29 Janeiro 2018
A crise ecológica, a crise migratória, os desvios da economia sem regras ou os progressos tecnológicos exigem que se repense um novo humanismo, se não quisermos que ele se pareça a um ideal distante e desconectado das realidades do mundo.
A reportagem é de Béatrice Bouniol, publicada por La Croix, 26-01-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
No dia 17 de janeiro passado, intelectuais franceses interpelavam o presidente da República francesa em um artigo intitulado: “Sua política migratória está em contradição com o humanismo que o senhor apoia!”.
Com essas palavras, eles enfatizavam um dos maiores desafios levantados ao humanista contemporâneo. Herdeiro daqueles que, a partir do século XIV na Europa, propuseram ao mundo um projeto de emancipação, ele continua ligado à ideia de um ser humano que toma nas mãos o próprio destino e se esforça para construir uma sociedade justa.
Mas as crises, a migratória e a ecológica, o neoliberalismo ou ainda as novas tecnologias abalam muito fortemente os valores desse humanismo que obrigam a retornar à questão fundamental: o que é uma vida humana?
De todos os desafios atuais, é aquela que se choca com a promessa central do humanismo: a igual dignidade de cada ser humano. Ainda no século XVI, como observa o historiador Olivier Christin, os humanistas refletiam sobre essa “humanidade comum” em um contexto de globalização.
“Na era moderna, a Europa conheceu grandes migrações – a dos judeus espanhóis, depois a dos huguenotes franceses – enquanto as grandes descobertas a questionam sobre a diversidade cultural”, explica o historiador. “A esses numerosos debates, o Iluminismo deu uma resposta: somos solidários com todos os seres humanos, mesmo à distância.”
No seu rastro, alguns propõem hoje a necessidade de separar os direitos fundamentais da humanidade da cidadania; outros propõem estender esta última a uma “cidadania mundial”.
A crise migratória, como prova primária do humanismo, lembra a sua fragilidade histórica. “Como a única relação ética com o outro é a da ajuda e do cuidado, que fazem referência à mortalidade e à vulnerabilidade de todos, é preciso admitir que continuamos negociando sobre esse princípio que não deveria estar sob nenhuma condição”, lembra o filósofo Marc Crépon, que propôs a noção de “consenso homicida” para definir a aceitação da violência.
“Um humanismo que queira evitar toda forma de tranquilidade de consciência deve começar reconhecendo essa falha”, acrescenta, “e inventar caminhos de sair da passividade. Fazem parte disso a revolta, a crítica aos discursos niilistas, assim como todo gesto de bondade.”
A ideia do homem como medida de tudo, separado do ambiente, durou muito tempo. Os efeitos destrutivos do seu modo de vida no planeta e sobre os outros seres vivos evidenciam as lacunas de um humanismo que organizava a separação das ciências humanas das ciências naturais nos séculos XVI e XVII.
O aquecimento climático e o sofrimento animal obrigam a romper com uma concepção do humano como simples liberdade, “hors-sol”, desconectada da realidade ambiental, de acordo com o vocabulário atual.
A crise ecológica impõe “uma reflexão sobre os nossos limites e sobre os nossos direitos”, confirma Corine Pelluchon, que lançou pela editora Seuil o livro Éthique de la considération [Ética da consideração]. “Essa reflexão abre a um novo humanismo que engloba as gerações futuras e os outros seres vivos, que insiste na liberdade, mas também na materialidade da existência e na vulnerabilidade. Dentro do pensamento humanista clássico, minha liberdade era limitada pela dos outros; a lei a garantia. Atualmente, também devemos aceitar autolimitar o nosso consumo para preservar o mundo comum.”
A herança humanista não deve ser rejeitada, mas completada: o ser humano é também aquele que, levando em consideração seu ambiente, desenvolve o senso de medida.
Concentração de riquezas, precarização, sofrimento no trabalho... Na época da desregulamentação mundial, a questão humanista ressoa de forma diferente: o que é uma vida boa e livre? “Não é aquela que se esgota na sobrevivência ou no consumo, não é aquela de uma pessoa reduzida a uma variável de adaptação de uma programação de produção”, lista Olivier Christin. “A brutalidade econômica atual repropõe a pergunta sobre a realização, o valor e a finalidade de uma vida humana.”
Do mesmo modo, lança novamente a reflexão sobre o nosso projeto de sociedade. O humanismo hoje passa por uma vontade política, porque “o Estado deve reafirmar sua missão, que consiste em organizar a sociedade para a justiça e para a paz, e não para o lucro de alguns”, insiste Corine Pelluchon.
“A ideologia que leva a esquecer o valor dos seres e destrói o sentido do trabalho tem um nome: economicismo. É uma ideologia que impregna também as mentalidades. Reafirmar o humanismo, buscar um projeto de emancipação que subtraia o ser humano da dominação do desempenho e da mercantilização, é o único modo de preservar a democracia.”
Um programa resume por si só a amplitude dos desafios levantados pelas novas tecnologias: o transumanismo, que visa a aumentar as características físicas e mentais do ser humano para superar seus limites biológicos.
Os avanços tecnológicos que, assim, põem novamente em discussão “a própria delimitação da pessoa humana convocam um enorme investimento dos humanistas que não se preocupam apenas com as possibilidades da ciência”, alarma-se Olivier Christin.
Tais progressos exigem que se debata sobre a liberdade, que não consiste, lembra ainda Corine Pelluchon, “em fazer tudo o que é possível, mas sim em orientar o progresso em função dos bens que escolhemos honrar e daquilo que nos recusamos a ver acontecer”.
O que desejamos, como queremos nos definir como seres humanos? Essas são as perguntas que também são levantadas pelas tecnologias digitais, afirma a teóloga Gemma Serrano, diretora do departamento de “Humanismo Digital” no Collège des Bernardins.
“Não nos encontramos diante de novos instrumentos. Estamos imersos em uma nova cultura que também traz consigo um ideal de compartilhamento e de colaboração”, especifica. “Essa imersão não é necessariamente negativa, contanto que mantenhamos uma capacidade de análise e de ação. Não somos apenas influenciados por essa nova cultura digital, mas também participamos ativamente da sua construção.”
Como nos tempos das Luzes, a educação, portanto, deve estar no centro das nossas preocupações. “Não é oportuno que equipemos intelectualmente as pessoas. Devemos também levá-las a afirmarem sua autonomia moral e a se humanizarem desenvolvendo certas disposições morais”, conclui Corine Pelluchon. “Na realidade, não se trata apenas de saber que mundo queremos deixar aos nossos filhos, mas também de que filhos deixaremos ao mundo.”
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Os quatro desafios do humanismo contemporâneo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU