30 Setembro 2021
Cerca de três semanas antes que os prelados católicos de todo o mundo deem início a um período de consulta popular, o primeiro desse tipo, como parte de uma visão ampliada para o Sínodo dos Bispos do Vaticano, as autoridades da Igreja nos Estados Unidos ainda estão descobrindo exatamente como será esse processo.
A reportagem é de Brian Fraga, publicada em National Catholic Reporter, 29-09-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Uma série de dioceses contatadas pelo NCR nas últimas semanas disseram que ainda estavam trabalhando nos detalhes para o período de consulta e estariam em melhor posição para comentar sobre o Sínodo nas próximas semanas, depois que o Papa Francisco abrir formalmente o processo sinodal de dois anos com uma cerimônia em Roma no dia 9 de outubro.
As autoridades que concordaram com as entrevistas descreveram os planos que se baseiam em sessões de escuta paroquiais, pesquisas online, reuniões via Zoom e outros meios para obter um feedback dos leigos e leigas.
“Para mim, é uma grande oportunidade para aprender e também para os bispos de todo o mundo, para desenvolverem melhores hábitos de consulta junto ao nosso povo”, disse o bispo Christopher Coyne, de Burlington, Vermont, ao NCR.
“O que quer que surja a partir desse esforço realmente bom é algo que, mais do que qualquer outra coisa, esperançosamente nos convidará a começar a nos ver mais como uma Igreja colegial, uma Igreja na qual todos os membros têm acesso ao Espírito Santo e têm algo a dizer sobre o trabalho eclesial, enquanto nos esforçamos dentro da tradição da Igreja para viver nesta cultura”, disse Coyne.
Os Sínodos dos Bispos têm sido realizados na Igreja Católica desde 1967. No passado, eles normalmente envolviam centenas de bispos que iam a Roma por algumas semanas para discutir um determinado conjunto de temas.
Francisco anunciou em maio deste ano que expandiria o escopo do próximo sínodo, originalmente agendado para 2022. Ele adiou o encontro dos bispos no Vaticano, marcado agora para outubro de 2023, para permitir a realização de períodos de consulta em todas as dioceses locais e em nível continental.
Embora Francisco já tenha pedido anteriormente que ocorresse uma consulta local antes de outros sínodos durante o seu pontificado, nenhum processo anterior foi tão abrangente.
Todo o processo de 2021 a 2023 também se concentrará no tema da sinodalidade, o “caminhar juntos” que Francisco caracterizou como um tema central do modo como a Igreja Católica deve avançar no terceiro milênio. O título formal do processo sinodal recentemente ampliado é “Por uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão”.
“É uma oportunidade maravilhosa de viver aquilo a que o Vaticano II nos convidou há 60 anos como Igreja”, disse a Ir. Katie Eiffe, das Irmãs de São José, diretora do planejamento sinodal da Diocese de Syracuse, Nova York. Eiffe disse ao NCR que o Sínodo sobre a sinodalidade não foi pensado como “um único encontro”.
“Este é o sonho de Francisco para a Igreja, esta Igreja que envolve todo o povo de Deus, que é uma Igreja que escuta e uma Igreja que aprende. É uma imagem maravilhosa da Igreja”, disse ela.
De acordo com as instruções que o Vaticano enviou em maio passado, cada bispo dos Estados Unidos deve abrir seu processo de consulta local no dia 17 de outubro. Ele deverá coletar localmente informações de paróquias, movimentos leigos, instituições religiosas, escolas, universidades, comunidades ecumênicas e outros grupos.
O bispo, então, deverá sintetizar esses dados em um relatório de 10 páginas até abril de 2022 para ser submetido à Conferência dos Bispos dos Estados Unidos, que, assim como as Conferências Episcopais em todo o mundo, deverá transmitir um resumo do trabalho do país ao Vaticano.
Esses resumos serão usados para ajudar a criar um documento de trabalho, que será o início das discussões durante as reuniões do Sínodo continental, que ocorrerão de setembro de 2022 a março de 2023.
Um vade-mécum sobre o processo sinodal, divulgado pelo Vaticano no dia 7 de setembro, disse que o objetivo da fase local do processo “não é sobrecarregar as dioceses e as paróquias, mas integrar criativamente o Processo Sinodal na vida da Igreja local”.
“Esta fase diocesana é uma oportunidade para as paróquias e dioceses se encontrarem, experimentarem e viverem juntos o caminho sinodal, descobrindo ou desenvolvendo instrumentos e caminhos sinodais mais adequados ao seu contexto local”, disse o manual.
No entanto, parece que muitas dioceses dos Estados Unidos ainda não estão suficientemente preparadas para dar início ao seu processo de consulta local.
Vários sites de dioceses importantes em todo o país não mencionam o Sínodo em suas páginas iniciais ou em páginas dedicadas aos comunicados de imprensa, aos blogs e às colunas dos bispos em seus jornais diocesanos. Oito das 15 dioceses contatadas pelo NCR nas últimas semanas não retornaram aos e-mails ou disseram que não poderiam comentar porque ainda estavam nos estágios iniciais de planejamento. Duas outras não deram prosseguimento às mensagens iniciais sobre os convites de entrevista.
“Eu esperava um pouco mais de abertura ou de esforço no sentido de dizer: ‘Sim, estamos fazendo algo’, mas sequer vejo isso. Isso é o mais surpreendente”, disse Massimo Faggioli, teólogo da Villanova University, que tem escrito sobre a sinodalidade.
Faggioli disse ao NCR que, em muitos locais, parece que apenas os católicos que acompanham os assuntos da Igreja sabem sobre o Sínodo. Ele disse que essa tendência condiz com uma tensão geral que existe entre a sinodalidade, um desdobramento que provém do Vaticano II e que pressupõe uma certa unidade das pessoas, e a Igreja Católica nos Estados Unidos, que está fragmentada ideologicamente, com alguns bispos abertamente resistentes a Francisco e altamente clericais.
“É muito difícil explicar a sinodalidade para uma Igreja que parou de falar sobre o Vaticano II”, disse Faggioli. “Esse é um problema sério, intelectualmente.”
Natalia Imperatori-Lee, professora de Estudos Religiosos do Manhattan College e que ministra cursos sobre o Vaticano II e o catolicismo contemporâneo, disse ao NCR que há vários fatores para explicar as tensões entre a visão de Francisco sobre uma Igreja sinodal e a Igreja nos Estados Unidos. Entre eles, disse ela, está um tipo particular de clericalismo, no qual os padres acostumados ao estilo de ministério do falecido Papa João Paulo II efetivamente “são aqueles que dirigem a Igreja” no país.
“Os padres não estão acostumados a colaborar com os leigos e leigas neste país, em parte porque a forma como tentamos angariar vocações tem sido enfatizar como eles estão separados, e isso é um legado de João Paulo II e de Bento XVI, que deram continuidade a isso”, disse Imperatori-Lee.
“Não há um plano, nem do lado clerical, nem do lado laical, sobre como fazer algo tão colaborativo quanto um Sínodo”, acrescentou ela. “Se não nos vemos como iguais na fé, então há muito pouca chance de que o clero leve a sério qualquer coisa que os leigos disserem. Essa confiança fundamental, vendo uns aos outros como iguais na fé, não existe no clima clerical neste país.”
No entanto, algumas dioceses estão trabalhando no processo sinodal há algumas semanas. Em Chicago, o cardeal Blase Cupich pretende usar as estruturas arquidiocesanas que ele já usa para consulta, como o conselho presbiteral, o conselho pastoral liderado por leigos e leigas e o comitê de mulheres.
“O cardeal também incluirá as maneiras como nós normalmente consultamos as comunidades religiosas que servem à arquidiocese. Ele está tentando ser o mais abrangente possível com os grupos consultivos já existentes”, disse o Mons. Patrick Pollard, que está administrando o processo sinodal na Arquidiocese de Chicago.
Pollard disse ao NCR que o processo sinodal de Chicago começará com uma missa na Catedral do Santo Nome. A escuta e a consulta dependerão fortemente das paróquias, nas quais membros do conselho pastoral arquidiocesano e do comitê de mulheres buscarão feedback e reflexões das pessoas em suas próprias paróquias.
“Ele está ouvindo os fiéis comuns”, disse Pollard. “Você terá aqueles que são mais conservadores em seu estilo e também terá aqueles que são muito progressistas. Ele está tentando ouvir para descobrir a verdade sobre o que cada grupo está dizendo e o modo como ele avançará com essa informação. Eu acho que o Santo Padre está tentando fazer isso em todo o mundo.”
Eiffe, planejadora sinodal na Diocese de Syracuse, disse que o bispo Douglas Lucia nomeará um comitê diretor para o processo e que as sessões de escuta serão realizadas em toda a diocese.
“O objetivo do Santo Padre é que, desta vez, a consulta com o povo de Deus seja muito ampla, então essa também é a nossa esperança”, disse ela. “O convite certamente irá para muitas pessoas; certamente para as pessoas nas paróquias, mas também, como disse o Santo Padre, para as pessoas nas margens, para outras comunidades cristãs, até mesmo outras comunidades de fé. Estamos tentando seguir esse modelo.”
Patrick Schmadeke, diretor de evangelização da Diocese de Davenport, Iowa, disse ao NCR que a diocese está tentando aproveitar a tecnologia, como o Zoom para sessões de escuta online, e anunciar na mídia secular, como jornais e estações de rádio.
“Queremos espalhar por toda a parte a notícia de que a Igreja Católica está à escuta e de que queremos ouvir a sua voz”, disse Schmadeke. “Esse é o objetivo. O modo como isso será feito ainda está sendo decidido.”
Schmadeke acrescentou que a diocese espera equipar as paróquias para colocá-las em “uma boa condição” para viverem o processo sinodal em seu contexto específico, seja nos subúrbios, no centro da cidade ou na zona rural.
“Esperamos fornecer algumas sugestões para o discernimento no nível paroquial”, disse Schmadeke.
“Que tipo de dados demográficos e populações eles desejam alcançar? Em que tipo de locais eles desejam fazer as sessões de escuta? Se um evento for realizado em um salão paroquial, isso provavelmente atrairá pessoas que pertencem à paróquia e são fiéis ativos, mas isso não sairá das quatro paredes da paróquia. Queremos ser o mais criativos possível ao considerar questões como os espaços geográficos que estamos usando.”
Além de eventos de escuta em nível paroquial, Schmadeke disse que a diocese está procurando organizar três ambientes “neutros”, assim como sessões de pequenos grupos. “Queremos nos concentrar nas experiências das pessoas, garantir que as pessoas sejam ouvidas e se sintam reconhecidas”, disse ele.
Enquanto isso, na Arquidiocese de Seattle, a fase local do Sínodo dará a oportunidade de desenvolver os esforços empreendidos desde meados de 2019 para se tornar uma Igreja local mais sinodal, disse Tim Hunt, diretor executivo de planejamento e eficácia da missão da arquidiocese.
Hunt, que está gerenciando o processo sinodal na arquidiocese, disse ao NCR que o arcebispo de Seattle, Paul Etienne, estabeleceu um Escritório Arquidiocesano de Planejamento e Eficácia da Missão e nomeou um novo conselho pastoral que, nos últimos dois anos, ajudou o arcebispo a iniciar um processo de planejamento pastoral que tem enfatizado o acompanhamento, a construção do entendimento, o debate e a escuta de mão dupla.
“Sentimos que adquirimos alguma experiência real nessa jornada juntos, mas realmente estamos apenas começando essas etapas. Por isso, eu acho que Seattle está em uma boa posição para voltar a essa fase de escuta”, disse Hunt, acrescentando que, desta vez, a arquidiocese quer que as paróquias assumam a liderança nas sessões de escuta.
“O que estamos encorajando é tanto aquilo que já sabemos fazer, mas também queremos ter a certeza de que as pessoas saibam que têm liberdades criativas para fazer esse processo de escuta de modo criativo, independentemente do modo que elas achem melhor para obter o feedback, o envolvimento e a participação de todos”, disse Hunt.
Sobre a importância de os bispos escutarem e consultarem os leigos, Coyne, em Burlington, apontou para si mesmo e para outros bispos, referindo-se à polêmica sobre o plano dos bispos dos Estados Unidos de redigirem um documento sobre a “coerência eucarística”, que pode se dirigir a políticos pró-escolha como o presidente Joe Biden.
“Somos os únicos que estamos falando sobre isso, sobre o documento e sobre as implicações do documento”, disse Coyne. “Para mim, se vamos falar sobre a compreensão de nós mesmos como comunhão e sobre todos os aspectos do que isso significa, então é necessário que haja uma consulta com todos aqueles que fazem parte da Igreja, e isso inclui os leigos e leigas.”
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Francisco está pronto para abrir um processo sinodal mundial, mas as dioceses não parecem preparadas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU