31 Março 2022
Ele passou anos escrevendo sobre política ucraniana, sobre a revolução Euromaidan de 2014 no país e sobre a confusa interseção de protestos, movimentos sociais, revolução e nacionalismo.
Volodymyr Ishchenko é sociólogo e pesquisador associado do Instituto de Estudos do Leste Europeu, Freie Universität Berlin. Ele está trabalhando em um livro coletivo The Maidan Uprising: Mobilization, Radicalization and Revolution in Ukraine, 2013-2014.
A entrevista com Volodymyr Ishchenko é editada por Francesca Mannocchi, publicada por La Stampa, 30-03-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Você estuda os movimentos políticos ucranianos há anos assim como analisa há anos os efeitos da Euromaidan, ficou surpreso com a invasão?
Sim, bastante. A maioria dos especialistas considerava a invasão em ampla escala o cenário mais improvável, devido aos grandes riscos para a economia russa e porque era previsível que os ucranianos não teriam se rendido facilmente. Portanto, ainda permanece a dúvida sobre o motivo pelo qual Putin optou pela guerra.
Foi um grande erro ou parte de um plano que veremos se realizar?
O mais provável era o reconhecimento das repúblicas de Donetsk e Lugansk em 21 de fevereiro e depois uma lenta estratégia de desestabilização da Ucrânia, com escaladas locais. Mas certamente não o que aconteceu em 24 de fevereiro. Então sim, me surpreendeu, foi um choque.
O Ocidente está apoiando o exército ucraniano, quais são os riscos de enviar armas para a Ucrânia?
No início, sobretudo, o envio das armas foi um fator positivo para ajudar a reduzir as pretensões russas. Mas a verdadeira questão é: a estratégia ocidental é baseada apenas em sanções e envio de armas, sem mediar ativamente para obter um acordo de paz? Se for assim, isso apenas prolongará a guerra. E isso significa que mais ucranianos morrerão, outras cidades ucranianas serão destruídas, assim como a economia ucraniana será destruída. Também é necessário entender que Putin investiu tudo nesta guerra e não aceitará perder, recorrendo à ameaça nuclear, como já fez.
Uma preocupação é com quem ficarão todas essas armas quando a guerra acabar?
As armas poderiam acabar nas mãos de grupos radicais, mercenários, criminosos. Se a guerra continuar por meses ou anos, é cada vez mais provável que a Ucrânia possa se transformar em um país semelhante ao Afeganistão: um estado falido em que a resistência estará nas mãos de movimentos radicais.
Considera possível que a Ucrânia possa ser dividida em duas esferas de influência?
É um dos cenários possíveis, claro. Depende dos resultados da guerra, do que acontecerá no campo de batalha. Se a Rússia ocupar grandes porções de território no sul e no leste, será possível que proclamem uma área sob seu próprio controle e, assim, os ucranianos seriam divididos em duas partes muito diferentes.
Nos últimos dias, o governo ucraniano também tomou algumas decisões sobre as quais eu vou lhe pedir uma reflexão: a suspensão de vários partidos políticos, partidos de oposição dentro da Ucrânia, incluindo a Plataforma de Oposição – For Life, que obteve 10% dos parlamentares, e também a fusão de todos os canais de televisão nacionais em um, para criar o que o governo chama de uma "política da informação unificada".
A decisão sobre a mídia obriga algumas redes a transmitir programas pró-governo, unificando a política de informação e limitando as críticas da oposição. Quanto à suspensão dos partidos de oposição, são partidos que pertencem a segmentos políticos opostos.
Eles são considerados partidos pró-Rússia, embora sejam ideologicamente muito diferentes e tenham relações distintas com a Rússia. Três desses partidos não eram marginais, participaram das eleições de 2019 obtendo juntos um total de 18% dos votos. Uma minoria significativa votou neles e agora eles foram suspensos, embora tenham condenado a invasão russa, apoiam as atividades humanitárias ou até mesmo convocaram seus membros para se juntarem às forças de defesa ucranianas.
Alguns dos partidos suspensos são de esquerda. Alguns deles sempre foram fortemente pró-Rússia, mas agora são todos completamente irrelevantes. Esta suspensão não deveria ser considerada uma dinâmica normal de um país em guerra, trata-se de uma escolha sem sentido do ponto de vista da segurança. Depois da Euromaidan houve uma polarização da política ucraniana, os antigos partidos de centro foram rotulados como pró-russos porque criticaram a posição dominante na sociedade civil ucraniana - pró-ocidental, neoliberal, nacionalista.
E a mesma coisa se reflete nas tentativas do presidente Zelensky de consolidar seu poder no último ano em particular. Começou a usar regularmente o mecanismo das sanções contra partidos da oposição e as mídias da oposição. E agora os suspendeu e não se trata de uma sanção temporária, já está sendo discutindo um cancelamento permanente desses partidos.
E quais serão as consequências de tudo isso depois da guerra?
Tudo isso fará parte de uma limitação geral do pluralismo. A Ucrânia está mudando bastante, a guerra já a está mudando. Algumas posições serão muito difíceis de defender publicamente. Não se tratará apenas dos partidos cancelados, mas da definição mais geral da identidade ucraniana. Não será mais possível não distinguir entre russos e ucranianos, não se declarar diferente dos demais. Por causa da guerra, uma escolha terá que ser feita e a sociedade e a cultura do país mudarão profundamente. A Ucrânia será um país muito diferente do país onde nasci e vivi. Será mais monolítico, menos multicultural.
Uma das desculpas para a invasão russa da Ucrânia é a presença de unidades como o Batalhão Azov. Você acha que o envio de armas que acabarão nas mãos de unidades como essas possam representar uma ameaça para o futuro da Ucrânia?
Esses batalhões de extrema direita não são tão numerosos. O batalhão Azov é uma grande exceção. A maioria das unidades que lutam nas fileiras ucranianas não tem filiação política, muito menos de extrema-direita. O batalhão Azov e outras unidades de extrema direita certamente poderiam tomar posse de muitas armas durante a guerra. A questão é se eles terão a oportunidade de usá-las para outros fins que não a defesa da Ucrânia. Isso dependerá sobretudo da estabilidade das instituições ucranianas.
Como você acha que as relações da Ucrânia com o Ocidente vão evoluir?
A Ucrânia é vítima da invasão russa. Deve ser lembrado que foi Putin quem começou a guerra de qualquer maneira. É sua responsabilidade, independentemente do que estava acontecendo com a OTAN, havia outras possibilidades. Mas ele escolheu a guerra. O que restará da Ucrânia se pensarmos no cenário de partição? Certamente será uma Ucrânia mais dependente do Ocidente. Após as negociações de paz, mesmo que a Ucrânia se declarasse neutra em relação à aproximação com a OTAN, ela se veria dependente dos países mais poderosos: será uma espécie de protetorado, e a nova ordem acabará sob sua influência.
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“A Ucrânia vai acabar como o Afeganistão, um estado nas mãos do radicalismo”. Entrevista com Volodymyr Ishchenko - Instituto Humanitas Unisinos - IHU