15 Dezembro 2021
Em tempos de seca e privatizações, encontro propõe alternativas para democratizar o acesso à água e ao saneamento. Ignorado pela mídia, reuniu especialistas, relator da ONU e movimentos populares — e lançou a Campanha Sede Zero.
A reportagem é de Marcos Helano Montenegro, publicado por OutrasPalavras, 14-12-2021.
Realizado de 9 a 11 de dezembro, o Encontro Nacional dos Direitos Humanos à Água e ao Saneamento (ENDHAS) ocorreu durante a comemoração do Dia Internacional dos Direitos Humanos, que em 2021 marcou o 73° aniversário da proclamação pela Assembleia Geral da ONU da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
62 anos depois desta Declaração, em 2010, conquistada com o apoio explícito do Brasil, o acesso à água potável e ao esgotamento sanitário foram declarados direitos humanos pela Assembleia Geral da ONU e pelo seu Conselho de Direitos Humanos e, depois, reafirmados em 2013.
O ENDHAS teve como lema “Troca de saberes entre pesquisa, extensão e lutas sociais”, se caracterizando como um evento acadêmico e popular com espaços para diferentes formas de apresentação da pesquisa e extensão universitária e valorização das lutas populares pelos direitos humanos à água e ao saneamento.
A programação incluiu painéis discutindo temas como as lutas contra a privatização dos serviços públicos de saneamento básico, relatos de violação dos direitos humanos, a exemplo do que vem ocorrendo no Quilombo Rio dos Macacos, na Bahia. Foram realizadas dez oficinas autogestionadas construídas em parceria com movimentos que estão na luta cotidiana contra os retrocessos na realização dos direitos humanos, patrocinados pelo governo Bolsonaro, e que no campo dos direitos à água e ao esgotamento sanitário, são sintetizados pela Lei 14.026/2020.
Os participantes do evento conseguiram traçar um amplo panorama das dificuldades e ameaças à realização dos direitos humanos à água e esgotamento sanitário no país. Verificou-se que, para além das dificuldades já existentes, esses direitos vem sendo prejudicados pelos ataques que o governo Bolsonaro vem patrocinando e promovendo amplamente aos direitos humanos e às políticas públicas de caráter social, bem como pelo desmonte acelerado do Estado indutor do desenvolvimento e promotor da independência nacional. Tanto os participantes acadêmicos quanto os militantes de movimentos sociais da cidade e do campo constataram o retrocesso vivido pelos brasileiros.
A visão prevalecente foi que ao invés de priorizar e instrumentalizar a privatização dos serviços públicos de água e esgoto, a legislação federal que estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento básico deveria ser atualizada para incluir pontos que materializem na gestão destes serviços os direitos fundamentais à água potável e ao esgotamento sanitário nos termos da Resolução 64/292, de 2010, da Assembleia Geral da ONU.
Falando na abertura do evento, o Relator Especial da ONU para os Direitos à Água e ao Saneamento, Pedro Arrojo – Agudo, chamou atenção para os prejuízos a esses diretos trazidos pelos processos de mercantilização da água e privatização dos serviços públicos de saneamento básico, diminuindo a chance das populações mais pobres terem acesso a esses serviços essenciais especialmente em um país como o Brasil, marcado historicamente por injustiças e gritantes desigualdades sociais, raciais, de gênero e regionais. A privatização da prestação dos serviços de água e esgoto acarreta riscos significativos para o exercício dos direitos humanos à água e ao esgotamento sanitário especialmente em razão de três fatores da privatização que podem atuar combinados ou isoladamente: a busca pela maximização dos lucros, o caráter de monopólio natural destes serviços e o desequilíbrio de poder que pode prejudicar a defesa do interesse público.
O ENDHAS também trouxe relatos de luta e resistência nas periferias das grandes cidades, nas áreas rurais e entre indígenas e quilombolas que estimulam a seguir em frente na luta pelos direitos humanos, a água e ao saneamento, reafirmando que a realização dos direitos humanos de qualquer natureza só ocorre com mobilização e lutas coletivas fomentadas pela compreensão da necessidade de dar fim à opressão que ainda se abate sobre a maioria da população brasileira e eliminar as discriminações de raça, gênero e classe que explicam a falta de acesso ao saneamento básico em nosso país.
Na sessão de encerramento do ENDHAS, o Ondas fez o pré-lançamento da Campanha Sede Zero, que tem como objetivo chamar atenção para nove mediadas que deveriam ser implementadas pelos governos em todos os níveis, com o objetivo de que os direitos de acesso à água potável e ao esgotamento sanitário sejam assegurados a todas e todos, priorizando os que vivem em situação vulnerável.
A Campanha Sede Zero destaca que aos mais de 615 mil óbitos decorrentes da Covid-19 no Brasil se somam as consequências da crise econômica e social que lançou milhões no desemprego e reduziu significativamente a renda das famílias, especialmente das mais pobres, com consequências funestas para as condições de alimentação, saúde, educação e moradia, e para o acesso à água e ao esgotamento sanitário.
Nesta conjuntura dramática, a Campanha Sede Zero reafirma a necessidade imperiosa de:
A consecução dessas medidas em todo o território nacional deve ser prioridade de todos os três níveis de governo, com especial responsabilidade dos prestadores de serviços públicos de água e esgoto, das agências que tem por função regular a prestação de tais serviços e dos comitês de bacia hidrográfica.
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Uma resposta popular à crise hídrica - Instituto Humanitas Unisinos - IHU