23 Novembro 2011
O ex-guarda-costas pinochetista Cristián Labbé, atual prefeito de Providencia, organizou um ato oficial para acolher o ex-brigadeiro do Exército Miguel Krassnoff, antissemita declarado e condenado por crimes de lesa-humanidade.
A reportagem é de Christian Palma e está publicada no jornal argentino Página/12, 22-11-2011. A tradução é do Cepat.
Um novo capítulo da psicopatia de ex-oficiais do Exército chileno, que agora ostentam cargos públicos – com a nostalgia da ditadura de Pinochet –, atinge o país. Isso depois que Cristián Labbé, ex-coronel e atual prefeito de Providencia, um dos municípios menores e mais acomodados da região de Santiago, organizasse uma cerimônia oficial e pública em honra a um ex-superior, o brigadeiro do Exército Miguel Krassnoff, condenado a 144 anos de prisão por crimes de lesa-humanidade.
Krassnoff, antimarxista e antissemita declarado, fazia parte do contingente que matou o ex-líder do Movimento de Esquerda Revolucionário (MIR, sigla em espanhol), Miguel Enríquez (em outubro de 1974).
Labbé também é um ex-integrante da polícia secreta de Pinochet, a temida DINA, responsável pelo assassinato de centenas de civis que militavam nas fileiras da esquerda nos anos 1970.
Labbé é prefeito há mais de 15 anos, aproveitando o voto conservador da comuna de Providencia. Apelidado de “#labestia” no Twitter, o ex-oficial do Exército se envolveu em várias polêmicas. Desde criticar duramente o juiz Baltasar Garzón pela prisão de Pinochet em Londres (1998 e 2000), até seus últimos arroubos de raiva contra o movimento estudantil pela ocupação dos liceus administrados pelo município que dirige, onde não teve dúvidas para aplicar “mão dura” reprimindo os jovens secundaristas.
O declarado “amigo de Pinochet” está acostumado a transbordar copos. A última gota foi a anunciada homenagem a Krassnoff por ocasião do lançamento da 4ª edição do livro Miguel Krassnoff, prisioneiro por servir o Chile, que acontecerá na próxima segunda-feira no velho Club Providencia.
Esse fato provocou a ira do Agrupamento de Familiares de Presos Desaparecidos (AFPD), políticos da oposição, personagens públicos, artistas e chilenos comuns que desde a terça-feira encheram as redes sociais para rechaçar a cerimônia. O mais kafkiano de todo este escândalo é que o próprio presidente Sebastián Piñera saudou a iniciativa de Labbé e destacou a figura de Krassnoff. Isso ao se desculpar publicamente – através de sua equipe de protocolo – por não poder participar do evento: “Não será possível que o senhor presidente possa acompanhá-los, devido ao fato de que nessa mesma data sua agenda de trabalho já se encontra comprometida. No entanto, nos solicitou expressamente manifestar-lhes suas felicitações e seus melhores desejos de sucesso, assim como também transmitir uma saudação afetuosa àqueles que participarem desta homenagem”.
Este “cagazo”, como se diz no Chile, foi rapidamente “corrigido” no Palácio de La Moneda. Na noite da terça-feira foi publicada uma declaração oficial, sucinta, em que se indica que “por um lamentável erro, a Direção de Gestão Cidadã da Presidência deu uma resposta equivocada a um convite enviado pelo senhor Patricio Malatesta para uma atividade na comuna de Providencia”.
Junto com isso, Piñera, no Twitter, escreveu: “Condeno, e sempre condenei, as violações aos direitos humanos, em todo tempo, lugar e circunstância”. Depois publicou outro comentário: “Em consequência, não compartilho e rechaço qualquer manifestação de apoio a condenados pelos graves desrespeitos aos direitos humanos ocorridos no Chile”.
Mas deviam rolar cabeças e a primeira foi a da assessora presidencial, Andrea Ojeda, o que não bastou para fechar velhas feridas, amplificadas pela cultura da direita defensora da ditadura pinochetista que agora está como inquilina principal no La Moneda.
O próprio Labbé divulgou uma declaração por escrito de cinco pontos, onde defende que não participaria do evento desta segunda-feira, embora tenha esclarecido que a atividade é “completamente particular de seus organizadores, e assim como em incontáveis outros casos de apresentações similares em espaços deste município, aceitei a solicitação de encabeçar o convite, fazendo saber ao mesmo tempo que não me seria possível participar devido a compromissos previamente agendados”.
A singular resposta do prefeito e ex-guarda-costas de Pinochet assinalou que a cerimônia “é igual a muitíssimas outras em que se lançaram livros de todas as tendências políticas, em diferentes espaços municipais”.
Mais o mais surpreendente é que Labbé se mostrou atônito “diante do tumulto causado por um fato como este, que consiste no exercício da liberdade de pensamento e de expressão”.
“À margem das sentenças judiciais, a historiografia deve se construir com olhares diversos e qualquer contribuição é um enriquecimento de nossos debates e de nosso passado. Qual é a ideia, silenciar a quem pensa diferente, calá-lo pela força?”, acrescentou o ex-agente Labbé, que também é militante da UDI, partido chave de apoio ao governo de Piñera. Estas declarações fizeram ferver outra vez as redes sociais.
E, como se fosse pouco, convocou para enfrentar os “verdadeiros problemas da nossa sociedade e deixar de lado a crispação e a vontade de inflamar qualquer probleminha como este apenas para provocar escândalo”.
Sua resposta, pelo contrário, é a chave para superar o problema que o Chile vive pelo respeito à memória dos direitos humanos. A sociedade sabe disso e exige respeito.
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Homenagem a um repressor no Chile - Instituto Humanitas Unisinos - IHU