30 Abril 2011
Uma julgamento histórico, justamente, mas não impressões pessoais feitas também de gostos – culturais e políticos –, isso sim. Parece impossível extorquir o filósofo e político marxista italiano Mario Tronti sobre João Paulo II. Mas, claro, não é bem assim.
A reportagem é de Iaia Vantaggiato, publicada no jornal Il Manifesto, 30-04-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis a entrevista.
Comecemos com impressões.
A minha abordagem à pessoa é bastante crítica.
A "pessoa", na verdade, é um Papa.
E então digamos que não é o Papa que eu gostaria. Certamente, a sua presença foi grande na história, mas o que eu rejeito é a figura do "Papa personagem", do "Papa global", poeta e ator. Aquilo que um Papa não pode ser.
Poeta, ator e grande comunicador.
Falamos sempre de uma comunicação que se desenvolve no "imediato", de um Papa que instaura uma relação com as multidões justamente "imediata" e por isso é louvado. Santo já, como era pedido em alta voz.
Um Papa populista, em outros termos?
Um personagem, mais do que uma personalidade. João Paulo II confiou a sua mensagem antes de tudo à comunicação e só depois ao conteúdo da mensagem. E tudo para depois entrar novamente na norma do presente, daquilo que se gostaria que fosse. Wojtyla é um Papa que está com os tempos e para os tempos. Ligado ao imediato. Ele também obteve resultados no imediato.
Falemos de 1989?
As causas desse colapso são completamente outras, e certamente não é um personagem como Wojtyla que poderia provocar um terremoto desses. No limite, como declarou Walesa, a sua intervenção pode ter tido alguma importância na contingência polonesa do momento. Ponto.
Mas as viagens, os banhos de multidão, os papa-boys?
O populismo é de quem não tem grandes mensagens para dar e justamente por isso que atrai, faz-se ouvir. Por que eu digo "com os tempos e para os tempos"? Porque hoje quem tem algo a dizer e o diz está destinado a não é ser compreendido. Essa é a condição da comunicação atual. Para se fazer entender, não é preciso dizer nada. É preciso se "mostrar-se" apenas, e esse mostrar-se tem um efeito de breve duração.
Um Papa global, mas nem sempre capaz de governar a globalização. Apesar das críticas a Bush.
Wojtyla teve acentos críticos contra o modo de vida que a globalização impõe. Ele também teve contrastes com os EUA, é claro, mas mais com respeito às soluções sociais e civis do que militares. E, no entanto, não se pode pedir que um Papa governe a globalização. Deve-se reconhecer a João Paulo II, porém, o fato de ter compreendido que, de Roma, era preciso falar para o mundo. Ao mundo que estava além da tradição católica europeia.
Um pouco o oposto do que Bento XVI está fazendo agora.
Bento XVI é o Papa que se parece mais ao que eu gostaria.
Em termos de gostos ou de impressões?
Ambos. Ratzinger é teólogo, escreve livros, toca piano, faz pesquisa pessoalmente sobre Jesus. E depois fala aquele latim com sotaque alemão, que é justamente a língua da Europa. Ratzinger entendeu que o cristianismo católico é da Europa.
Wojtyla, Ratzinger e o Concílio Vaticano II. Bento XVI pode até tocar piano, mas não parece ser um paladino do espírito conciliar.
Visto que devemos falar de Papas, então falemos de um Papa que eu gosto muito, Paulo VI. Um Papa inquieto, um Papa cheio de dúvidas. O máximo que se pode esperar de um Papa.
Paulo VI, não por acaso o Papa do Concílio.
De fato. Porque não é verdade que o Concílio – como muitos o retratam – é pura inovação, ruptura com o passado. A Igreja nunca rompe com o passado, e é por isso que a Igreja perdura por séculos e milênios. O Concílio é o compromisso histórico da Igreja com o Moderno.
Por isso as inquietações de Montini?
A sua operação foi grande: passar do Antimoderno ao compromisso com o Moderno, retendo alguma coisa à Igreja. Não sei o quanto essa operação foi bem sucedida, porque não é que os Papas contem mais do que o resto. Ao redor está a Cúria, a nomenclatura.
Tormentos que Wojtyla não viveu?
Wojtyla foi um Papa que não teve grandes relações com a verdadeira substância do Concílio. Quando ele chegou, já havia ocorrido uma forma de reação anticonciliar, e a impressão é que ele ficou um pouco no meio do caminho. Ele captou os aspectos mais exteriores do Concílio, mas não compreendeu aquela profundidade que havia sido própria não tanto de João XXIII, mas sim do Papa Montini. Wojtyla não foi um Papa nem do Concílio nem do anti-Concílio. Mais simplesmente, ele deslocou a ordem do dia para outro nível: a reconquista ou a conquista de partes do mundo em que a Igreja não havia conseguido chegar e as quais ele chegou.
Do compromisso com o Moderno de Paulo VI à Pós-modernidade de Wojtyla.
Wojtyla quis ser um Papa pós-moderno, essa é sua característica. A capacidade comunicativa, o fato de que precisava se apossar do grande instrumento da informação de massa, da relação direta entre líder e povo. E essa é a pós-modernidade. Com aquilo que comporta novamente respeito ao passado, mas também de leve, de superficial, assim como de não profundo.
Essa é a Pós-modernidade de Wojtyla?
Essa é a Pós-modernidade. Uma flutuar sobre a onda, sobre a onda que vai, e ir atrás da onda e não ter mais os instrumentos para governar a onda que é a onda do modernos que avança e vai além de si mesmo. Se você não conseguir governar a onda, você vai ser vítima dela. E Wojtyla foi um pouco uma vítima, talvez além de suas próprias intenções.
Pós-moderno e pré-moderno. São poucos os pontificados que contaram com um número tão alto de milagres e de aparições.
É o aspecto não populista mas popular da Igreja que, para manter uma relação com os simples, está disposta a tudo. Também a dar crédito aos milagres. É a Igreja do Padre Pio.
Wojtyla será beatificado neste domingo.
Eu gosto de pensar nos últimos anos do Papa, desse Papa combatente que, dia após dia, tornava-se sempre mais sofredor. É uma coisa a qual olhei com simpatia, às vezes com comoção. Lembrava-me da figura bíblica do servo sofredor e também do Cristo sofredor, quando se curvava sob a cruz. Aquela era uma figura cristã e é a figura que ele resgata no fim. É uma pena que, para beatificá-lo, eles escolheram o dia 1º de maio. Um dia que tem uma sacralidade profana e cuja simbologia não devia ser tocada.
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"João Paulo II foi um grande populista" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU