06 Março 2022
Vereador do PT de Curitiba pode perder mandato por participar de manifestação contra o assassinato de Moïse Kabagambe e o racismo. Além de Lancellotti, pastor Ariovaldo Ramos, Leonardo Boff e Frei David saíram em defesa do parlamentar.
Padre Júlio: "Não foi contestada a fé dos que estavam dentro da igreja e nem o ato celebrativo, não foram tocados objetos considerados sagrados. Profanação é o genocídio de jovens negros". | Montagem / Redes Sociais.
A reportagem é publicada por Rede Brasil Atual - RBA, 04-03-2022.
O vereador de Curitiba Renato Freitas (PT) não profanou o espaço da Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, na capital paranaense, afirmou o padre Júlio Lancellotti. Em audiência virtual promovida na tarde desta sexta-feira (4), o pároco afirmou que “a vida humana é o espaço sagrado”.
Em 5 de fevereiro, Renato participou de manifestação contra o assassinato do congolês Moïse Kabagambe e o racismo. Uma semana depois, a Câmara de Curitiba já havia admitido quatro representações contra o parlamentar petista, por meio dos vereadores Eder Borges (PSD), Pier Petruzziello (sem partido), Pastor Marciano Alves e Osias Moraes, ambos do Republicanos, além dos advogados Lincoln Machado Domingues, Matheus Miranda Guérios e Rodrigo Jacob Cavagnari.
Um padre daquela igreja considerou que a missa que celebrava foi interrompida pela entrada dos manifestantes no templo. A Arquidiocese de Curitiba repudiou a manifestação, entendendo que houve “agressividades e ofensas”. E que a ação caracterizou profanação injuriosa, e a “lei e a livre cidadania foram agredidas”. Contudo, admitiu que, apesar do protesto, nenhum objeto da igreja foi danificado. Mesmo assim, foi registrado boletim de ocorrência no 3º Distrito Policial de Curitiba. O documento foi incluído no processo parlamentar contra Renato Freitas.
“O sagrado é a pessoa. Deus habita em nós. Não houve profanação desse espaço simbólico (a Igreja). A profanação houve com a morte de tantos jovens negros, no genocídio da juventude negra, de mulheres trans, assassinato contínuo de mulheres e crianças que estão pelas ruas e têm fome. Essa é a grande profanação. Como dizia Santo Irineu, essa é a glória de Deus: que as pessoas vivam”, disse o coordenador da Pastoral do Povo de Rua da cidade de São Paulo.
Dirigindo-se a assessores de vereadores do legislativo da capital paranaense, Lancellotti foi mais objetivo. “Ficou claro é que vocês (Renato e os demais manifestantes) não contestaram a fé dos que estavam dentro da igreja. Não tocaram em nenhum objeto considerado sagrado dentro da igreja, não contestaram nenhum momento celebrativo, não interferiram em nenhuma celebração. A profanação tem de ter autoria e materialidade. Não há o fato e nem a autoria. Não foi abreviado o culto. Nós temos de abreviar a fome. Não podemos usar nada irrelevante, falso, fabricado por ódio, racismo, amor à mentira. Isso é inaceitável.”
O diretor executivo da Educafro, Frei David, lembrou que a Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos foi construída por mãos negras para ser um espaço de luta pelos direitos do povo negro. “Se nos Estados Unidos há consciência negra é porque as igrejas negras evangélicas e católicas foram plenamente colocadas a serviço da justiça em prol do povo negro”, disse, destacando que 99% das igrejas do Rosário do Brasil estão quase que totalmente “manipuladas, omissas ou desviadas de sua função”.
“Se as igrejas foram construídas para ser espaço de libertação, fortalecimento, recuperação e empoderamento do povo negro, portanto, o ato que o povo fez em Curitiba nada mais fez do que recuperar a origem teológica, eclesiástica da Igreja dos Homens Pretos”, disse o religioso, uma das principais lideranças do movimento negro.
Para o teólogo Leonardo Boff, a igreja foi o espaço adequado para o ato contra o racismo e o assassinato de um trabalhador negro que foi cobrar o patrão devedor. “Vocês ocuparam o lugar que sempre foi de vocês. Escolheram o lugar certo. Foram protestar com a maior dignidade.”
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Curitiba. Vereador Renato Freitas não profanou igreja, diz padre Júlio Lancellotti. ‘Profano é o racismo’ - Instituto Humanitas Unisinos - IHU