08 Agosto 2012
"A revelação de que o banco britânico Barclays tentou manipular a taxa interbancária de Londres, a Libor - uma das taxas de referência usada para determinar o custo dos empréstimos em todo o mundo. Mas o caso do Barclays não diz respeito apenas à conduta antiética de grandes instituições financeiras. Também se refere à questão da confiabilidade e da correção desses juros fundamentais, fixados em grande parte pelo setor privado, sem uma supervisão atenta do governo", escreve Gary Gensler, do The New York Times, em artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, 08-08-2012.
Segundo ele, "o caso Barclays demonstra que a Libor se tornou mais vulnerável a uma conduta antiética. Está na hora de introduzir uma nova referência ou uma referência revista - para transações de mercado reais, que podem ser observadas - para que os americanos possam voltar a confiar que as taxas que usam para tomar dinheiro emprestado, ou o emprestam, são fixadas de maneira honesta e transparente".
Eis o artigo.
Os americanos que poupam para o futuro, usam cartões de crédito ou pegam dinheiro emprestado para pagar a educação dos filhos, o automóvel e a casa merecem a garantia de que os juros sobre sua poupança e empréstimos sejam fixados de maneira confiável e honesta.
Por isso, é tão inquietante a revelação de que o banco britânico Barclays tentou manipular a taxa interbancária de Londres, a Libor - uma das taxas de referência usada para determinar o custo dos empréstimos em todo o mundo. Mas o caso do Barclays não diz respeito apenas à conduta antiética de grandes instituições financeiras. Também se refere à questão da confiabilidade e da correção desses juros fundamentais, fixados em grande parte pelo setor privado, sem uma supervisão atenta do governo.
Quando o cidadão coloca suas economias num fundo do mercado financeiro ou num fundo de títulos a curto prazo, ou hipoteca um bem ou toma dinheiro emprestado para uma pequena empresa, o juro que ele recebe ou paga muitas vezes se baseia, direta ou indiretamente, na Libor. Essa é a taxa de referência de cerca da metade das hipotecas com juros ajustáveis usada nos Estados Unidos para cerca de 70% do mercado futuro americano e para a maior parte do mercado americano de swaps, no qual as empresas compensam os riscos das variações dos juros.
A Libor é supostamente a taxa média à qual os maiores bancos acreditam honestamente que poderão tomar dinheiro emprestado entre si sem a necessidade de uma garantia. A Libor foi criada nos anos 80, quando os bancos emprestavam regularmente a outros bancos nessa base.
Entretanto, hoje, o número de instituições bancárias dispostas a emprestar a outros bancos nesses termos reduziu-se drasticamente por causa do torvelinho econômico, a crise financeira global, a crise da dívida europeia que começou em 2010, e o rebaixamento da classificação de crédito de grandes bancos, neste ano.
Os bancos passaram a levantar empréstimos com garantias e, conforme a ocasião, dos bancos centrais, como o Federal Reserve (Fed, banco central americano) e o Banco Central Europeu. Como disse Mervyn King, o presidente do Banco da Inglaterra, a respeito da Libor, em 2008: "Sob muitos aspectos, é o juro que os bancos não usam para emprestar dinheiro uns aos outros".
Essas mudanças nos mercados suscitam questões sobre a integridade dessa importante referência.
Em primeiro lugar, por que a Libor é tão diferente de outras taxas de referência para os empréstimos em dólares, por exemplo, o Euribor, ou o juro interbancário em euros? Ambos os juros são calculados com base nas respostas dos bancos praticamente à mesma pergunta.
Para a Libor, pergunta-se a um banco qual é o juro que ele acha pode tomar dinheiro emprestado, enquanto para o Euribor, a pergunta é a que juro ele acha que outros bancos poderão tomar dinheiro emprestado e, no entanto, o Euribor para empréstimos em dólares é, em comparação, cerca do dobro da Libor.
Em segundo lugar, por que motivo a Libor e outras taxas de referência não estão alinhadas, desde 2008, com os juros dos empréstimos que seriam usados pelos mercados cambiais? Uma teoria financeira consagrada, conhecida como paridade das taxas de juros, afirma que a diferença das taxas de juros entre dois países deveria estar aproximadamente alinhada com a variação esperada no câmbio entre as moedas dos dois países. (Se não for, estará aberta uma oportunidade para a arbitragem, a prática de se aproveitar das diferenças de preços.) Até 2007, como previa a teoria, a diferença entre o juro dos empréstimos tomados em uma moeda e o juro dos empréstimos concedidos em outra moeda poderia derivar tipicamente das taxas de câmbio das divisas estrangeiras. Nos últimos anos, não foi o que aconteceu, e essa divergência entre teoria e prática ainda não foi devidamente explicada.
Em terceiro lugar, por que a volatilidade da Libor denominada em dólares é tão mais baixa do que a volatilidade de outras taxas dos mercados de crédito de curto prazo? Assim como as ações e os títulos, os juros a curto prazo experimentam certa volatilidade. Mas a Libor tem oscilações menos graves do que as taxas comparáveis.
Além disso, a variação das taxas que alguns bancos apresentam à British Bankers Association - o grupo privado que supervisiona a Libor - aparentemente não acompanha a variação das taxas para seus swaps de default de crédito (instrumentos financeiros semelhantes ao seguro que são um parâmetro do risco de crédito de um banco). Tem havido ocasiões em que as taxas dos swaps foram ampliadas para determinados bancos (sugerindo um crescente risco de crédito), mesmo que suas apresentações da Libor permanecessem estáveis (sugerindo que os custos dos empréstimos dos bancos não mudaram).
Uma pessoa que poupe ou tome dinheiro emprestado para o futuro, na realidade aposta na integridade da Libor e nas respostas a essas perguntas.
Quando a Commodity Futures Trading Commission (Comissão de Comércio de Futuros de Commodities), que supervisiona os mercados de derivativos, começou a analisar a fixação das taxas de juros em 2008, nós nos pautávamos não apenas por perguntas sobre o declínio dos atuais empréstimos sem garantia entre bancos, a suposta base da Libor, mas também por nosso estatuto de fundação, a Commodity Exchange Act. A lei proíbe toda tentativa de manipular e apresentar informações falsas que possam a afetar o preço de uma commodity - como a Libor.
Os mercados funcionam melhor quando os juros de referência se baseiam em transações que podem ser observadas. O público será ludibriado se a Libor, a rainha das taxas, não for usada nessas transações.
Uma das soluções seria talvez a utilização de outras taxas de referência - como a taxa dos swaps indexados overnight, vinculada à taxa à qual os bancos emprestam dinheiro entre si overnight - que se baseiam em transações reais. Também existem taxas de referência baseadas em financiamentos reais garantidos a curto prazo (empréstimos em que é prometida uma garantia) entre bancos e outras instituições financeiras.
Para cada taxa de referência nova ou revista, que será amplamente aceita pelos mercados financeiros, tomadores e emprestadores que dependem da Libor, seriam beneficiados por um processo de transição ordenada.
O caso Barclays demonstra que a Libor se tornou mais vulnerável a uma conduta antiética. Está na hora de introduzir uma nova referência ou uma referência revista - para transações de mercado reais, que podem ser observadas - para que os americanos possam voltar a confiar que as taxas que usam para tomar dinheiro emprestado, ou o emprestam, são fixadas de maneira honesta e transparente.
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Libor, nua e exposta - Instituto Humanitas Unisinos - IHU