22 Novembro 2021
“Não é possível derrotar o capitalismo se, ao mesmo tempo, não se constrói outro mundo, outras relações sociais. Esse outro ou novo mundo não é um lugar de chegada, mas um modo de viver que, em seu cotidiano, impede a continuidade do capitalismo”, escreve Raúl Zibechi, jornalista e analista político uruguaio, em artigo publicado por La Jornada, 19-11-2021. A tradução é do Cepat.
Por muito tempo, uma parte dos marxistas afirmou que o capitalismo tem limites estruturais e econômicos, cravados em leis que tornariam sua (auto) destruição inevitável. Essas leis são imanentes ao sistema e se relacionam com aspectos centrais do funcionamento da economia, como a lei da tendência decrescente da taxa de lucro, analisada por Marx, em O Capital.
Essa tese abriu margem para que alguns intelectuais falassem da queda do sistema, sempre em consequência de suas próprias contradições.
Mais recentemente, não poucos pensadores sustentam que o capitalismo tem limites ambientais que o levarão a se destruir ou ao menos a mudar seus aspectos mais depredadores, quando na verdade é a própria vida no planeta que possui limites e, muito em particular, a da metade pobre e humilhada de sua população.
Hoje, sabemos que o capitalismo não tem limites. Nem mesmo as revoluções puderam erradicar esse sistema já que, repetidas vezes, no seio das sociedades pós-revolucionárias se expandem relações sociais capitalistas e de dentro do Estado ressurge a classe burguesa encarregada de fazê-las prosperar.
A expropriação dos meios de produção e de troca foi, e continuará sendo, um passo central para destruir o sistema, mas, há mais de um século da revolução russa, sabemos que é insuficiente, caso não exista um controle comunitário desses meios e do poder político encarregado de administrá-los.
Também sabemos que a ação coletiva organizada (luta de classes, de gênero e de cores de pele, contra as opressões e os opressores) é decisiva para destruir o sistema, mas esta formulação também é parcial e insuficiente, embora verdadeira.
A atualização do pensamento sobre o fim do capitalismo só pode caminhar de mãos dadas com as resistências e construções dos povos, de modo muito especial dos zapatistas e curdos de Rojava, dos povos originários de diversos territórios de nossa América, mas também dos povos negros e camponeses e, em alguns casos, com o que fazemos nas periferias urbanas.
Alguns pontos parecem centrais para superar esse desafio.
O primeiro é que o capitalismo é um sistema global, que abarca todo o planeta e precisa se expandir permanentemente para não entrar em colapso. Como nos ensina Fernand Braudel, a escala foi importante na implantação do capitalismo, daí a importância da conquista da América, pois permitiu a um sistema embrionário estender suas asas.
As lutas e resistências locais são importantes, podem inclusive refrear o capitalismo nessa escala, mas para acabar com o sistema é imprescindível a aliança/coordenação com movimentos em todos os continentes. Daí a tremenda importância da Travessia pela Vida realizado pelo EZLN, nesses dias, na Europa.
O segundo é que não se destrói o sistema de uma vez para sempre, como debatemos durante o seminário O pensamento crítico frente à Hidra capitalista, em maio de 2015. Mas, aqui, há um aspecto que nos desafia profundamente: só a luta constante e permanente pode asfixiar o capitalismo. Não é cortado abruptamente, como as cabeças da Hidra, mas de outro modo.
A rigor, devemos dizer que não sabemos exatamente como acabar com o capitalismo, porque nunca se conseguiu. Mas vamos intuindo que as condições para a sua continuidade e/ou ressurgimento devem ser restringidas, submetidas a um rigoroso controle, não por um partido ou um Estado, mas pelas comunidades e povos organizados.
O terceiro ponto é que não é possível derrotar o capitalismo se, ao mesmo tempo, não se constrói outro mundo, outras relações sociais. Esse outro ou novo mundo não é um lugar de chegada, mas um modo de viver que, em seu cotidiano, impede a continuidade do capitalismo. As formas de vida, as relações sociais, os espaços que sejamos capazes de criar, devem existir de tal modo que estejam em luta permanente contra o capitalismo.
O quarto é que, enquanto existir Estado, haverá chance de que o capitalismo volte a se expandir. Contra o que prega certo pensamento, digamos progressista ou de esquerda, o Estado não é uma ferramenta neutra. Os poderes da base, que são poderes não estatais e autônomos, nascem e existem para evitar que as relações capitalistas se expandam. São, portanto, poderes por e para a luta anticapitalista.
Finalmente, o mundo novo posterior ao capitalismo não é um lugar de chegada, não é um paraíso onde se pratica o bem viver, mas um espaço de luta no qual, provavelmente, nós, povos, mulheres, dissidências e pessoas da base em geral, estaremos em melhores condições para continuar construindo mundos diversos e heterogêneos.
Penso que se paramos de lutar e de construir o novo, o capitalismo renasce, até mesmo no outro mundo. O relato do Velho Antônio que diz que a luta é como um círculo, que começa um dia, mas nunca termina, é muito atual.
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Os (supostos) limites do capitalismo. Artigo de Raúl Zibechi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU