05 Setembro 2012
O cardeal Angelo Comastri representava o papa. O funeral de Carlo Maria Martini, nessa segunda-feira, no Duomo de Milão, começou com o Evangelho aberto sobre o caixão na página da ressurreição. Antes do início, o enviado do pontífice tomava a palavra recordando que Bento XVI estava espiritualmente presente. Falou-se logo do homem de Deus: não só Martini estudou a sagrada escritura, mas também fez dele uma razão de vida. Evocou-se o lema latino Ad maiorem dei gloriam, "para a maior glória de Deus", dos filhos de Inácio de Loyola, a Companhia de Jesus, os jesuítas, aos quais pertencia (Johann Sebastian Bach também gostava de pôr esse lema sobre as suas obras).
A reportagem é de Armando Torno, publicada no jornal Corriere della Sera, 04-09-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Depois, as aberturas, o diálogo do qual Martini foi mestre: ele sempre o realizou com espírito de caridade profunda. Ele foi um homem, lembra o texto de Bento XVI, atento às situações, sobretudo às mais difíceis. Em suma, um "incansável servidor do Evangelho e da Igreja", um "pastor generoso".
A segunda intervenção foi a homilia do cardeal Angelo Scola, que presidiu o rito. Ele trouxe reflexões filosóficas: citou Rilke para uma oração ("Dá, Senhor, a cada um a sua morte"), mas também Adorno, que a rejeita: "Um miserável engano com o qual se tenta esconder o fato de que os homens, agora, perecem e ponto final".
Ele sublinha que Martini "não se dissipou em um céu remoto e inacessível", mas está na dimensão que conflui para o divino. Ele não nos deixou um testamento espiritual, observa, porque "a sua herança está toda na sua vida e no seu magistério". E ainda: "Ele nos pede para nos tornarmos, com ele, mendicantes de Cristo". Prova disso é a sua índole agostiniana. E ele lembra que teve com Martini uma conversa uma semana antes de morrer. E, por fim, a meta que ele tanto cobiçou: "Ver Deus face a face".
Em conclusão, as palavras do cardeal Dionigi Tettamanzi. As emoções e os fatos vividos se misturam com o reconhecimento, com um "obrigado" pela ajuda que ele deu para interpretar o tempo que estamos vivendo e o que virá. Também não falta algo pessoal: quando Martini, em Milão, em 2002, lhe passou o cargo, ao lhe entregar o báculo proferiu uma frase que é sempre bom ouvir novamente: "Você verá como ele é pesado".
Mesmo um simples "nós te amamos" entre as formas góticas da catedral tem o seu efeito. Encerrando, ele pede a Martini: "Continue intercedendo por todos nós". Como se faz com um santo. O aplauso que se segue não precisa de explicações.
Por fim, o vigário geral da diocese ambrosiana, Mario Delpini, faz os agradecimentos, dirigidos também aos representantes de outras confissões cristãs ou religiões. Além disso, não nos esqueçamos de que, ao meio-dia, apesar da forte chuva, os rabinos de Milão com expoentes da comunidade judaica (com a presença de alguns religiosos católicos) se encontraram sob um pórtico do arcebispado, onde Martini morou. E rezaram por ele. Um fato sem precedentes.
Entoaram 30 salmos, do 120 ao 150 (são os "ascensionais", os mesmos dos peregrinos que subiam para Jerusalém). O rabino Giuseppe Laras, emérito, o rabino-chefe Alfonso Arbib, o rabino David Sciunnach e o rabino Elia Richetti se alternaram com vozes diferentes, dissolvendo a lenta melodia de palavras místicas. Sente-se um calafrio quando Sciunnach, com o seu timbre que oscila entre o baixo e o tenor, liberta um versículo: Samachti be-omerim li bet Adoinai melech", "Que alegria quando me disseram: vamos para a casa do Senhor".
E todos se comovem quando, em italiano, o rabino Laras pronuncia com um nó na garganta: "O Eterno paga com o bem os bons e os que são retos de coração" (Salmo 125,4), acrescentando: "A referência obviamente não é nada casual".
O papa na sua carta também citou um Salmo, e um versículo do 118 estará sobre o túmulo de Martini. Scola retomou o comentário que Santo Ambrósio deixou sobre ele: "Certamente, aquela luz verdadeira resplandece para todos. Mas se alguém tiver fechado as janelas, se privará da luz eterna". Martini as escancarou.
Uma pena que não houve na despedida uma música de Mozart. Mesmo que brevíssima, talvez o Ave verum corpus (cantado no funeral de Pavarotti). Sua eminência amava essas notas. E lhe agradariam.
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''Martini, interceda por nós''. De Adorno a Santo Inácio nas homilias - Instituto Humanitas Unisinos - IHU