24 Novembro 2011
Foi durante o lançamento do livro Miguel Krassnoff, um prisioneiro por servir o Chile, organizado por seu "camarada de armas", o prefeito de Providence, o também ex-militar Cristian Labbé.
Krassnoff, é cuspido por manifestantes em Providencia. Foto: EFE.
A reportagem é de Christian Palma e publicado pelo Página/12, 23-11-2011. A tradução é do Cepat.
O duro enfrentamento a golpes, cusparadas e empurrões entre os partidários do governo militar de Augusto Pinochet, que vieram a tona para homenagear na segunda-feira o ex-chefe da DINA, o temido aparelho repressivo do ditador chileno, o brigadeiro afastado Miguel Krassnoff e as famílias dos desaparecidos e dos direitos humanos, mostrou que no Chile, a dor e as feridas causadas pela ditadura (1973-1990) estão longe de serem cicatrizadas. Após 21 anos do retorno da democracia, ainda há muitos que insistem em abri-lás.
O ato realizado para comemorar o lançamento do livro Miguel Krassnoff, prisioneiro por servir o Chile, foi convocado pelo prefeito de Providencia e também um ex-soldado militar Labbe Cristian, reconhecido amigo de Pinochet, que patrocinou a cerimônia por ser um "camarada de armas".
Junto a ele, o ex-ministro do regime militar Alfonso Márquez de la Plata, sintetizou o pensamento dos que ainda não esqueceram os tempos em que as botas e as baionetas comandavam o país, ao declarar que "pensamos que (Krassnoff) é uma pessoa inocente e que foi condenado pelas coisas que não fez. Esse é o motivo pelo qual este evento é uma homenagem. Foi isso que irritou outros setores e a extrema esquerda não tem outra maneira de reagir a não ser com atos irracionais, como vimos".
O ex-membro do gabinete de Pinochet acrescentou que Krassnoff "não torturou ninguém e não raptou ninguém". O que Márquez de la Plata omite é que o ex-militar se encontra atualmente na Prisão Cordillera cumprindo uma pena de 144 anos por vários crimes de lesa humanidade cometidos durante o regime militar.
A homenagem resultou numa forte polêmica e envolveu o presidente Sebastián Piñera, a partir do momento em que uma assessora do La Moneda enviou uma nota justificando a ausência do presidente, mas avalizando o simbolismo do ato. As redes sociais repercutiram a nota do governo e o tema tomou conta dos cafés, praças e esquinas. Cercado pelas críticas, Piñera respondeu – via Twitter – que não apoiava a cerimônia, o que o afastou do mal estar criado, mas não o livrou das críticas do envolvimento com um tema tão delicado.
Tão delicado, como o relato dado ontem por Patricio Bustos, diretor do Serviço Médico Legal (MLS), um dos presos políticos torturados por Krassnoff -, em entrevistas à Rádio Cooperativa e El Mostrador: "Marcelo Moren Brito e Miguel Krassnoff de imediato começaram com tapas nos ouvidos. Então me levaram para a torre, tiraram minha roupa, me penduraram no pau-de-arara e começaram com a aplicação de choques elétricos e baterem nos meus pés e mãos com diferente objetos. Eles queriam saber de tudo sobre a resistência, da qual eu me orgulho de ter participado", disse ele. Bustos foi um membro do Movimento de Esquerda Revolucionária (MIR), um partido que enfrentou a ditadura. "Eles não nos quebraram, não nos transformaram em pessoas cruéis, adiaram os nossos ideais, mas não os eliminaram da consciência cidadã", acrescentou.
Disse ainda que faz falta ao Chile um "Miguel Enríquez (líder do MIR assassinado em 1974), um Salvador Allende, um Victor Jara, uma Diana Arón (jornalista torturada e assassinada), fazem falta ao Chile essas pessoas que hoje não podem se rebelar contra essa provocação ditatorial organizada pelo prefeito soldado e que recebeu apoio de poucos, a maioria por ignorância". O diretor do SML acrescentou que "isto é uma tentativa do pinochetismo em reviver um período obscuro de nossa pátria".
Em 10 de setembro de 1975, Bustos tinha 24 anos, trabalhava em um laboratório clínico e num consultório odontológico com sua mulher. Ambos foram militantes do MIR em Concepção. O que pode sentir um homem torturado por um criminoso quando sabe que 38 anos depois, um punhado de pessoas o quer homenagear? "Indignação. Não cabe outra palavra. Indignei-me como muita gente. Revivi o que aconteceu comigo e com minha companheira e outras pessoas que estiveram nas mãos desse criminoso, que não estava sozinho", disse. "Isto é uma bofetada não apenas nas vítimas, mas também no país, no tipo de democracia que queremos. Isso demonstra que o pinochetismo não deixou de existir e aproveita os espaços que se criam a partir de determinadas situações... No Chile permanece um jornalismo pinochetista, uma igreja pinochetista, um parlamento pinochetista. Procuram construir isso e se legitimar".
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Cusparadas num repressor chileno - Instituto Humanitas Unisinos - IHU