Por: André | 08 Dezembro 2011
Ele é músico e foi quem mais tempo acompanhou o presidente Rafael Correa. Agora é o secretário executivo da Alianza País. A partir desse lugar, Galo Mora Witt analisa as políticas de seu governo e o novo contexto latino-americano, a Unasul e a Celac. A relação com a imprensa e a urgência da comunicação popular.
Galo Mora Witt parece mergulhar na música quando fala de política. Compõe suas frases e depois as canta. Floridas. Escolhe frases célebres, nas quais faz convergir sua pertença política e seu compromisso com a cultura. É inevitável, foi músico profissional até 2007. Dois anos depois, em 2009, converteu-se no secretário pessoal do presidente do Equador, Rafael Correa. Não é o único funcionário artista. Javier Ponce, atual ministro do Ministério da Defesa, é poeta.
Ufana-se de sua procedência e sua relação com a política a partir da arte e da academia. Além de músico, é licenciado em Antropologia, com especialização em Gestão Cultural, pela Universidade Salesiana. E estudou Direito na Universidade Central do Equador e Literatura nas universidades Católica e Andina. "Nós não somos políticos de carreira, não nos graduamos em organizar nada, viemos de outros setores", se justifica.
Foi o servidor público correísta que mais tempo permaneceu no seu cargo, e dali defendeu com veemência a atual gestão de governo. Este ano, o presidente lhe pediu que assumisse o cargo de secretário executivo do Alianza País, o partido no poder no Equador.
Rafael Correa mantém cerca de 80% de apoio popular apesar de ter enfrentado as corporações em diversos âmbitos, dentro e fora do Equador, adverte em conversa com o Página/12 este artista admirador do poeta argentino Atahualpa Yupanqui e do escritor uruguaio Eduardo Galeano. Sem dúvida, uma peça chave para a situação, caso se candidatar nas próximas eleições presidenciais de 2013.
Com convicção, Galo Mora pinta a figura do presidente do Equador: "Rafael escolhe o que dá. É imensamente exigente, mas profundamente humano. Um fósforo como ele pega fogo rapidamente, ao mesmo tempo pode refletir e ter um imenso senso de humor".
A entrevista é de Mercedes López San Miguel e Natalia Aruguete e está publicada no jornal argentino Página/12, 05-12-2011. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
O que mudou a partir da tentativa de golpe de Estado contra o presidente Rafael Correa, no dia 30 de setembro de 2010?
A ameaça está latente. É uma espada de Dâmocles que paira sobre a democracia. O que fizemos foi nos fortalecer na vontade do povo equatoriano. Foram três os fatores que impediram o golpe: a resposta da população, o comunicado das Forças Armadas apoiando Correa e a reunião dos presidentes da América Latina aqui, em Buenos Aires. Tudo isso confluiu. Talvez haja um quarto fator: o sequestro do presidente evitou a queda. A partir dali nos afirmamos na radicalização do processo, na erradicação da pobreza extrema e em fortalecer as instituições.
O Relatório Regional sobre o Desenvolvimento Humano para a América Latina e o Caribe (ONU) destacou, no ano passado, a alta desigualdade que havia no Equador. Qual é o desafio do governo de Correa nesse terreno?
Afastar o povo da pobreza é a maior luta de uma esquerda renovada. Nunca se deve esquecer que a razão fundamental está ali: a miséria não pode existir ao lado da ostentação. Baixamos em 10% a pobreza total nas comunidades indígenas. Essa é um número bem elevado para nós. São as comunidades mais ultrajadas por todos os sintomas do racismo e da exploração. Conseguimos um tema que é muito complexo: baixar substancialmente o desemprego, quando a Espanha tem zonas em que o nível de desemprego chega a 40% e nos Estados Unidos 15%. Então, a cidadanização da política está na força coletiva; do contrário, continuará havendo um espírito corporativo entre as elites de cada sociedade.
Como interpreta o fato de que uma potência mundial como os Estados Unidos não consegue sair da crise econômica?
É paradoxal que o multimilionário Warren Buffet peça a (Barack) Obama para que cobre mais impostos. O governo de (George) Bush excetuou o pagamento de impostos dos mais ricos acentuando a contradição. Diante desse alerta, há uma resposta. Não é uma iniciativa do governo de Obama. Em boa hora, existem metáforas históricas como esta. Aqui se necessita de justiça, e a justiça não pode estar diversificando sua vontade: para alguns sim, para outros não. Os Estados Unidos vivem uma crise que nos quer fazer pagar à moda antiga: que aqueles que não têm a culpa paguem as crises daqueles que as provocaram. O Equador e o Peru, devido às suas políticas anticíclicas, suportaram melhor a crise de 2009, como assinalou o Banco Mundial. Enquanto o Peru tinha um governo de outra orientação ideológica.
No terreno comunicacional, como define a relação entre o governo de Rafael Correa e a mídia?
É muito complexa, deve-se admitir. Há pouco, a Justiça ratificou a condenação do jornal El Universo (de Guayaquil), o diretor e o editorialista (Emilio Palacio) que causou esta crise. Palacio está em Miami e se considera um exilado; para nós é um fugitivo porque a irresponsabilidade não pode acompanhar o suposto livre arbítrio da profissão jornalística sem informação veraz e verificada; sem responsabilidade ulterior não se pode falar.
Não é excessivo que, por conta da publicação desse artigo, devam ser presos ou pagar uma multa tão alta?
O presidente Correa lhes deu um prazo de seis meses, e o tempo do cavalheirismo já passou para publicar uma retratação. Correa propôs que com uma retratação se acabava tudo, não havia nem prisão nem multa. A origem é uma injúria que pretende levar Correa a uma Corte internacional que o julgue por "ordenar disparar contra um hospital cheio de civis". O presidente pediu que a informação fosse retificada, mas o colunista Emilio Palacio não o fez. Foi uma injúria vergonhosa.
Foi-lhes aplicada uma multa de 40 milhões de dólares.
Vejam como reagem os diretores da mídia: por baixo enviam mensagem de que querem se desculpar; por cima, vociferam. Onde está a dupla moral, em nós ou neles? Creio que o fato de que as notícias sejam verazes e justificada, que consta na Constituição, deve ser algo rotineiro. Não se pode lançar injúrias sem que ninguém seja responsabilizado. As vítimas destes ultrajes são seres humanos.
Que avanços houve a partir da aprovação da lei da mídia?
Essa é outra amostra da inutilidade de tanto esforço. Desde que foi aprovada, já se vão dois anos que a lei de Comunicação repousa sob os supostos interesses de parlamentares que decidem se há quorum ou não. Hoje estamos no caminho final porque no dia 07 de de maio o povo aprovou, em uma consulta, que quer uma lei de comunicação e aprovou temas essenciais como aquele segundo o qual a banca não pode financiar os meios de comunicação. A imprensa é o grande combatente, porque a direita não tem voz.
Vista desde a troca de governos que houve na região desde o começo deste século, quais deveriam ser as características de uma esquerda?
Propusemos algumas diferenças em relação com o que se conheceu como socialismo real, que na realidade creio que era irreal, conhecido também como socialismo do leste. E muitos articulistas, editorialistas, escritores falaram do fracasso do comunismo, inclusive, com um absoluto desconhecimento histórico. Nem as comunidades primitivas nem o cristianismo, e muito menos os governos aos quais fiz referência, podem ser chamados comunismo porque esse é um estado absolutamente avançado da sociedade ao qual ninguém chegou. Por outro lado, creio que a esquerda, para poder sintonizar com o século XXI e aproximar-se dos grandes avanços da humanidade, deve entender que seu pensamento não pode ser estático, tem que voltar à dialética, mas não a dialética que adormeceu por sua má interpretação.
O que foi que interpretou mal?
Fez uma redução da ideia de tese, antítese e síntese, e ignorou que provavelmente a síntese poderá ser menos transcendente que a tese. Ou seja, que não há resultados de consequência lógica nas histórias porque a história não é matemática.
Como concebe a história?
A história tem demandas situacionais, históricas e temporais que as correntes revolucionárias devem observar em profundidade e entender que aquilo que se está construindo se constrói com o aval da população.
Quais seriam as novas demandas situacionais?
Vou citar um tema que aparece permanentemente nos discursos: a ditadura do proletariado. De forma irresponsável era repetido em países onde não havia fase industrial, não havia operário industrial, que é quem pode estar capacitado para entender esse processo. Creio que aí havia um erro de conceito e de eco, no sentido de gerar uma mímesis do que havia acontecido em algum lugar. Se as revoluções não são exportáveis, muito menos se pode exportar demandas que são características identificadas com determinado tempo, com determinada sociedade e cidadania. Precisamente esse último termo nos leva a propor uma radicalização no processo de cidadanização da política onde os eixos não sejam determinados por cúpulas, mas que seja protagonizada pela população destinatária, independentemente de que seu exercício esteja ou não ligado ao poder, porque não é possível que toda a população faça parte do Executivo ou do Legislativo.
Como concretizariam, então, essa cidadanização?
Através de suas demandas. Ou seja, submeter os critérios da teoria e da doutrina à sua vontade, não à vontade daqueles que exercem a liderança.
Que mecanismos propõem para isso?
Fazer referendos quantas vezes for necessário. Eu morei na Suíça, embora não vá pregar sobre o Estado suíço, mas a Confederação Helvética e os cantões realizam referendos todas as semanas para decidir, inclusive, orçamentos. Há municípios voltados à votação popular. Caso a infraestrutura básica de que se necessita é para hospitais, escolas, estradas, é o povo que deve decidir.
A que outros mecanismos a população pode recorrer para aprofundar o processo de politização?
Por que não confia na política? Porque se sentiu usurpada, usada e explorada em tantas ocasiões nas quais os políticos as visitavam para lhes oferecer alguma coisa e não retornavam nunca mais. Creio que essas falácias foram destruindo a fé e a confiança. Agora, recuperá-las devem ser metas fundamentais.
De que forma?
Conseguindo alternativas ao exercício do governo na vontade política de se auto-organizar, superando os defeitos do clientelismo e do assistencialismo. Mas para isso é preciso que se garanta que uma população que pode voltar ao espírito humanista e solidário não seja explorada, que os primeiros grandes benefícios das sociedades contemporâneas sejam para eles.
Por exemplo?
Yanacocha é um dos exemplos vivos da administração do presidente Rafael Correa. Por decreto específico – e agora por lei federal –, os primeiros beneficiários da exploração do petróleo são as comunidades em que se encontra o petróleo, ao passo que durante 40 anos se extraía o petróleo e se deixava o lixo. Por isso, a Constituição equatoriana é a primeira no mundo que não é uma constituição de direito, mas de direitos, fundamentalmente, direitos da natureza. Dou outro exemplo: o Parque Nacional Yasuni tem garantias, em uma parcela do mesmo que é pequena, felizmente, há uma grande quantidade de petróleo no subsolo. Esse petróleo pertence ao Estado equatoriano e ao povo equatoriano e foi um protesto mais radical em termos de não emissão de carbono à atmosfera em dar um passo rumo a uma nova geração, já não de poços petroleiros, mas de novas matrizes petroleiras.
Como é a relação atual entre o governo e os indígenas?
Assumimos, nos dois lados, certas incompreensões. Tratamos de superar as relações de assistencialismo e clientelismo da época neoliberal. Há também uma influência ideológica através de organizações não governamentais de impulsionar teses que supostamente responderiam à ultra-esquerda, mas que finalmente confluem na Assembleia Nacional com posições que representam a direita política do Equador. Nós estamos determinados a caminhar com novos dirigentes, com as demandas reais dos povos originários. Ou seja, ao povo indígena não interessa quantos deputados tem, mas quantos pobres a menos há. Um é um poder de empoderamento, o outro é a realidade. É preciso baixar os níveis de pobreza e de miséria com um trabalho fecundo.
Que efeitos têm na percepção da sociedade equatoriana as decisões políticas de Rafael Correa?
Um dos maiores problemas é poder divulgar. A verdade não é patrimônio de ninguém, mas no exercício político dizer a verdade é fundamental, inclusive, não aparecer que se ganhou quando se perde. Dizer a verdade custa muito e não digo isso nem no sentido figurado nem no econômico.
Em que sentido o diz, então?
Se pela frente temos todos os dias atitudes rançosas de certo setor da imprensa, que ataca tudo o que se fizer como em muitos outros países da América Latina, é difícil a comunicação. Uma das decisões mais avançadas, embora mais complexas e polêmicas, foi ter confiscar as empresas daqueles que imobilizaram o Estado nacional. Através desses meios imobilizados há uma oportunidade de chegar a certo setor da população. Mas é também justo reconhecer que não são os meios maiores. Estes exemplos geram uma apreciação de com quem e a serviço de quem está este governo. O apoio popular de 79,6%, surgido em uma pesquisa realizada pelo governo, confirma que (Correa) não se equivocou, que esse era o caminho a ser seguido. Mas não se pode fazer política através das pesquisas, as definições não se jogam ali.
Onde se jogam?
Na ética e na moral, através das decisões majoritárias do povo, do que consideramos política soberana. Essa é outra forma de comunicação e acreditamos que é um passo difícil e complexo. Nós não somos políticos de carreira, não nos graduamos em organizar nada, viemos de outros setores. Eu venho da literatura e da música, sempre vivendo os temas políticos. O presidente Correa vem de organizações populares, da academia, das lutas universitárias; foi o primeiro vencedor nas eleições da Federação de Universidades Católicas, há 25 anos.
Como analisa a situação atual da União Sul-Americana de Nações (Unasul) em termos de integração regional?
A morte de Néstor Kirchner foi um golpe muito duro porque, em torno de sua figura ecumênica, se invocava uma projeção maior. Mas por mais dolorosa e dura que tenha sido essa perda não pode frear este processo. Creio que o Banco do Sul, a Unasul e a Celac (Comunidade de Estados Latino-americanos e do Caribe) são as grandes orientações atuais na região. O Banco do Sul se encarregará de criar esses fundos comuns e ir substituindo o Banco Mundial e o Fundo Monetário, instituições que exploraram os povos. A Celac deve ser uma entidade que outorga uma soberania qualitativa e quantitativa, que vá do México ao Chile, formalizando a natureza desta liberalização nas compras de armas, na dependência na tecnologia única. Creio que para lá há um caminho de diversificação e condução responsável da política internacional.
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''O pensamento da esquerda não pode ser estático'' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU