06 Setembro 2012
O cardeal Carlo Maria Martini foi uma referência para muitos, até mesmo na Igreja. Principalmente pela sua coragem e pela sua liberdade, alimentada pela força do Evangelho, para falar ao ser humano contemporâneo.
A entrevista é de Roberto Monteforte, publicada no jornal L'Unità, 02-09-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Daí, também, a sua fidelidade ao Concílio Vaticano II e a sua capacidade de olhar com confiança para o futuro. É o biblista que se faz pastor e profeta. Assim o lembra Dom Luigi Bettazzi, bispo emérito de Ivrea e homem do Concílio.
Eis a entrevista.
Dom Bettazzi, como o senhor responderia a uma das últimas perguntas feitas pelo cardeal Martini: por que a Igreja tem medo de ter coragem?
Porque, tentando encarnar o Evangelho nas situações históricas – que é um dever seu –, muitas vezes permanecemos parados no passado. Quando o papa também era rei, dava-se uma marca à Igreja adaptada àqueles tempos, mas certamente não para hoje. A Igreja envelhece quando perde a relação com a história que muda. É por isso que João XXIII quis um Concílio Vaticano II pastoral e não dogmático. Que ajudasse a Igreja a caminhar com as pessoas. Talvez tivemos medo de que isso levasse a renovações excessivas, e todos juntos – hierarquia e povo de Deus – tivemos medo de ir em frente. Isso exigiria uma purificação dos nossos modos de pensar e de agir que talvez exigiam sacrifício demais. Foi a essa purificação e à superação de certos modos do passado que nos chamou o cardeal Martini, ele tão enraizado na Palavra de Deus, a ponto de ouvir o quão forte era o chamado a vivê-la no nosso tempo.
Quem ele foi para o senhor?
Um ponto de referência. Eu não tive muitas oportunidades de contatos pessoais com ele. Ele era um homem de grande estatura, seja pelo seu profundo conhecimento das escrituras, seja pela sua preparação. Ele sabia iluminar as situações. Eu pude visitá-lo nos últimos tempos em Gallarate, quando lhe apresentamos um projeto de relançamento do Concílio. Encontramos uma certa consonância, uma simpatia. Durante um desses encontros, ele me pediu para presidir a eucaristia familiar. Lembro-me dele com muita comoção e gratidão.
Quem ele foi para a Igreja na Itália?
Eu repito: um ponto de referência. O conjunto da Igreja oficial lhe reconhecia a sua grande personalidade. Mas ela permanecia muito ligada à ideia da tradição como continuidade a ser conservada. Em latim, tradere significa transmitir, portanto, saber renovar os princípios fortes segundo as situações de um mundo que se desenvolve. Como diziam os antigos: nas coisas necessárias é preciso estar unidos; nas opináveis, é preciso ser livres; contanto que em todas haja a caridade. Esse era o estilo de Martini: de um lado, a atenção à Bíblia e, de outro, o diálogo com a Cátedra dos Não Crentes. A renovação que ele buscava viver na sua diocese em Milão não podia não se tornar motivo de atenção para o resto da Igreja. O diálogo com os não crentes, por exemplo, que, então, criou indignação, no fim foi reproposto pelo Papa Bento XVI no encontro de oração pela paz entre as religiões realizado em Assis no ano passado. Ele quis que também houvesse um não crente.
Mas, discursando em 2005 na reunião dos cardeais que precedeu a eleição do sucessor de João Paulo II, ele apresentou com clareza a exigência de uma renovação na Igreja...
Não como candidato ao pontificado. Por outro lado, ele já estava doente. Parece que ele convidou todos os purpurados a votar em Ratzinger, pedindo, porém, ao futuro Bento XVI que se comprometesse com o Concílio, com a colegialidade e com o ecumenismo. São esses os pontos que o novo papa iria abordar no seu primeiro discurso depois da eleição ao conclave. Há dois anos, quando Martini foi para a audiência com o papa, ele não teria falado sobre a sucessão na diocese de Milão, mas apresentou a exigência de um relançamento do Concílio a 50 anos da sua abertura.
Ele foi ouvido...
Não podia não ser. Ele apresentava as suas ideias com moderação. E mesmo quem divergia dele não podia não olhar para as suas ideias. Não podia não ignorar que elas nasciam de um homem profundamente enraizado na palavra de Deus. Uma palavra que, como ele nos ajudou a entender, não é um depósito das verdades da fé, mas sim a invenção de Deus para nos colocar frente a frente – o povo antigo e o novo composto por cada um de nós – com Ele. E se você está "frente a frente com Deus" você tem a força também para sacrificar os modos de avaliar as coisas que, no passado, podiam ser úteis à Igreja, mas que hoje não são mais. É assim que ele pode falar ao coração do tempo e, portanto, também dos jovens, com as suas sensibilidades e mentalidades diferentes da nossa. O Concílio pede isso, pois, no documento sobre a Igreja, coloca com clareza a centralidade do povo de Deus na Igreja. O laicato, antes de ter que obedecer à hierarquia, deve ver esta se colocando ao seu serviço.
Foram pontos firmes para Martini...
... Que nunca pediu a convocação de um Concílio Vaticano III. Ele sabia bem que havia o risco de que se colocassem em discussão pontos importantes do Vaticano II. O que ele pediu é que, em alguns pontos particulares, como a sexualidade, a bioética, a pastoral dos divorciados e nos pontos hoje quentes para a Igreja, todos os bispos do mundo fossem para Roma para decidir com a autoridade do Concílio e com o papa. Seria o modo de viver a colegialidade superando os limites dos Sínodos.
Serão acolhidas essas demandas postas por um profeta que teve a liberdade de olhar além?
Eu espero. Às vezes, os profetas, quando mortos, têm mais influência do que vivos. Martini diria: é o princípio evangélico, o do fruto de trigo que, na terra, se vive, fica sozinho; se morre, dá muito fruto.
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''Martini queria ir em frente. E nós tivemos medo'', diz bispo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU