06 Março 2012
Os professores e pesquisadores da Unisinos descrevem o trabalho realizado na Antártica, que envolve a questão das aves, das geleiras e outros aspectos nas áreas de biologia e paleontologia.
Confira a entrevista.
No último sábado de fevereiro, um incêndio atingiu a Estação Antártica Comandante Ferraz, onde pesquisadores brasileiros desenvolviam um intenso e importante trabalho. O episódio causou comoção nacional, considerando a morte de dois militares brasileiros. A Unisinos realiza pesquisas na Antártica desde a década de 1980, mas os representantes da universidade que se encontravam lá nada sofreram. “Embora tenhamos perdido a EACF, o projeto poderá continuar com a pesquisa nas demais ilhas com o apoio dos refúgios, assim como dentro da Baía do Almirantado com os Navios”, garante a professora Virginia Novaes, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line. Ela e o professor Martin Sander trazem relatos das descobertas realizadas no continente. Ele explica que “o Ministério do Meio Ambiente precisava de respostas sobre mudanças ambientais globais – e seus reflexos no Brasil. A Antártica era o ambiente que poderia trazer respostas”. E Sander relembra pontos dessa trajetória: “quando iniciamos na década de 1980, o conhecimento e os apoios eram bem diferentes dos de hoje. Não existia internet, microcomputadores, a importação de equipamento era limitada ou impossibilitada. A comunicação entre colegas universitários ou instituições era realizada por cartas que levavam de duas a três semanas para chegar ao seu destino e mais um tanto para serem respondidas. O conhecimento era meio enciclopédico, pois até o acesso aos trabalhos científicos era restrito ou quase inacessível. No início, a nossa missão era buscar e reunir informações sobre a Antártica. Logo após, como as expedições exigiam envolver e qualificar a graduação, e em parte através da pesquisa, além de capacitar recursos humanos, também tinham como missão chamar a atenção ao tema ou ‘desenvolver a mentalidade para estudos antárticos’. Ninguém falava de Antártica no Brasil”.
Martin Sander é graduado em Ciências Biológicas. Realizou especialização em Metodologia do Ensino Superior, pela UFRGS, e em Zoologia, pela PUCRS. Além de trabalhar na Área da Saúde da Unisinos, colabora com os Parques Nacionais de Aparatos da Serra e Serra Geral, no Rio Grande do Sul.
Maria Virgínia Petry é professora e pesquisadora no Laboratório de Ornitologia e Animais Marinhos da Unisinos. Possui graduação em Ciências Biológicas pela mesma universidade, mestrado em Biociências pela PUCRS e Universidade do Chile e doutorado em Biociências (Zoologia) pela PUCRS. É vice-coordenadora do Módulo II (Impacto das Mudanças Globais sobre as Comunidades Terrestres) do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Antártico de pesquisas Ambientais – INCT-APA.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Quais eram as pesquisas que estavam sendo desenvolvidas na Estação Antártica Comandante Ferraz, base da Marinha do Brasil naquele continente?
Martin Sander – As pesquisas do Programa Antártico Brasileiro – Proantar não se desenvolvem somente junto à Estação Antártica Comandante Ferraz – EACF, mas em refúgios específicos em outras localidades geográficas, nos navios de apoio, em acampamentos e até em cooperação com outros países. Nos últimos anos, e em conformidade aos relatórios emitidos pela Secretaria da Comissão Interministerial para Recursos do Mar – Cirm, todas as seis áreas de domínio da Ciência Antártica estavam representadas com projetos de pesquisa na Antártica. Tais áreas são ciências: Física, Ambientais, da Vida, da Terra, Humanas, das Tecnologias. Elas nvolviam cerca de 60 coordenadores e mais de 20 instituições de pesquisa, universidades, institutos ou empresas de pesquisa.
IHU On-Line – Qual a missão do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Antártica de Pesquisas Ambientais?
Martin Sander – A missão do Instituto é: “valorizar a região antártica como oportunidade para desenvolvimento de investigações científicas transdisciplinares, promovendo a educação, a difusão de informações e a gestão ambiental”. O Instituto surgiu em meados da década de 2000 e em grande parte pelo crescimento das atividades de pesquisa na Antártica e as demandas específicas que se faziam presentes aos programas internacionais. Aproximadamente em 2002 o CNPq, em conjunto com o Ministério do Meio Ambiente – MMA e a Comissão Interministerial para os Recursos do Mar – Secrim, lançou um edital convocando cientistas a realizarem pesquisa induzida na Antártica. O Ministério do Meio Ambiente precisava de respostas sobre mudanças ambientais globais – e seus reflexos no Brasil. A Antártica era o ambiente que poderia trazer respostas, segundo o CNPq. Além do mais, o Brasil havia ratificado o Protocolo de Madri, assumindo compromissos internacionais que exigiam a realização de pesquisa científica e de preservar o meio ambiente antártico. Portanto, para atender a essas demandas foram criadas duas Redes de Pesquisas, envolvendo pesquisadores e instituições diversas. A Unisinos participou delas através de professores e alunos das áreas de biologia e geologia. O resultado do trabalho dessas redes, o incremento de novos pesquisadores, originados dos cursos de graduação e pós-graduação, além da elaboração de planos estratégicos e de ação do Ministério de Ciências e Tecnologia levaram à criação do Instituto.
IHU On-Line – Quais foram os projetos desenvolvidos nos últimos 15 anos e quais os principais avanços que o senhor aponta a partir das pesquisas lá realizadas pelos brasileiros?
Martin Sander – Na Unisinos se atuou em duas áreas nesses últimos anos: Biologia e Paleontologia. Os avanços estão em parte: a) no incremento da produção científica nacional e internacional; b) a crescente participação de universitários em cursos de pós-graduação, desenvolvendo suas dissertações e teses em temas antárticos; c) a manutenção de pesquisa antártica dos universitários da graduação nas atividades de bolsas de iniciação científica e dos trabalhos de conclusão de cursos; d) e na “nova metodologia” de trabalho, para nós, brasileiros: o trabalho em grupos ou redes. Não somente nas instituições de pesquisa, mas entre as diversas instituições e com as diferentes nações que atuam na região antártica. Não é possível fazer ciência antártica de maneira isolada.
IHU On-Line - Qual o futuro deste trabalho a partir de agora, com o incêndio que atingiu a estação?
Virgínia Petry – O projeto que envolve as aves marinhas da Antártica é desenvolvido nas proximidades da Estação Antártica Comandante Ferraz – EACF e em várias outras ilhas do Arquipélago das Shetlands do Sul. Na Ilha Elefante e na Ilha Nelson, ficamos alojados nos refúgios Brasileiros Emilio Goeldi e Crulls, e na Ilha Pinguim realizamos acampamentos temporários com o apoio do Navio de Apoio Oceanográfico Ary Rongel e Navio Polar Almirante Maximiano da Marinha do Brasil. Embora tenhamos perdido a EACF, o projeto poderá continuar com a pesquisa nas demais ilhas com o apoio dos refúgios, assim como dentro da Baía do Almirantado com os Navios.
IHU On-Line – Como qualifica o trabalho de pesquisa da Unisinos entre os demais pesquisadores brasileiros que lá estão?
Martin Sander – Quando iniciamos na década de 1980, o conhecimento e os apoios eram bem diferentes dos de hoje. Não existia internet, microcomputadores, a importação de equipamento era limitada ou impossibilitada. A comunicação entre colegas universitários ou instituições era realizada por cartas que levavam de duas a três semanas para chegar ao seu destino e mais um tanto para serem respondidas. O conhecimento era meio enciclopédico, pois até o acesso aos trabalhos científicos era restrito ou quase inacessível. No início, a nossa missão era buscar e reunir informações sobre a Antártica. Logo após, como as expedições exigiam envolver e qualificar a graduação, e em parte através da pesquisa, além de capacitar recursos humanos, também tinham como missão chamar a atenção ao tema ou “desenvolver a mentalidade para estudos antárticos”. Ninguém falava de Antártica no Brasil. Por este motivo, estávamos sempre envolvidos com palestras em escolas, agremiações, nas mídias, além dos inúmeros congressos nacionais e internacionais. Em 2005, a universidade fez a opção de levar a pesquisa para a pós-graduação e em parte o Projeto de Aves Antárticas passou a integrar esse novo modelo. Tudo isso resultou em ampliação do quadro de especialistas em assuntos antárticos. Hoje temos muitas pessoas capacitadas, dezenas de trabalhos de conclusão de curso realizados sobre o tema, além de dissertações e teses de mestrado e doutorado. Publicações nacionais, internacionais e participações em eventos científicos importantes continuam e são constantes. Muitos dos nossos ex-alunos estão hoje aprimorando seus estudos em outras instituições do país e até no exterior. Portanto, foram aceitos e dão continuidade ao conhecimento. Esse é um bom indicador, pois sair de casa e ser acolhido por outra casa, podendo compartilhar com as outras instituições, é com certeza a resposta da nossa boa qualidade.
IHU On-Line – Qual a especificidade do projeto sobre aves marinhas na Antártica?
Martin Sander – Desde os primeiros anos a nossa proposta era estudar as aves em seu ambiente natural. Isso me foi dito pelo professor Dr. Helmuth Sick, do Museu Nacional, ainda na graduação: “... se quiser estudar aves marinhas, deverá ir para o sul da América ou Antártica, lá onde elas se reproduzem”. Também, logo na primeira expedição, em 1982, foi possível ter acesso a informações específicas com pessoas especializadas de outras nações. Isso possibilitou o intercâmbio e a participação em propostas internacionais. Em parte, isso é mantido até os dias de hoje, quando ainda o foco é mapeamentos geográficos, alimentação, relações inter e intraespecífica, além de outros, como a questão da gripe aviária. O que mudou, em parte é a metodologia. Por exemplo, no passado, a alimentação era estudada através do regurgito estomacal. Hoje esse estudo é realizado por meio dos isótopos de carbono através do sangue. Ainda, o parentesco entre as aves era realizado com fotografias através da morfologia e agora pelo DNA. Muitos dados anteriores de 2005, e que ainda não foram publicados, podem agora ser revitalizados e servem para comparação com as informações atuais. Isso é gratificante e poucas instituições têm este banco de dados como a Unisinos.
IHU On-Line – Que informações mais surpreendem nos recentes censos das aves marinhas?
Virginia Petry – Alteração no número de aves que reproduzem na região assim como a distribuição e no tamanho das áreas de nidificação. A presença de espécies vagantes oriundas das ilhas subantárticas do sul e/o norte do continente Americano assim como do continente africano. Mas o mais surpreendente é o resultado que obtivemos com o monitoramento através de geoprocessamento dos indivíduos de adultos de petrel-gigante-do-sul durante o período reprodutivo. Os dados mostraram que o deslocamento desses indivíduos atinge a região sul da América do Sul e até 70º de paralelo sul, durante a viagem de alimentação que dura, em média, uma semana para trazer alimento para os seus filhotes.
IHU On-Line – Como o aquecimento global tem interferido na paisagem natural da Antártica ao longo desses anos que a Unisinos realiza pesquisas no continente?
Martin Sander – Em especial a região antártica que se confronta com a América, a parte mais quente do continente, apresenta várias geleiras que regrediram em relação à zona de praia. Lugares em que o acesso era realizado sobre o gelo, hoje é feito a pé, pela praia. Mas na parte oposta as geleiras cresceram e, de maneira geral, a Antártica está como era há muitos e milhares de anos passados. O congelamento das águas superficiais está alterado. Em algumas localidades o congelamento dessas águas não ocorre mais ou, se ocorre, é de maneira rápida ou em períodos irregulares. Lembro que a região sul-americana da Antártica está mais quente e isso provoca a redução direta na produção e crescimento de camarão-antártico ou krill. Portanto, a renovação dos estoques alimentares está ocorrendo de maneira inadequada e isso afeta diretamente outras espécies que dependem desse crustáceo.
IHU On-Line – Em que sentido a migração das aves pode nos dar indicações do avanço das mudanças climáticas e do aparecimento de doenças?
Martin Sander – A migração é um dos vários movimentos que as aves e outros animais fazem de maneira intencional, com periodicidade demarcada e rota definida. O movimento geralmente parte das áreas de reprodução para localidades de “invernada” com retorno para as mesmas áreas de origem, com a meta de manter a alimentação. A origem das migrações está intimamente associada com a evolução geomorfológica e deriva continental que ocorre no planeta Terra. Em um trabalho que publicamos em dezembro de 2010 na revista “Marine Ornithology” sobre a dispersão de pardelão-gigante, verificamos que a área global de dispersão da ave foi deslocada várias milhas mais para o norte. Fato similar também foi registrado para aves do hemisfério norte, que estão se deslocando mais para o norte e indo invernar mais para o sul. Isso pode ser um grande problema, pois está cada vez mais difícil para as aves obterem seu alimento; ou o gasto de energia para a ave é ampliado; ou ainda aumenta a vulnerabilidade da ave, pela caça furtiva em áreas em que antes não ocorria, além de vários outros aspectos. Com o derretimento ou recuo de geleiras, podem surgir no ambiente micro-organismos letais que antes estavam inativos. Estudos de solos ornitogênicos e paleontologia já demonstraram a existência de pinguins, por exemplo, em áreas no passado e que hoje são completamente diferentes.
IHU On-Line – Que trabalho é feito na Ilha Elefante?
Martin Sander – As atividades de pesquisa brasileiras na Ilha Elefante iniciaram com a geologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro através do professor Rudolph Trow, que na época (em 1984-1985) trabalhava com rochas metamórficas. Nessa pesquisa também integrou a aluna de geologia Airmara Linn (Sage). Em 1985-1986 a biologia da Unisinos realizou sua primeira expedição à Ilha Elefante com atividades relacionadas com aves, até o início dos anos 1990. Lá, assim como em outras regiões, realizou atividades de marcação de aves e o desenvolvimento de dois projetos internacionais de grande porte, o International Giant Petrel Banding Project (IGPBP) e a Convention for the Conservation of Antarctic Marine Living Resources (CCAMLR) do SCAR – Scientific Committee on Antarctic Research. Naquela época, realizávamos o mapeamento espacial das áreas de reprodução e avaliações de longo prazo (dez anos) sobre alimentação, crescimento e variação populacional das aves que ali nidificavam. Atualmente as atividades são coordenadas pela professora doutora Maria Virginia Petry da Unisinos. E na Ilha Elefante, neste ano, estão sendo realizadas as seguintes atividades: acompanhamento da chegada das aves marinhas para a reprodução, monitoramento dos filhotes, anilhamento e coleta de material biológico para detecção de diferentes patologias, como a gripe aviária.
IHU On-Line – Como avalia o trabalho da Marinha do Brasil em relação aos investimentos feitos para as pesquisas na Antártica?
Martin Sander – A marinha do Brasil é uma das integrantes do Programa Antártico Brasileiro, assim como a Força Aérea do Brasil e outros. Certamente sem o apoio e neste momento da nossa trajetória, é quase impossível atuar na Antártica de maneira formal. A totalidade dos países sul-americanos que atuam na Antártica depende quase que exclusivamente das forças armadas de cada país para o apoio logístico. Pequena exceção é o Chile e a Argentina, que também atuam de maneira independente ou compartilhada com as forças armadas, através de seus institutos. Os demais países com atividades na Antártica o fazem de maneira governamental através de programas específicos e ou institutos, separados das forças armadas. Algumas instituições, como a Sea Shepherd Conservation Society atuam de maneira privada e não governamental.
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''Não é possível fazer ciência antártica de maneira isolada''. Entrevista especial com Martin Sander e Maria Virgínia Petry - Instituto Humanitas Unisinos - IHU