Por: Cesar Sanson | 13 Agosto 2014
A relação entre trabalhadores e empresas do setor de mineração, que atuam em uma lógica transnacional de escoamento de minérios extraídos de países em desenvolvimento, é uma das maiores batalhas no mundo do trabalho atualmente. Acirrada, sem dúvida. Mas bastante desigual. É o que ressaltam movimentos sociais de nações do hemisfério Sul, que denunciam a aliança das grandes corporações do setor com governos locais, excluindo, porém, a maior parte das populações das decisões.
A reportagem e entrevista é de Camila Nobrega e publicada por Canal Ibase, 12-08-2014.
Em busca de alternativas que possam ultrapassar esse somatório de interesses, entidades da sociedade civil buscam formas de construir redes de resistência internacionais. Foi com esse objetivo que o sindicalista Joseph Mathunjwa, presidente da Associação dos Sindicatos de Mineiros e Trabalhadores da Construção da África do Sul, desembarcou em Fortaleza no mês de julho, para acompanhar a Cúpula paralela dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), organizada pela Rede Brasileira pela Integração dos Povos. Enquanto os chefes de Estado estavam reunidos para a criação de um banco comum, líderes de organizações da sociedade debatiam problemas e soluções para melhores condições de vida das populações.
Joseph Mathunjwa está à frente de uma situação que se estende há quase dois anos na África do Sul, cujo ápice ocorreu em agosto de 2012, com a morte de 34 mineiros. A situação ficou conhecida como o Massacre de Marikana. Após meses de greves e conflitos entre trabalhadores e patrões, em 16 de agosto de 2012, a polícia sul-africana reprimiu os empregados em greve do grupo britânico Lonmin, abrindo fogo contra a multidão na mina de platina de Marikana, a 100 km de Joanesburgo (norte).
Até hoje, muitas perguntas continuam sem resposta e pouca coisa mudou na vida dos trabalhadores do setor da mineração no país. Logo depois do episódio, uma comissão que investigava o caso acusou a polícia sul-africana de ocultar provas importantes e dar depoimentos falsos. A principal questão que Comissão se propôs a responder era se a polícia tinha razão em dizer que agiu em legítima defesa, quando atirou contra os mineiros. As evidências mostram, no entanto, que não. Ninguém foi punido até hoje. Seguiram-se mais greves e conflitos e houve um acordo de aumento salarial de 1.000 rands (US$ 94) por mês por um período de três anos, após cinco meses de paralisações. O avanço, no entanto, é muito menor do que o crescimento do poderio das corporações. É o que explica Joseph Mathunjwa na entrevista em que o sindicalista se mostra completamente descrente sobre os BRICS: “Minha aposta (sobre os BRICS) é que a África do Sul vai dar riqueza mineral e mão de obra barata. Em troca, alguns políticos e companhias serão beneficiados. Mas a nação não.”
Eis a entrevista.
Como está a situação neste momento, dois anos depois do massacre em Marikana?
Depois do massacre da Lonmin, que muita gente chama de Massacre de Marikana, não houve muita mudança. Isso fica evidente inclusive pelo fato de que acabamos de ter outra greve. Está claro que as corporações não estão preparadas para avançar no diálogo e melhorar a situação dos trabalhadores, com novos padrões de trabalho e de qualidade de vida. Nós conseguimos um aumento de mil rands. Isso é histórico na África do Sul. Mas ainda temos um imenso abismo salarial, porque, durante toda a época do Apartheid, seu salário era definido de acordo com sua cor de pele.
Quantos trabalhadores há hoje no setor de mineração da África do Sul?
São cerca de 400 mil pessoas em todo o país.
Quais são os principais problemas enfrentados por esta classe?
Além das péssimas condições de trabalho nas minas, expondo as pessoas a atividades de risco, pesadas e muitas vezes com possibilidades desenvolvimento de doenças crônicas, há impactos em toda a comunidade. As corporações se instalam e não melhoram as comunidades, nada é pensado levando em conta a vida das pessoas ali. Há também fortes impactos ambientais. No caso da Lonmim, por exemplo, eles operam sem licenças para uso da água e outros recursos. Têm permissão para descumprir claramente a lei. Isso ocorre porque os donos das empresas estão conectados com as lideranças políticas do país.
Há uma outra dificuldade política, desde que ex-dirigentes do sindicato que era mais atuante na causa aceitaram cargos no governo, certo?
Sim. Hoje eles fazem parte do governo. Esses arranjos de lideranças políticas definem a história da mineração no nosso país. O Departamento de Recursos Minerais teoricamente controla o setor, concede as licenças e etc. Temos boas leis na África do Sul que poderiam amparar estes órgãos. Mas na prática não é o que acontece. Está sendo debatida uma nova legislação cujo nome é “Black Economic Empowerment and Mining”, que daria novos parâmetros. É um grande desafio implementar as leis que já estão prontas. Existe o Mining Petroleum Development Act, mas ele não é implementado. O que estamos vivendo é uma outra forma de colonização. As empresas apenas chegam, pegam a riqueza e deixam a comunidade lidando com os impactos causados por elas.
Em meio a este cenário, qual sua avaliação sobre os BRICS e a criação deste novo banco?
Para responder, temos que pensar na história. Você lembra quando falavam do grande ônibus rumo à estação da globalização? Nos diziam que ela seria muito boa para todos, facilitaria a vida, os contatos, daria livre acesso às relações comerciais e diminuiria até as desigualdades. Mas, passada a euforia inicial, veja o que aconteceu. As grandes companhias embarcaram sozinhas e ganharam. Esses caras da globalização decidem como e quando a gente cresce. Agora surge uma nova promessa, os BRICS, que acabam de criar seu próprio banco. Perceba que, quando este grupo foi criado, a África do Sul nem era parte dele. No último minuto, perceberam: não podemos ir à frente na África sem eles. Nações e empresas multinacionais têm grandes ambições na África. Como a África do Sul tem estabilidade econômica e grande tolerância ao capitalismo, é o parceiro perfeito. O que a África do Sul vai ganhar? Minha aposta é que vamos dar riqueza natural, como minérios, e mão de obra barata, a dupla perfeita. E em troca alguns políticos e companhias serão beneficiados. Mas a nação não.
O Brasil também compartilhou de uma outra promessa também feita à África do Sul: a Copa do Mundo. Houve algum legado para a população?
Prometeram grandes projetos para o desenvolvimento do país e um avanço grande em sustentabilidade. O que temos hoje são estádios inúteis. Não os utilizamos. E parte dos altos gastos com manutenção são pagos do nosso bolso, com nossos impostos. Além disso, a Copa foi linda para a elite que pôde pagar. A maior parte do país vive muito distante desse luxo. As melhores condições de vida estão disponíveis apenas para a elite em Johanesburgo e na Cidade do Cabo. A maior parte da cidade do país vive em condições muito abaixo. Isso é outra coisa que os BRICS não levam em conta, a desigualdade entre as regiões, nada disso está em debate. Os Brics, para mim, são outra forma de colonização no século XXI. Serão um novo veículo de exploração da África.
Essa é a grande crítica dos representantes africanos, até porque os BRICS têm interesse em várias nações africanas, certo?
Sim. E a sociedade não está sendo envolvida. Não há processos de consulta pública. Que desenvolvimento eles estão trazendo? O que a comunidade ganha? Baseado em quais modelos? Ninguém nos perguntou, nem nos respondeu. É a mesma lógica, com uma nova roupagem de cooperação do hemisfério Sul. É uma nova forma para velhas explorações. Por conta da mineração, as pessoas estão sendo retiradas de seus territórios. Famílias estão sendo destruídas. Trabalhadores veem suas famílias cerca de quatro vezes por ano. As corporações não estão preparadas para desenvolver estas comunidades. E nem deviam ser responsáveis por isso.
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“BRICS são nova forma de explorar a África” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU