciso assumir que os donos do capital controlam a questão eleitoral.
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A Monsanto e as grandes sojeiras provocam a fome de indígenas e camponeses no Paraguai. Entrevista com Tomás Zayas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU