Melancholia

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01 Agosto 2011

"Preferimos o riso compulsivo e defensivo e nos dopar a ter que nos confrontarmos com o que parece ter a força de abalar o mundo de nossas certezas imediatas", escreve Vladimir Safatle, professor de filosofia, ao comentar o filme Melancholia de Lars Von Trier, em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, 02-08-2011.

Eis o artigo.

Poucos são os cineastas realmente necessários para nossa época. Lars Von Trier é certamente um deles. Talvez alguns de seus filmes estejam entre as melhores reflexões contemporâneas sobre moralidade e seus impasses.

Eles retratam uma época que descobriu que a insistência na certeza moral subjetiva é, muitas vezes, a maneira de não nos perguntarmos sobre como as nossas ações serão recebidas em contextos intersubjetivos.

Boa parte das heroínas de seus filmes são mulheres que parecem a encarnação contemporânea da bela alma, com seu coração puro e sua incapacidade de compreender porque tanta catástrofe decorre de suas ações.

Elas, no fundo, não entendem por que nem sempre o melhor a fazer é confiar na clareza de nossa intencionalidade moral.

No entanto seu último filme tem algo que os outros não têm: uma mulher que não sabe o que deve fazer.
Melancholia é a história de Justine, uma mulher que vai se casar, mas não consegue. O casamento está lá, o castelo, a limusine, a festa cara, as promessas de felicidade, a promoção no trabalho. Mas ela é incapaz de impedir que tudo apareça com o gosto insípido do que está radicalmente fora do lugar. Ao final, ela se encontrará em um estado próximo a catatonia.

Enquanto o casamento fracassa e a impotência toma conta, um planeta, chamado Melancholia, aproxima-se da Terra em rota de colisão.

A metáfora não poderia ser mais clara a respeito desta doença que assombra a época e retira nossas forças a ponto de dissolver o mundo de nossos interesses. Doença que perdeu seu nome de origem para ser, atualmente, chamada de "depressão".

Dificilmente encontraremos um filme que retrate de maneira tão forte e realista tal quadro clínico. Mas sua grandeza está em outro lugar.

Numa época como a nossa, raras são as obras que nos lembram como a confrontação com o que Spinoza chamava de "paixões tristes" é, muitas vezes, a única maneira de aprender a lidar com o caráter brutal e contingente do fim, da perda, do insensato.

Por ter passado pelo "caminho do desespero", Justine é a única que sabe como terminar, como se portar diante do fim do mundo.

Na verdade, sua depressão deixou um saldo: saber como lidar com a natureza trágica de certos acontecimentos. Ela se cura ao compreender isso.

Mudança importante já que nossa sociedade deve ser a única que perdeu essa capacidade de lidar com o caráter trágico da finitude, da contingência e da contradição.

Preferimos o riso compulsivo e defensivo e nos dopar a ter que nos confrontarmos com o que parece ter a força de abalar o mundo de nossas certezas imediatas. Como Trier nos lembra, há algo de equívoco moral nesta preferência.