14 Setembro 2011
Entre fotos de Salvador Allende, bandeiras de todas as cores, tambores e gritos, a caravana avançou rumo ao memorial de Santiago na comemoração dos 38 anos do golpe que, em 1973, mudou a história do país.
A reportagem é de Christian Palma e está publicada no jornal argentino Página/12, 12-09-2011. A tradução é do Cepat.
Às 11h, partiu da Praça dos Heróis, próximo ao Palácio La Moneda, a marcha convocada pelas entidades de direitos humanos, estudantes e dirigentes políticos. Eram centenas, que se foram fazendo milhares à medida que o mar humano caminhava até o memorial levantado em honra aos caídos na ditadura no Cemitério Geral de Santiago. Aí estavam, em primeira fila, os mais idosos, que já tinham muitas destas marchas no corpo. Lorena Pizarro, presidente da Agrupação de Familiares de Presos Desparecidos; Guillermo Teillier, presidente do Partido Comunista, e o renomado escritor Pedro Lemebel, carregavam uma enorme faixa com a frase: "A mobilização social é um direito". Passo a passo avançavam sob o inclemente sol que fez neste domingo em Santiago. Entre fotos de Salvador Allende, bandeiras multicoloridas, tambores e gritos, a caravana avançava sem pausa. Mais atrás caminhava a reposição. Camila Vallejo, a carismática líder estudantil que, embora não tenha visto diretamente os horrores da ditadura, também esteve presente na comemoração dos 38 anos do golpe militar que, em 1973, mudou para sempre a história deste país, junto com muitos outros de sua geração que entendem e compartilham os ideais do presidente que preferiu tirar a vida a cair nas mãos dos militares que bombardearam La Moneda.
Idosos e jovens, cerca de 15.000, se deram outra vez as mãos, como foi recorrente desde que a direita chegou ao poder há um ano e meio, e saíram às ruas. "E vai cair e vai cair, a educação de Pinochet". "Companheiro presidente Salvador Allende, presente", se ouvia com força. As palavras de ordem gritadas a todo pulmão buscavam recordar a memória do "companheiro presidente" e criticar o modelo econômico vigente no Chile, em especial na educação. Mais tarde, enquanto os vendedores ambulantes não eram suficientes para atender as necessidades de água e cerveja devido à grande quantidade de pessoas, a marcha chegou em frente ao cemitério. Um ato musical e alguns discursos oficiais deram passagem a uma caminhada até o Memorial dos Presos Desaparecidos.
O que te parecem estes novos líderes que surgiram com o movimento estudantil e que se fazem presente neste dia tão significativo? – perguntou o Página/12 a Lorena Pizarro.
Me parece fantástico. Isto é a semente de uma geração que lutou contra a ditadura e que se esgotou com os 20 anos da transição política chilena que foi um lixo, pois com a Concertación se aprofundou o modelo político-econômico. Esta geração é vítima disso e o movimento não é só dos estudantes, mas tem a ver com uma cidadania que diz "basta", inclusive em demonstrações culturais nas populações. Quando se escuta os rapeiros, todas as suas letras têm uma consciência social impressionante. Estamos em uma situação mais potente que outras que se viram nestes últimos anos: hoje há maturidade, consciência do que fazem e sabem que não é só por eles. Camila Vallejo tem muito a ver com o exemplo de Allende, porque eles não estão brigando para si, mas apontam no sentido de mudar o Chile para acabar com os abusos, diretamente contra a herança de Pinochet.
Disse, além disso, que com a chegada à presidência de Sebastián Piñera se registrou um retrocesso nas pesquisas sobre violações dos direitos humanos: "Foram postos uma série de empecilhos e nos últimos anos não houve mais avanços".
Guillermo Teillier, por sua vez, sustentou que "atualmente, os estudantes, os professores e os professores em geral são portadores das ideias de Allende. São os jovens que nos enchem de esperança". Acrescentou que "também apontamos para uma nova força social que possa instalar um governo que assuma as demandas que se veem nas ruas, mediante a participação popular. É o momento para fazê-lo, não serão os partidos que farão isso, mas o povo".
Enquanto isso, a homenagem se detinha nas tumbas de alguns ilustres como Violeta Parra ou Víctor Jara, onde, com cantos e poesias, se recordou seu legado cultural. Outros, os amigos e familiares dos assassinados pela repressão militar faziam pequenas homenagens mais íntimas.
Em uma das ruas do cemitério, Hugo Gutiérrez, um dos três deputados comunistas chilenos, garantiu a este jornal que "o povo recobrou a memória. Estamos reconstruindo um movimento contundente que quer arrebatar o poder econômico e político daqueles que usufruíram da ditadura e da concertação. A esquerda hoje está tomando confiança em sua própria força. Por muitos anos depositamos a nossa confiança na Concertación para a mudança que o país necessitava, mas lamentavelmente se dedicou a governar com as políticas públicas herdadas de Pinochet e não alterou isso em nada".
A calma reinante mudou passadas as 14h, quando jovens com o rosto coberto atacaram com pedras e outros objetos pontiagudos carabineiros e a imprensa, e foram dispersos por tanques com jatos de água e bombas de gás lacrimogêneo. Nas escaramuças, um policial montado a cavalo ficou ferido após levar uma pedrada no rosto.
No final do dia houve mais de 20 feridos. Número que, seguramente, aumentou à noite, pois se esperavam protestos em diversos lugares de Santiago e outras regiões.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Allende, mais vivo do que nunca entre os mobilizados - Instituto Humanitas Unisinos - IHU