11 Janeiro 2011
País devastado pela fome, pelo desemprego e pela epidemia de cólera aguarda o resultado de uma eleição controversa e cuja legitimidade é questionada por muitos haitianos e analistas internacionais.
A reportagem é de Nádia Pontes e publicado pelo sítio Deutsche Welle, 11-01-2011.
Mais de um mês depois do primeiro turno da eleição presidencial no Haiti, ainda não está claro quem disputará o segundo turno. Oficialmente, a missão especial da Organização dos Estados Americanos (OEA) que chegou ao país para recontar os votos do primeiro turno, realizado em 28 de novembro de 2010, ainda não tem um parecer sobre a recontagem.
Mas a agência de notícias Associated Press (AP) divulgou nesta segunda-feira que obteve acesso a um relatório da OEA. Nele, o candidato governista, Jude Celéstin (foto), ficaria de fora do segundo turno, em favor do oposicionista Michel Martelly. Se a notícia for confirmada, dois candidatos da oposição definirão a disputa.
Além disso, o segundo turno, que estava previsto para o próximo domingo (16/01), foi oficialmente transferido, sem data marcada. Segundo a comissão eleitoral, não será realizado antes de fevereiro.
Problemas desde o início
A complicada situação política do país teria uma solução simples, segundo defende Brian Concannon, presidente do Instituto para Justiça e Democracia no Haiti: "Promover novas eleições que permitam a todos votar e concorrer". A organização de direitos humanos é baseada em Boston e tem um escritório em Porto Príncipe.
O norte-americano, que já trabalhou como oficial de direitos humanos para as Nações Unidas, afirma que o cerne da questão não é a recontagem dos votos, mas falhas básicas do processo eleitoral. "Sob a perspectiva dos haitianos, e isso inclui partidos políticos, a maioria dos eleitores e grupos de direitos humanos, as eleições foram equivocadas desde o começo. Simplesmente não se permitiu que alguns candidatos concorressem e que todos os eleitores votassem."
Relatos de observadores que acompanharam a votação dizem que muitos eleitores, mesmo com o cartão de identificação em mãos, não conseguiram chegar às urnas porque não encontravam seus nomes nas listas que indicavam os locais de votação. Estima-se que cerca de 10% dos haitianos não tenham sequer conseguido retirar a identificação exigida para votar.
Mas a convocação de novas eleições está fora de questão. E, para os haitianos, a espera pelo segundo turno é a única alternativa. "Não está havendo um impasse. A missão da OEA vai fazer uma verificação e nós vamos ver o que a missão vai determinar para, então, tomar um caminho", disse à Deutsche Welle o embaixador brasileiro no Haiti, Igor Kipman.
Segundo os contestados resultados do Conselho Eleitoral Provisório, a ex-primeira-dama Mirlande Manigat alcançou 31,37% dos votos, o candidato do governo, Jude Celéstin, somou 22,48% e o músico popular Michel Martelly (foto) teve 21,84%. Na nova contagem divulgada pela AP, Manigat teria 31,6%; Martelly, 22,2%; e Celéstin, 21,9%.
O poder que vem de fora
Apesar da incerteza política que o país enfrenta, o clima nas ruas é de tranquilidade, avalia o embaixador brasileiro, que ocupa o posto desde fevereiro de 2008. Mas essa opinião não é compartilhada por alguns observadores internacionais.
"É verdade que os haitianos estão esperando para ver o que vai acontecer, mas eu não diria que a situação está calma. Há muita tensão, não calmaria. Ainda há um clima tenso, as pessoas querem saber o que vai acontecer com as eleições e se importam muito, mesmo quem não votou. Elas se preocupam em saber quem irá administrar o país. Mas há, provavelmente, uma apatia, já que acham que não podem controlar o que vai acontecer", analisa a advogada norte-americana Nicole Phillips, observadora das eleições.
Concannon tem uma resposta rápida para os motivos que levam os haitianos a ter essa sensação de apatia. "Há o interesse dos governantes em se perpetuar no poder, tanto no Parlamento como na Presidência. Por trás disso há a comunidade internacional, incluindo os Estados Unidos, as Nações Unidas e a OEA, que gosta do governo atual e está feliz de ele permanecer."
Segundo Concannon, a comunidade internacional gosta do atual presidente, René Préval, porque ele permite que ela tenha uma presença forte no Haiti. "E muitos eleitores haitianos não gostam dessa escolha política, eles gostariam de ver um governo mais forte, assumindo mais responsabilidades. E claro que há razões que levam a ONU e os Estados Unidos a pensar que devam ter um papel importante, mas isso tem que ser decidido pelo povo haitiano."
O embaixador brasileiro discorda que haveria interesses obscuros em jogo. "Acho que a informação não procede. Nós não temos, falando em nome do Brasil, nenhuma preferência. Temos relações excelentes com todos os candidatos, pelos menos relações ótimas com os seis primeiros colocados nas avaliações preliminares. Então essa afirmação não procede."
Tragédia nas ruas
Phillips, que também é diretora da Escola de Direito da Universidade de São Francisco, nos Estados Unidos, diz que uma cena por ela presenciada no dia da eleição resume a situação do país. "Num dos maiores locais de votação de Porto Príncipe, onde mais de 20 mil pessoas votariam, havia um hospital do outro lado da rua. E havia o corpo de uma mulher na calçada, a mulher havia morrido de cólera. O corpo estava ali há dois dias, e todos sabiam. Ninguém carregou o corpo. Ela havia tentado tratamento no hospital, mas não foi admitida."
E no país onde cerca de 80% da população está desempregada e quase um terço da população ainda reside em acampamentos improvisados e depende de ajuda humanitária, o Executivo não tem os mesmos poderes que um governo normalmente teria.
"Afinal, esse é um país que tem uma missão de paz da ONU há quase sete anos, apesar de não ser um país em guerra. Então as Nações Unidas exercem funções de soberania que um governo normalmente teria. E desde o terremoto há uma Comissão Interministerial para a Reconstrução, então a soberania haitiana e as funções do governo são limitadas, e isso também foi comprovado nessas eleições", analisa Concannon.
Para Phillips, os Estados Unidos carregam uma parcela de culpa por esse cenário trágico. Ela sustenta que a interferência dos Estados Unidos no Haiti minou a independência econômica e política do país caribenho. "Todos dizem que o Haiti é uma bagunça, é problemático. Mas a política dos Estados Unidos no Haiti sempre contribuiu para isso."
Concannon prevê ainda que, com o aval dos Estados Unidos, uma eleição mal conduzida pode levar a quatro anos de sérios problemas. "A comunidade internacional está arriscando muito ao impor um governo que a população pode não aceitar, e isso poderia levar a quatro anos de perturbações civis. E isso pode colocar em risco todo o projeto de reconstrução."
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Indefinição política marca o Haiti um ano após o terremoto - Instituto Humanitas Unisinos - IHU