25 Agosto 2021
"Os deslocamentos forçados, as invasões e as expropriações dos povos de seus territórios ocorriam sob o olhar conivente do próprio Estado brasileiro, sem possibilidade concreta de negociar ou se opor às remoções. Caso ocorra a aprovação da tese do Marco Temporal pelo STF, testemunharemos a legalização, a legitimação e a continuidade das violências que os povos sofreram até a promulgação da Constituição de 1988, em especial durante a Ditadura Militar. Ela representará a perda de direitos que foram arduamente conquistados, punirá principalmente os povos que já sofreram reiteradas violências e agravará conflitos territoriais que poderão ocasionar etnocídio e genocídio de centenas de povos indígenas", alerta a Articulação Agro é Fogo, em nota publicada em seu portal, 23-08-2021.
O Supremo Tribunal Federal está prestes a julgar um caso que será decisivo para a demarcação de Terras Indígenas e afetará todos os povos indígenas do Brasil. No centro da disputa está a tese inconstitucional do Marco Temporal, defendida pela bancada ruralista, por mineradoras e por setores do agronegócio. Essa tese já vem sendo utilizada pelo governo federal para barrar direitos desses povos que estão garantidos na Constituição, como o uso exclusivo de seus territórios de acordo com seus modos, costumes e tradições. A Articulação Agro é Fogo vem apelar aos ministros do Supremo Tribunal Federal para que neguem a tese do Marco Temporal, ressaltando seu caráter inconstitucional, e que reafirmem e defendam os direitos originários dos povos indígenas.
A tese do Marco Temporal é um dos principais instrumentos para negar direitos dos povos originários. Ela estabelece a interpretação de que os povos indígenas só teriam direito à demarcação das terras que estivessem sob sua posse no dia 5 de outubro de 1988 – data de promulgação da Constituição -, ou se até aquela data estivessem sob disputa física ou judicial comprovada. A tese do Marco Temporal vem sendo aplicada desde 2017, quando o governo de Michel Temer emitiu o Parecer 001/2017 pela Advocacia Geral da União (AGU), que obrigava todas as administrações públicas a adotarem a tese nos processos demarcatórios. Isso atrasou a demarcação de dezenas de terras indígenas e acentuou a situação de vulnerabilidade em que diversos povos estão expostos pelas ações de invasores.
A referida tese do Marco Temporal se contrapõe à “teoria do indigenato”, que reconhece o direito dos povos indígenas sobre suas terras como um direito originário, isto é, anterior ao próprio Estado. A tese do Marco Temporal ignora o fato de que, até 1988, os povos indígenas eram considerados incapazes e tutelados pelo Estado brasileiro. Assim, não tinham autonomia para lutar judicialmente por seus direitos, embora as elaborações de resistência desses povos estivessem sempre presentes.
Os deslocamentos forçados, as invasões e as expropriações dos povos de seus territórios ocorriam sob o olhar conivente do próprio Estado brasileiro, sem possibilidade concreta de negociar ou se opor às remoções. Caso ocorra a aprovação da tese do Marco Temporal pelo STF, testemunharemos a legalização, a legitimação e a continuidade das violências que os povos sofreram até a promulgação da Constituição de 1988, em especial durante a Ditadura Militar. Ela representará a perda de direitos que foram arduamente conquistados, punirá principalmente os povos que já sofreram reiteradas violências e agravará conflitos territoriais que poderão ocasionar etnocídio e genocídio de centenas de povos indígenas.
Em 2020, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin já suspendeu os efeitos do Parecer 001/2017 da AGU, e medidas que poderiam resultar em expulsão, reintegração de posses e anulamento de processos demarcatórios de dezenas de terras indígenas. Agora, o caso a ser julgado, que envolve no mérito a disputa em torno da Terra indígena Ibirama La-klãnõ do povo Xokleng, em Santa Catarina, é de repercussão geral. Isso significa que a decisão tomada nele servirá de referência para todos os outros casos que tratam sobre o tema de demarcação de Terras Indígenas.
Vivemos um momento de intensos ataques aos territórios indígenas. O Governo Bolsonaro, junto à bancada ruralista, tem mobilizado diversos instrumentos nos âmbitos do Legislativo e do Executivo para fragilizar as leis ambientais, criminalizar as lideranças do campo, da cidade e das organizações socioambientais. Essas medidas visam ao desmonte dos órgãos de fiscalização e são tentativas de barrar a demarcação e a proteção dos territórios indígenas, quilombolas, de comunidades de base camponesa e de ocupação tradicional.
Assim, a Articulação “Agro é Fogo” vem a público manifestar profunda preocupação com o julgamento desse caso. A decisão tomada terá consequências para todas as demarcações de terras dos povos indígenas no Brasil. Esperamos que o STF atue como garantidor da Constituição Federal e se posicione em favor dos povos e de seus direitos.
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Tese do marco temporal viola os direitos originais, alerta Articulação Agro é Fogo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU