29 Junho 2011
Atualmente, a questão das homossexualidades é como um iceberg: o fato social da visibilidade, muitas vezes reivindicado, não diz tudo. Questões essenciais, há muito escondidas, pouco a pouco começam a aparecer: no plano antropológico, o reconhecimento do fato homossexual leva a reconsiderar o lugar da sexualidade na existência humana; no plano social e político, é preciso articular a aspiração legítima dos indivíduos para decidir de forma soberana sobre suas vidas, portanto sobre sua sexualidade, com uma necessária regulação das relações humanas, inclusive afetivas e sexuais; no plano teológico e espiritual, é preciso saber como a boa nova da Salvação, realizada pela Igreja de Cristo, pode reunir as pessoas homossexuais na diversidade de suas situações.
A reportagem é do psicanalista Jacques Arènes e da teóloga Dominique Foyer e está publicada no sítio da revista francesa La Vie, 31-05-2011. A tradução é do Cepat.
A doutrina da Igreja e sua antropologia implícita
Em todas as religiões há uma delimitação estrita e muitas vezes uma reprovação dos atos homossexuais. Mas as relações "homoafetivas" são geralmente valorizadas: amizades viris entre guerreiros, ternura entre as mulheres... O judaísmo e o cristianismo primitivo não são exceção.
A Igreja Católica afirma, por outro lado, que existe um valor moral universal dos atos humanos, independente das circunstâncias desses atos. Ela considera os atos homossexuais "objetivos" como pecaminosos. Entretanto, distingue a moralidade dos atos da responsabilidade das pessoas que as vivem. Nas situações "homoafetivas", a Igreja católica não aprova a passagem ao ato sexual, apesar de reconhecer que a avaliação da liberdade real e, portanto, da responsabilidade moral dos indivíduos, é sempre difícil de fazer. Uma pessoa homossexual não é responsável por sua orientação psico-afetiva, e não necessariamente controla a expressão. Na teologia contemporânea, o argumento central é baseado em uma antropologia na qual a diferença dos sexos, com o seu significado teológico – a união entre homem e mulher à imagem da relação com Deus – é um elemento essencial da identidade e do desenvolvimento humano, em sua dimensão sexual, conjugal e procriadora: a humanidade é criada na complementaridade do homem e da mulher (Gn 2, 20-24), "à imagem de Deus" (Gn 1, 27).
Com variações históricas
Desde os primórdios do cristianismo, na tradição do judaísmo, as práticas homossexuais são consideradas ao mesmo tempo como idólatras, indignas e antinaturais: idólatras, porque estreitamente ligadas às formas de prostituição sagrada ou então consequência social de uma ignorância inata de Deus (Rm 1, 18-32); indignas de homens e mulheres tornados, pela graça do batismo, "filhos de Deus por adoção", "irmãos de Jesus Cristo" (Rm 8, 2.21); finalmente, antinaturais, porque contrários à ordem natural criada por Deus. Segundo as perspectivas já presentes nas filosofias antigas (estoicismo, aristotelismo), o cristianismo medieval desenvolveu a apresentação dos atos homossexuais como pecados "contra a natureza", ligando fortemente o ato sexual à sua finalidade procriadora. Mas as dimensões psicológicas e relacionais da sexualidade humana permanecem subestimadas.
Hoje, o argumento baseado no respeito à lei natural em matéria da sexualidade e da reprodução perdeu algo da sua relevância por causa do desenvolvimento do controle da reprodução humana. É dada preferência a um argumento antropológico fundado sobre a noção de "verdade do ato sexual". Na medida em que não conduz à procriação, uma relação homossexual é antropologicamente "menos verdadeira" do que uma relação heterossexual; entretanto, ela pode ser portadora de qualidades éticas: sinceridade, doação, busca do desenvolvimento do outro, etc. Além disso, a doutrina do matrimônio cristão depois do Concílio Vaticano II, o reconhecimento do valor positivo da sexualidade humana e a consideração do "desenvolvimento mútuo dos cônjuges" abre o caminho para a consideração do prazer sexual, independentemente da sua finalidade procriadora. No entanto, é possível separar completamente estas duas dimensões constitutivas da sexualidade humana?
Questões feitas à Igreja hoje
A Igreja enfrenta hoje, assim como o conjunto da sociedade, um dado novo. "A identidade homossexual", pessoal e coletiva, emerge como tal. Michel Foucault assinalou que não havia, nos séculos passados, pessoas que se considerassem "homossexuais", mas "práticas" homoeróticas. A abordagem psico-médica da sexualidade e da homossexualidade, desenvolvida ao longo do século XIX, progressivamente foi valorizando a sexualidade e a orientação sexual como "verdade" do sujeito. Tomada na sua realidade e na sua expressão, a orientação sexual é considerada hoje a marca da autenticidade da pessoa e de suas aspirações. A emergência das reivindicações de legitimação social das relações homossexuais (casamento "homossexual") é, então, o sinal de um desejo fundamental de reconhecimento, que diz respeito a grupos e indivíduos.
A Igreja deve ouvir estas expectativas, procurando ao mesmo tempo promover a sua visão antropológica, dificilmente audível hoje. Em uma sociedade altamente erotizada, em que a atividade genital é considerada como um lugar inelutável de desenvolvimento, a abstinência sexual, proposta pela Igreja para as pessoas homossexuais, torna-se difícil de ser posta em prática. No entanto, o auto-controle nesta área crítica é também um caminho de liberdade. As pessoas homossexuais são chamadas a viver um amor casto, de abstinência, mesmo quando vivem sob o mesmo teto que um cônjuge. No nosso mundo fragmentado onde a solidão é difícil de ser suportada, isso exige virtudes heróicas e graças particulares. E a Igreja sabe disso (cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 2359).
A questão fundamental em relação às pessoais homossexuais, mais ou menos próximas da Igreja, é o realismo e o acompanhamento. Na variedade de situações de fato (vivendo com alguém ou sozinho) e os tipos de sexualidade, eventualmente em contradição com as suas prescrições, a Igreja deve, contudo, refletir sobre a maneira de apoiar as pessoas homossexuais, rumo a mais fidelidade, respeito e apoio mais próximo, em um caminho humano e espiritual.
Conclusão
Estas questões difíceis preocupam a todos: às vezes pessoalmente, muitas vezes em nossa família ou amigos; sempre como cidadãos e mais ainda como cristãos. Fazemos nossas as palavras do Concílio Vaticano II: "As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo; e não há realidade alguma verdadeiramente humana que não encontre eco no seu coração" (Constituição Gaudium et Spes, Sobre a Igreja no Mundo Atual, n º 1).
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O que diz a Igreja sobre a homossexualidade - Instituto Humanitas Unisinos - IHU