06 Abril 2022
"Um Brasil Brasileiro, cadinho de varias nações, herdado dos índios e regado pela seiva de nossa Mãe África. O lugar da pátria somos nós. O Bem Comum é a nossa Pátria", Maria Carpi, poeta e autora do livro O que está por vir (AGE), em artigo enviado pela autora ao Instituto Humanitas Unisinos - IHU.
Essa palavra que soa nos corações humanos estaria alicerçada no direito positivo ou natural? Seria a nacionalidade um jus solis ou jus sanguinis, o direito do solo ou advindo do sangue? O sangue que herdamos de nossos pais vale mais do que a terra onde deitamos raízes?
Nós construímos a pátria dos nossos sonhos?
Sim, pátria é a prosa e a poesia da existência.
A viagem de Ulisses, herói de Homero, é um eterno retorno à pátria.
Quando o poeta Fernando Pessoa, nascido em Portugal, afirma “a minha Pátria é a Língua Portuguesa”, estaria criando a eucaristia da palavra? E Tolstoi, que nunca saiu de sua aldeia, teria por pátria todo o continente? E os ciganos, sempre erguendo tendas com tachos e violinos, teriam por pátria todo o globo terrestre?
Sem falar em Verdi, que ergue sua pátria com o hino do “Va pensiero” que é cantado por todos os exilados da história.
E Dante, expulso de Florença, ingressando na melhor Poesia, teria concluído: “minha pátria é o mundo”.
E qual a pátria do desamparo radical dos holocaustos?
Os genocídios não têm prescrição, sendo o povo escolhido da memória pátria. E haveria ainda nos corações de todos os refugiados do vasto mundo, um resíduo, um meandro, uma migalha da Atlântida submersa nas águas do esquecimento, a ser desvelada? Uma pátria em eclipse.
Penso que “terra da promessa” de Abraão é a terra da utopia, sempre à nossa frente, nascida e fortalecida pelos passos. Ela nasce e renasce com o nosso compromisso de exercermos um humanismo que melhor erga o rosto de sermos pessoas.
Quem mais me ensinou a amar o Brasil, com a escolha diária da democracia, foi meu pai Carpi, um brasileiro nascido na Itália.
Lembro Sófocles quando a lei da polis grega é ultrapassada pela lei do coração de Antígona. E quantos passos mais seriam necessários para alcançar a República idealizada por Platão?
Fratricídios até chegar à Democracia, com sociedades regidas por cartas constitucionais, poderes organizados e eleição popular dos governantes. Não mais os súditos de um rei ou escravos da tirania, mas cidadãos de uma nação. Pátria nunca será uma ilha isolada dos demais países, e para a cidadania ser plena também haveremos de ser cidadãos do mundo. A morada da cidadania não se fecha em muralhas e sempre terá as portas abertas.
Caminhar na escolha de uma pátria solidária vai além dos privilégios e das corporações de grupos, ao arrepio de critérios do mais valia e exclusão das periferias sociais. Essa tomada de posição do sujeito coletivo – que devemos ensinar a nossos filhos – é fruto da responsabilidade pessoal e social, mais do que um imperativo categórico de Kant ou uma imposição das leis, através da ética comunitária ou a ética da alteridade de Lévinas, que enobrece o mundo jurídico, compartilhando os bens da terra, com iguais direitos e deveres. Quando a pátria, sendo escolha, torna-se também acolhimento. E estabelece prioritariamente os direitos do ser humano, além da existência legal de carimbos e registros.
Já vi pássaros: um roubando o ninho do outro. Já vi pássaros: um não deixando o outro beber da mesma água, igual ao proceder de alguns homens apátridas. Com a ausência da pátria comum, somos todos estrangeiros.
Vamos aprender a dialogar. Diálogo não é um solilóquio. Se no Livro dos Juízes o poeta da Bíblia escuta até as árvores dialogarem, por que não dialogamos para o melhor consenso pátrio? Em todas as religiões, há a busca da pátria celeste. Mas todas concordam que esta será o translado de tudo o que fizermos no aqui e agora, em nossa existência terrestre.
Um Brasil Brasileiro, cadinho de varias nações, herdado dos índios e regado pela seiva de nossa Mãe África. O lugar da pátria somos nós.
O Bem Comum é a nossa Pátria.
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