Por: Jonas | 19 Agosto 2014
Said Bouamama, sociólogo especializado em questões de imigração, discriminações e processos de dominação, bem como animador do Coletivo Manouchian, acaba de publicar o livro “Figures de la Révolution Africaine (de Kenyata à Sankara)" (Editions La Découverte, 2014). Em entrevista, afirma que “não há capitalismo, por um lado, e colonialismo de outro, mas, sim, são as faces de um mesmo processo. O desaparecimento do colonialismo significa, a curto prazo, uma crise mortal para o capitalismo. Do mesmo modo, o fim do capitalismo significa o desaparecimento do colonialismo”.
A entrevista é de Rouge Midi, publicada por Rebelión, 18-08-2014. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
Como surgiu a ideia de seu livro “Figures de la Révolution Africaine (de Kenyata à Sankara)”?
Este livro nasceu de uma dupla observação. Todos os ativistas progressistas na África, todos os ativistas sindicais, todos os atores das lutas sociais sabem mais ou menos profundamente quem foram os pensadores e os atores europeus ou ocidentais das lutas pela emancipação. No entanto, na Europa, e em especial na França, os pensadores e atores africanos da revolução não são conhecidos. Devemos nos questionar sobre as causas e consequências desta ignorância.
Junto a essa dupla observação, é preciso acrescentar outra, que é a situação do continente africano hoje em dia. A África, ao ser dependente economicamente, saqueada em seus recursos minerais e energéticos, desestabilizada por golpes e intervenções militares teledirigidas a partir das capitais ocidentais, etc..., está seguindo o caminho contrário, pelo qual combateram Nkrumah, Fanon, Ben Barka, Sankara e outros como ele. Ou seja, às vezes, o futuro exige o dever de tirar as lições do passado. Pois bem, justamente o período da luta anticolonial foi um período de intensa reflexão e mobilização para construir uma alternativa à situação atual. Conhecer esse período, suas figuras, suas esperanças e suas teorias, permite que surjam as questões de hoje em dia, seja na África (a necessidade das lutas radicais para romper com o sistema imperialista), como aqui (a necessidade de romper com as mentalidades coloniais que persistem muito tempo depois do fim do colonialismo direto).
Conhecer esse período e seus combatentes também implica em ter consciência do fato de que a história mundial é única, desde os inícios da escravidão até hoje em dia. A diminuição das lutas anticoloniais e anti-imperialistas é, por sua vez, uma causa e uma consequência da diminuição das esperanças de transformação revolucionária na Europa e no mundo, e vice-versa. O capitalismo nasceu sob a condição de destruir civilizações ameríndias e estabelecer a barbárie da escravidão. Não pode desaparecer, a não ser com o desaparecimento da exploração dos países chamados de “terceiro mundo”, o que permite lucros extras, como dizia Lenin, com os quais adormece os povos dos países imperialistas mediante as migalhas (por certo, cada vez menores pela atual crise sistêmica). Além disso, se o internacionalismo é tão frágil na França, precisamente se deve ao desconhecimento pelos ativistas europeus daquela magnífica epopeia dos combatentes africanos.
Pode-se dizer que hoje o colonialismo está morto?
O colonialismo não é senão a extensão às colônias das relações capitalistas. Portanto, não pode morrer enquanto subsistir o capitalismo. No entanto, pode mudar de forma ao passar de uma dominação direta (o colonialismo clássico) para uma forma indireta (o neocolonialismo). Por outro lado, a existência hoje em dia dos países emergentes, e em particular da China, oferece novas oportunidades comerciais, de desenvolvimento nos países africanos e, em geral, em todas as antigas colônias. Isto é inaceitável para as potências imperialistas que reagem multiplicando os golpes de Estado e as novas guerras coloniais. Bloquear o acesso da China aos recursos, aos mercados ou à cooperação é a verdadeira causa das guerras, as repartições (como no Sudão) e a desestabilização. Longe de estar morto, o colonialismo conhece, ao contrário, uma segunda juventude com a crise sistêmica do capitalismo.
Como destacava Frantz Fanon, em 1961, o colonialismo nunca retrocede, vê-se obrigado a se retirar ou a se manter, estando disposto a uma arrumação. Sem a exploração dos países africanos, o capitalismo não é economicamente viável. Não há capitalismo, por um lado, e colonialismo de outro, mas, sim, são as faces de um mesmo processo. O desaparecimento do colonialismo significa, a curto prazo, uma crise mortal para o capitalismo. Do mesmo modo, o fim do capitalismo significa o desaparecimento do colonialismo.
Há um pan-africanismo do século XXI?
As figuras revolucionárias descritas no livro são especialmente populares na África, o que significa uma consciência embrionária da necessidade do pan-africanismo. Todo o período abordado no livro é a história de uma tomada de consciência de que um verdadeiro desenvolvimento autônomo, ou seja, que responda às necessidades populares, significa que a emancipação nacional deve ser pensada em um marco pan-africano. Dar esse passo é o que permite as complementaridades econômicas, bases de acumulações e as solidariedades militares, sem as quais todas as tentativas de rupturas revolucionárias são vencidas imediatamente (mediante o assassinato, a intervenção militar, fomentando golpes de estado, etc). Portanto, existe uma necessidade objetiva do pan-africanismo.
A experiência da ALBA confirma amplamente essa necessidade positiva, ao mostrar a possibilidade de uma oposição vitoriosa ao imperialismo mediante uma dinâmica regional. Essa necessidade objetiva de pan-africanismo não obtém, no momento, respostas de tipo organizativo. Porém, sejamos materialistas: a necessidade objetiva suscita inevitavelmente, a menor ou maior prazo, uma resposta subjetiva e organizativa.
Porém, isso é um assunto do povo africano. O que devemos ter presente, aqui, é nossa capacidade para desenvolver uma consciência anticolonial e internacionalista, com o objetivo de resistir as sabotagens das dinâmicas de lutas nacionais, regionais e continentais que inevitavelmente nascerão na África. Não é preciso dizer que na França, hoje, encontramo-nos no grau zero do internacionalismo, conforme demostra a ausência de fortes reações às novas guerras coloniais (e inclusive o apoio a estas sob pretextos humanitários).
Deixando de lado o tema da África (sem abandoná-lo realmente)..., você assinou o chamado a (re)construir. Pode nos dizer por que e o que lhe motivou nesse chamado?
Como dizia antes, a história do mundo se tornou única desde o nascimento do capitalismo e a extensão da escravidão, depois do colonialismo e do neocolonialismo para todo o planeta. Para mim é essencial atuar para que reapareça, aqui, uma força capaz de conceber o internacionalismo como parte integrante da luta contra o capitalismo. Pois bem, os únicos momentos em que existiu esse internacionalismo na França (de maneira insuficiente e inadequada, não o bastante duradoura, seja por razões de chauvinismo no próprio interior do movimento operário ou de alianças com os socialistas) foram sob a bandeira do comunismo. Também foi historicamente o discurso claro e consequente da Internacional Comunista, nos anos 20 do século passado, o que expressou claramente a relação entre o combate anticapitalista e anticolonial. Por essas razões, necessitamos que a expressão comunista volte a se desenvolver na França depois de todas essas retratações das últimas décadas.
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“O colonialismo não pode morrer enquanto subsistir o capitalismo” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU