29 Outubro 2021
"Para mitigar os danos causados pelas mudanças climáticas, o Sul do mundo deveria realizar uma multiplicidade de intervenções e investimentos nos setores mais díspares, do agrícola ao urbano, do habitacional ao hidrogeológico, num valor total anual que as Nações Unidas estimam em 300 bilhões de dólares. Soma a que deveriam ser adicionados os valores necessários à transição energética para o abandono definitivo das centrais a carvão ou petróleo e a passagem para a eletricidade proveniente de fontes renováveis", escreve o ativista italiano Francesco Gesualdi, coordenador do Centro Nuovo Modello di Sviluppo, de Vecchiano, na Itália, e um dos fundadores, junto com o Pe. Alex Zanotelli, da Rede Lilliput, em artigo publicado por Avvenire, 28-10-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Este é o valor que as nações mais ricas haviam se empenhado a pagar todos os anos aos países em desenvolvimento contra as mudanças climáticas. Empenho não atendido e muitos fundos são, na verdade, empréstimos. É o ponto sobre os recursos para o desafio ambiental prometido às populações pobres, tendo em vista a COP26 em Glasgow.
Um tema da pauta da COP26, que acontece em Glasgow, é o apoio a ser dado aos países do Sul do mundo. Já em 1992, foi reconhecido que as nações mais pobres não seriam capazes de enfrentar sozinhas os desafios impostos pelas mudanças climáticas. Reconhecimento inserido na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (Unfccc), que em um parágrafo do Artigo 4 empenha "todos os países desenvolvidos a fornecer aos países em desenvolvimento o financiamento necessário para vencer a luta contra as mudanças climáticas". Mas por um par de décadas o empenho não foi levado a sério e se limitou a pedir ao Banco Mundial, que já administrava fundos para o meio ambiente, que abrisse fundos especiais dedicados às mudanças climáticas em favor dos países mais pobres.
Em particular, três foram abertos: Special Climate Change Fund (Sccf), Least Developed Countries Fund (Ldcf) e Adaptation Fund (Af), mas com quantias bastante limitadas. Somente durante a décima sétima Conferência das Partes, realizada em Durban (África do Sul) em 2011, foi alcançado um salto de qualidade, quando foi decidida a instituição de um fundo especial para a implementação dos empenhos previstos pela Convenção sobre as Mudanças Climáticas de 1992.
O fundo, com personalidade jurídica própria, foi denominado Green Climate Fund (Gcf) e abriu seus escritórios na cidade de Incheon, na Coreia do Sul. A Conferência de Durban também foi importante porque passou a falar de datas e números, estabelecendo que até 2020 os países mais ricos teriam que aportar 100 bilhões de dólares por ano. Objetivo confirmado em 2015 durante a COP21 em Paris, com uma fórmula solene: “Os países desenvolvidos comprometem-se, até 2020, a recolher 100 bilhões de dólares anuais para serem destinados às necessidades dos países em desenvolvimento”.
Os tempos de elaboração dados são sempre bastantes longos, então só em 2022 poderemos saber o que realmente aconteceu em 2020. Mas um relatório da OCDE publicado recentemente informa que em 2019 ainda faltavam 20 bilhões de dólares na meta estabelecida. Mais precisamente, o montante arrecadado parou em 79,6 bilhões de dólares, e 36% estava na forma de cooperação bilateral, ou seja, dinheiro repassado diretamente de governo a governo; 43% administrados de forma multilateral por meio de bancos internacionais como o Banco Mundial; os restantes 21% sob a forma de investimentos privados.
Se concentrarmos nossa atenção apenas nos fundos públicos, que em 2019 somavam 61,2 bilhões de dólares, veremos que 73% foram concedidos na forma de crédito e apenas 27% na forma de doação. Isso representa um problema, considerando que, de acordo com a UNCTAD, os países em desenvolvimento já têm uma dívida externa total de 11,3 trilhões de dólares, valor bem acima do que obtêm anualmente com suas exportações. Assim, os países mais ricos não só têm de cumprir as promessas feitas em termos quantitativos, mas também têm de fazer uma escolha de campo no âmbito qualitativo. Deveriam privilegiar as ajudas sob a forma de donativos para não agravar ainda mais a situação da dívida no Sul do mundo que, no total, entre dívida pública e privada, em 2018 era de 193% do seu produto interno bruto. Um nível nunca visto antes.
As mudanças climáticas impõem um duplo desafio a todos os países do mundo: uma mudança na orientação energética para romper o vínculo com os combustíveis fósseis e a adoção de medidas para se proteger dos danos causados pelas mudanças climáticas já em curso. Dois desafios que os técnicos resumem nos termos “mitigação” e “adaptação”. As áreas do sul do mundo parecem ser as mais expostas aos danos decorrentes das mudanças climáticas, que se apresentam em algumas regiões na forma de aridez, em outras na forma de excesso de água.
Entre as áreas destinadas aos danos de aridez está a África mediterrânea e subsaariana, que já está registrando uma redução das chuvas com consequências inevitáveis na agricultura e, portanto, na segurança alimentar. Enquanto metade da população da África já vive em condições de insegurança alimentar, teme-se que as mudanças climáticas reduzirão os rendimentos agrícolas em 30% até 2050. No entanto, o aumento da população provocará o crescimento da demanda de alimentos do continente em 50%.
O Sul da Ásia é a outra área importante na qual as mudanças climáticas terão graves consequências tanto na esfera agrícola quanto social, mas por razões opostas às da África. Essa área será atingida por monções caóticas e violentas que provocarão grandes inundações e a destruição selvagem de tudo o que os ventos encontrarem em seu caminho. Paradoxalmente, esses fenômenos também produzirão escassez de água potável, porque as inundações drenarão para os rios fertilizantes e outros produtos químicos que envenenam suas águas. Contaminação agravada pela subida do nível do mar que inundará os campos com água salgada, comprometendo irremediavelmente a sua fertilidade.
As zonas de maior risco são as costas atravessadas pelos deltas. Em particular, teme-se pelo Bangladesh, um país plano e densamente povoado com um grande número de famílias ainda dependentes da agricultura. Se o nível do mar subisse 45 centímetros, como poderia acontecer caso não se conseguisse de conter o aumento da temperatura terrestre, 11% do território bengali poderia ser invadido pelo mar, com gravíssimas consequências humanas, sociais e econômicas. De acordo com algumas previsões, entre agora e 2050, as mudanças climáticas em Bangladesh poderiam forçar uma em cada sete pessoas a deixar suas casas, para um total de 18 milhões de pessoas deslocadas.
Para mitigar os danos causados pelas mudanças climáticas, o Sul do mundo deveria realizar uma multiplicidade de intervenções e investimentos nos setores mais díspares, do agrícola ao urbano, do habitacional ao hidrogeológico, num valor total anual que as Nações Unidas estimam em 300 bilhões de dólares. Soma a que deveriam ser adicionados os valores necessários à transição energética para o abandono definitivo das centrais a carvão ou petróleo e a passagem para a eletricidade proveniente de fontes renováveis. Sem esquecer, como aponta o último relatório da Agência Internacional de Energia, que no Sul do mundo ainda há 770 milhões de pessoas que não possuem energia elétrica, enquanto dois milhões e meio morrem todos os anos prematuramente devido à poluição produzida pelo carvão e querosene usado para cozinhar. Os 100 bilhões de dólares por ano prometidos pelos países ricos poderiam realmente fazer a diferença para o futuro dos povos do Sul do mundo.
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Clima, aqueles cem bilhões que podem fazer a diferença - Instituto Humanitas Unisinos - IHU