Por: Jonas | 30 Novembro 2012
Com um cigarro na mão, na hospedaria Maraka’s, Tania Nijmeijer (foto) se levanta da mesa para se despedir. É uma terça-feira à noite, e seu rosto demonstra uma expressão atormentada, a mesma que aparentou durante as duas últimas horas, da mesma forma como ocorreu, na segunda-feira, durante as seis horas de nossa conversa.
“Estou cansada de ter que ficar continuamente me defendendo”, disse a holandesa, que atua em nome das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) nas negociações de paz da Colômbia. “É importante que você entenda as razões pelas quais recorremos às armas, e que existe na Colômbia uma guerra que produz mortes. Sim, às vezes cometemos erros”.
Nijmeijer, de 34 anos, nascida em Denekamp (Holanda) é a segunda das três filhas da família, cheia de paixão, conta como é sua vida nas Farc, a organização guerrilheira da qual faz parte desde 2002. Encontra-se muito surpresa pelo interesse que despertou nos meios de comunicação. “Eu gostaria que prestassem mais atenção nas condições de vida das pessoas. Isto não seria muito mais importante do que falar de mim?”.
Seus olhos brilham quando fala de sua vida na mata colombiana, onde as Farc erguem um novo acampamento a cada três dias. Também nos diz que entende melhor o mundo desde que começou o curso de marxismo que a organização oferece a todos os guerrilheiros. Mostra-se novamente entusiasmada quando fala do contato com a população nas áreas dominadas pelos rebeldes, especialmente com os camponeses pobres.
Desde 1964 as Farc estão em guerra com o Governo colombiano. Uma guerra que a partir dos anos 1980 – quando os enormes rendimentos do tráfico de cocaína começaram a funcionar como catalisador – fez aflorar o pior de ambas as partes. Todos os dias caem dezenas de vítimas inocentes, principalmente camponeses colombianos pobres, fisgados entre as lutas, desejos e interesses das duas partes em litígio.
“Nós gostaríamos que não houvesse vítimas, gostaríamos que não houvesse guerra, gostaríamos de não estar nas montanhas. Porém, se deixarmos a luta, o que o povo fará?” Depois voltará ao complexo vigiado, onde ela fica alojada com outros 29 guerrilheiros para participar nas conversações de paz, iniciadas no dia 19 de novembro.
A última vez que vi Nijmeijer foi em agosto de 2001, enquanto lavávamos os pratos na pequenina cozinha de uma residência de estudantes de Groninga. Era a melhor amiga de uma companheira. Já havia estado uma vez pela Colômbia e não deixava de esquentar as orelhas com as notícias sobre esse país. Onze anos depois, chega à minha porta, numa segunda-feira às 9h00s da manhã, numa perua mercedes branca conduzida por um motorista do Serviço de Segurança Cubano. Vem no assento dianteiro, com Camila e Shirley nos assentos traseiros: “São duas camaradas”.
Quando, um pouco mais tarde, nos sentamos num desgastado restaurante de Malecón, Camila e Shirley abrem seus computadores portáteis para trabalhar. O holandês de Nijmeijer continua sendo magnífico, mas para falar das Farc prefere o espanhol. O caminho que a levou à guerrilha colombiana foram dois acontecimentos vivenciados, em 2001, durante as práticas que realizava naquele país. O primeiro tratou-se de uma visita a um bairro desfavorecido da cidade de Pereira. Sua acompanhante lhe disse que teriam que sair às nove horas porque nesse horário as pessoas iam dormir. “Quando perguntei a um vizinho do bairro por que iam dormir tão cedo, disse-me que os paramilitares poderiam considerar como criminoso qualquer pessoa que andasse nesse horário pela rua e matar-lhe com um tiro. Na Colômbia, isto se chama limpeza social”. Outro fato ocorreu em Bogotá. Ela foi visitar Cidade Bolívar, o gigantesco bairro de barracos ao sul da capital. Em seguida, foi levada ao Centro Andino, o centro comercial da elite do norte da cidade. O contraste foi de muita dor.
Nijmeijer se aprofundou no estudo da história da Colômbia, buscou os contatos adequados no país e entrou no movimento guerrilheiro. “Para mim estava claro que a democracia na Colômbia existia apenas no papel. E continua sendo assim atualmente”. Seu disfarce era o seu trabalho numa cara escola de idiomas.
Mais tarde, Nijmeijer também cometeu atentados: entre eles, colocou bombas no Transmilenio, o sistema de transporte público de Bogotá, e a um rico comerciante. Segundo ela, em seus ataques não houve mortos, foram planejados apenas como protesto.
Quando em 2003 a polícia desmantelou a rede de militantes, Nijmeijer optou em fugir seguindo adiante: lutar na mata, com a metralhadora em mãos. Aliás, seu nome nas Farc, desde o primeiro dia, passou a ser Alexandra, e é assim que assina seus correios eletrônicos. Não pensa num possível papel na política, caso o processo de paz tenha êxito. “Vou me adaptar às necessidades que existir. Do que as Farc necessita, do que a Colômbia necessita, do que necessita o povo?”
A entrevista é de Robert-Jan Friele, publicada no jornal El País, 24-11-2012. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
Alguns pensam que as Farc recorrem a você – uma mulher ocidental, inteligente e eloquente – para melhorar sua imagem.
Incomoda-me que digam que faço parte da campanha de comunicação das Farc. O que queremos é contar nossa visão das coisas. O Governo colombiano colocou muitas dificuldades em minha participação nas conversações de paz.
As Farc nasceram em 1964. Qual é a luta atual?
Os tempos mudam, mas a opressão continua. Nós nos consideramos um partido político armado, cuja ideologia está baseada no marxismo-leninismo. Essas são as ideias pelas quais lutamos. Queremos fazer reformas radicais. O que nos perguntamos é: como podemos participar na política? É disto que as nossas conversas com o Governo tratam.
Pela maneira como você fala de sua vida nas Farc, parece que é como se não houvesse guerra. Também no vídeo musical que gravaram dá a impressão de que se trata de uma turma alegre.
E é isto o que somos. Se você não está contente, não consegue suportar. São justamente os momentos mais difíceis que inspiram a maioria das brincadeiras.
As Farc possuem a fama de impor severos castigos no caso de infração e pena de morte no caso de deserção. Nunca foi aberto mão disto?
Numa ocasião, quando liguei para casa às escondidas, foi-me imposto, entre outros, o castigo de cavar mais de 30 metros de fossa e escrever 20 páginas sobre minha infração. Somos um Exército e é preciso ter disciplina. Quem foge é um traidor.
Você assistiu alguma execução?
Não. Mas, ouvi falar delas.
Você se tornou mais dura durante todos estes anos?
Nós, os guerrilheiros, somos duros por fora, mas suaves por dentro.
Estaria disposta a pedir perdão por suas vítimas?
Ela me olha indignada.
Existe um ditado: O povo sabe quem são os seus algozes. O Governo tenta nos tornar culpados ao invés de vítimas.
Como o objetivo que dizem perseguir é bom, não há nada em que se possa reprová-los?
Eu não tenho que me justificar. A luta está justificada. Estamos em guerra.
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Tania Nijmeijer. As razões de uma guerrilheira das Farc - Instituto Humanitas Unisinos - IHU