A pesada intervenção de grandes bancos centrais nos mercados de câmbio disseminou ontem a percepção de que a economia global passa por forte contração e enorme perda de riquezas.
O comentário é de
Celso Ming, jornalista, e publicado no jornal
O Estado de S. Paulo, 05-08-2011.
O
Banco do Japão (BOJ) iniciou o dia com pesadas compras de dólares (US$ 12,6 bilhões) no mercado, para tentar estancar a valorização do iene.
O
Banco Nacional da Suíça já havia começado, na véspera, operação equivalente, para tentar impedir a valorização do franco. O Banco da Inglaterra também avisou que seguiria na operação de recompra de 200 bilhões de libras em títulos da dívida inglesa.
O presidente do Banco Central Europeu (BCE),
Jean-Claude Trichet, criticou asperamente a iniciativa do
BOJ, observando que essas intervenções têm de ser coordenadas; não podem ser unilaterais. E, a despeito da posição contrária das autoridades monetárias da
Alemanha, avisou que reiniciaria a recompra de títulos de dívida de
Portugal e
Irlanda, que vêm perdendo preço nos mercados. O
BCE já detinha em carteira 78 bilhões de euros em títulos de dívida de países do bloco, especialmente desses dois. Além disso, reabriu leilões de liquidez ilimitada com vencimento em seis meses.
As declarações e as decisões tomadas por
Trichet foram recebidas como sinal tanto de que as condições da economia global pioraram muito como, também, de falta de coordenação entre os senhores do mundo. Falta de coordenação talvez seja uma expressão pouco adequada. Os contra-ataques dos grandes bancos centrais à forte valorização de suas moedas passaram a impressão de que a tal guerra cambial, denunciada em setembro de 2010 pelo ministro
Guido Mantega, seja agora bem mais descarada.
Foi o que detonou o pânico nos mercados. As cotações das ações despencaram em todas as bolsas. Paradoxalmente, o dólar, que há cinco semanas era submetido a enorme hemorragia no mercado cambial, ontem se valorizou 1,7% ante o euro; 0,5% ante o franco suíço; 1,0% ante a libra esterlina; e 1,3% ante o real. Ou seja, de um dia para o outro, o que era ativo anêmico, voltou a ser visto como porto seguro dos aplicadores. Para coroar a intervenção dos bancos centrais, falta saber o que fará o
Federal Reserve (Fed, o banco central americano). Estão abertas as apostas para que seja anunciada mais uma rodada de recompra de títulos do Tesouro dos Estados Unidos, uma terceira operação de afrouxamento quantitativo.
Por trás de tudo, está o entendimento de que a paradeira da economia dos países ricos é mais profunda e será mais prolongada. Estancamento do consumo e da produção (e não necessariamente retração) implica quebra de arrecadação, perda de postos de trabalho e maiores despesas públicas com seguro-desemprego.
É um equívoco afirmar que o
Brasil passará incólume por mais esse furacão. A economia está mais sólida, é verdade, conta com quase US$ 350 bilhões em reservas e está bem menos dependente de suprimentos externos de capital. Mas os ataques predatórios tendem a crescer, as receitas com exportações tanto de manufaturados como de commodities podem cair ou subir mais devagar.
Em 2008, o então
presidente Lula alardeou que a solidez da economia brasileira rebaixou os vagalhões da crise à condição de mera "marolinha". Não dá para garantir que esse efeito se repetirá. Mas, depois do turbilhão, o País tende a ficar melhor do que a média do resto do mundo.
CONFIRA
Desmancha no ar
"Tudo o que é sólido se desmancha no ar." Essa é uma das frases mais lembradas do Manifesto Comunista de 1848, assinado por
Marx e
Engels. Foi a sensação que os mercados deixaram ao longo do dia de ontem. Os índices de sete das mais importantes bolsas de valores do mundo apenas nos quatro primeiros dias úteis de agosto.
De olho no Fed
Os mercados esperam agora que o Fed abra novamente sua caixa de ferramentas. Vai ser suficiente?
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