16 Outubro 2011
A menos de seis meses da beatificação do papa polonês, tomam posse 40 deputados de uma força política declaradamente anticlerical. Algo inaudito na mais que milenar história da "Polônia semper fidelis", que suscita o interesse no exterior e mais de uma interrogação dentro daquele que, até a pouco tempo atrás, era considerado um baluarte do catolicismo mundial. João Paulo II, já em 1991, chamava a atenção de seus conterrâneos sobre o uso distorcido da liberdade reconquistada a um preço tão alto, sobretudo quando se separa da fé e dos valores cristãos. Mas será realmente verdade que aquilo que aconteceu na Polônia com as eleições políticas de 9 de outubro passado deve ser considerado uma desgraça? Ou antes, trata-se de um percalço no caminho, de uma doença de crescimento?
A reportagem é de Marek Lehnert e está publicada no sítio Vatican Insider, 14-10-2011. A tradução é do Cepat.
A força anticlerical chama-se Ruch Palikota, movimento de Palikot, que toma o nome de seu fundador, Janusz Palikot, nascido em 1964, com um passado de empresário brilhante e um futuro igualmente cheio de promessas na política. De militante do partido liberal de direita Platforma Obywateska (Plataforma Cívica) do primeiro ministro Donald Tusk, vitorioso tanto em 2007 como nesta última eleição, Palikot passa a ser deputado e um dos personagens mais destacados da cena política polonesa. Com seu caráter exuberante – um pouco de criança travessa, um pouco contrário a tudo –, começa a ser um estorvo, e depois de ter insultado em vida – e, sobretudo, depois da morte – o presidente Lech Kaczynski, perito no acidente aéreo de 10 de abril de 2010 em Smolensk, é expulso do partido. Palikot não cai no vazio: como ameaçava desde antes, está com um projeto de criação de um partido próprio. Seu movimento nasce oficialmente no começo de outubro do ano passado. Os ex-companheiros, assim como os observadores, o dão como perdedor. Quando se apresenta para as recentes eleições se diz que, se fosse bem, teria 1,5% dos votos. Até porque, desde o começo, Palikot havia entabulado uma guerra contra a Igreja. Para ser franco, se deveria dizer antes contra a hierarquia e o clero, tendo o cuidado de não ofender a fé nem os fiéis. "Me esforçarei para conseguir eliminar o ensino da religião católica das escolas públicas", promete Palikot. Nos seus comícios, convida os bispos – segundo ele, todos cheios de boa posição econômica – a renunciarem aos seus privilégios fiscais e a contribuírem por si mesmos, e citando o exemplo de João Paulo II, que "não deixou nada nesta terra", recorda que a Igreja deveria voltar a ser pobre. "Nós não combatemos a Igreja no que tange à fé, à ajuda e ao serviço às pessoas. Combatemos a Igreja enquanto partido político, corporação financeira. A Igreja não deveria ocupar-se de política e acumular bens", explica durante a campanha eleitoral.
Seu programa também inclui, não obstante, a liberalização das uniões homossexuais (sem direito a adoção de menores), como também do aborto, da fecundação assistida e das drogas levianas, o que basta para ser julgado como encarnação do mal pela intelectualidade. À medida que as eleições se aproximam, a popularidade de Janusz Palikot e de seu movimento crescem a tal ponto que ultrapassam virtualmente o umbral dos 5% indispensáveis para chegar à Câmara dos Deputados (partidário da abolição do senado, Palikot, mostrando coerência, não se apresenta para a Câmara Alta). O resultado final – obteve 10,01%, que equivalem a 1.429.000 votos – superou toda expectativa. O Ruch Palikota, depois de apenas um ano desde a sua criação, é o terceiro maior partido da Polônia, depois do Plataforma Cívica de Donald Tusk e do Direito e Lei, de Jaroslaw Kaczynski. A Aliança da Esquerda Democrática (SLD), herdeira do Partido Comunista, com seus míseros 8,24%, rasga as vestes, consciente de que uma parte importante de seu eleitorado se foi com o Palikot, porque ela não teve a coragem de atacar a Igreja. Mas os especialistas dizem que às fileiras do movimento do Palikot – e agora às cadeiras do Parlamento – não se somaram apenas ex-comunistas, ateus e anticlericais, mas também jovens empresários e ambiciosos, instruídos e com amplitude de visão.
Concomitantemente com as eleições parlamentares foram divulgados os resultados de uma pesquisa sobre a confiança que os poloneses têm nas instituições, do que resulta que nos últimos cinco anos a Igreja perdeu significativos 14%. Isto levou alguns expoentes da Igreja a fazer uma análise muito honesta e sincera, que pode ser lida também como comentário ao voto de 9 de outubro. Janusz Marianski, sociólogo da Universidade Católica de Lubliana, não tem dificuldades para admitir que "a crítica à Igreja na sociedade polonesa desde o começo das mudanças do sistema tem a ver com a excessiva atenção que os sacerdotes puseram sobre os bens materiais, nos esforços dirigidos à reconquista dos privilégios perdidos durante o comunismo; a influência excessiva sobre a sociedade e a chamada intervenção na política, como também uma moral tradicional e as tentativas de impô-la a toda a população através da legislação estatal, para não falar dos escândalos que envolvem bispos e sacerdotes". Tudo isto, segundo o professor da Universidade de Lubliana, "exige repensar o compromisso eclesiástico nos assuntos sociais e evitar dar pretextos para os ataques à Igreja", porque, acrescenta Marianski, "o potencial do anticlericalismo na sociedade polonesa é notável".
Este juízo é compartilhado por dom Józef Kupny, presidente da Comissão Social do Episcopado polonês, para quem "os resultados das eleições manifestaram a necessidade da nova evangelização na Polônia". Respondendo à pergunta de como avalia o sucesso do movimento de Palikot, Kupny declarou que é necessário analisar seriamente este fenômeno, porque a vitória de Palikot se deve às instâncias definitivamente contrárias ao ensino da Igreja. "Para nós é o enésimo desafio, tendo em conta que a Igreja é mestra de moralidade e deve formar as consciências. Aqui, ao contrário, vemos que os slogans que contradizem a escala de valores anunciada pela Igreja foram acolhidos por uma parte da sociedade que votou no movimento de Palikot".
Mais evasivo se mostrou o porta-voz do episcopado polonês, dom Józef Kloch. Para ele, os resultados das eleições demonstram flutuações dos votos "dos partidos que desapareceram da cena política ou aqueles que não satisfazem os eleitores em relação às forças de protesto". "A democracia, embora seja o primeiro modo de organizar os assuntos do Estado, tem contudo seus pontos fracos". O próprio primeiro ministro Donald Tusk, que no começo da campanha eleitoral prometeu "não se ajoelhar diante dos sacerdotes e bispos" (recebendo a resposta da esquerda de que não era necessário, dado que já estava prostrado diante da hierarquia), ficou excluído de qualquer futura aliança com Palikot, no caso de este vencer. Desconfiada de tais promessas, a direita continuava assustando os poloneses, falando de um jogo de equipe entre a Plataforma Cívica e o movimento de Palikot. "Vereis que será ele o vice-primeiro ministro com o poder na luta contra a Igreja", dizia o porta-voz do Direito e Lei, Adam Hofman.
Sobre a proeza de Palikot, o histórico líder do Solidariedade e ex-presidente, Lech Walesa, comentou que, na sua opinião, é bom que o movimento de Palikot seja a terceira força política do país, porque é melhor que certos discursos sejam pronunciados dentro do Parlamento e não na praça. Ao mesmo tempo, Walesa jogou na cara de Palikot sua aversão à Igreja, recordando que o povo polonês "se baseia sobre a fé". Em 90%, contudo, como demonstraram as recentes eleições.
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Crise de confiança afeta a Igreja polonesa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU