16 Agosto 2021
“As forças armadas serão cada vez mais responsáveis pela crise climática, sobretudo durante essa transição hegemônica que promete gigantescas mobilizações de armas e combatentes”, escreve Raúl Zibechi, jornalista e analista político uruguaio, em artigo publicado por La Jornada, 13-08-2021. A tradução é do Cepat.
Com o clima acontece o mesmo que com quase todos os temas: transcendem os dados menores, mas os realmente importantes ficam na penumbra. Assim, por meio de abstrações, parece que nós que habitamos o planeta somos igualmente responsáveis.
Dias atrás, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas publicou seu sexto relatório. Disse que o aumento da temperatura planetária terá consequências sem precedentes, como secas, inundações e ondas de calor. O relatório registra reduções contínuas no permafrost, na neve, nas geleiras e nas camadas de gelo do Ártico.
Um dado terrível provém de especialistas que afirmam que a corrente do golfo, a principal massa marítima do Atlântico que leva água quente dos trópicos para o norte, pode entrar em colapso, pois está se enfraquecendo de forma acelerada.
Há muitos outros dados a acrescentar, porque quase todos os anos surgem análises que afirmam que o aquecimento nos conduz a vários abismos: climático, social e político. Gostaria de fazer três considerações:
1) Não tenho a menor dúvida de que os dados fornecidos são verdadeiros. No entanto, estão enviesados porque não dizem quem polui mais, onde vivem e sofrem as vítimas das mudanças climáticas. Em particular, os meios de comunicação comerciais se empenham em ocultar o que é importante.
O Pentágono é o maior consumidor institucional de petróleo e, portanto, o máximo emissor individual de gases do efeito estufa, segundo o relatório Costs of War (Custos da guerra), emitido pelo Instituto Watson, da Universidade Brown, em novembro de 2019. O dado é conhecidíssimo, mas toda vez que se emite um alerta sobre o aquecimento global, não se menciona quem são os grandes poluidores.
Com efeito, a emissão de gases do efeito estufa do Pentágono excede as de muitas nações industrializadas, como Dinamarca, Suécia e Portugal. Além disso, a guerra contra o terrorismo produziu, entre 2001 e 2018, 1,26 bilhão de toneladas métricas de gases do efeito estufa.
Um B-52 Stratofortress, o bombardeiro de longo alcance do Pentágono, em uma hora de voo, consome o mesmo tanto de combustível de um motorista de automóvel médio, em sete anos.
2) Após a divulgação desses estudos pelos grandes meios de comunicação, os políticos se mostram preocupados, os especialistas dizem algo, mas cada um segue sua vida, por isso cabe se perguntar para que servem os dados e declarações de boas intenções, se não existe a menor disposição em mudar hábitos e formas de vida.
Além disso, a população vai percebendo a realidade e, em consequência, cresce o ceticismo. Segundo a mídia hegemônica, se todos formos responsáveis e pouparmos água fechando a torneira enquanto escovamos os dentes, as coisas vão melhorar. Os gritos de angústia do homem são afogados com contos, escrevia León Felipe, há oito décadas.
Acredito que todos nós devemos ser cuidadosos com o meio ambiente. Mas promover a ideia de que a mudança climática depende de atitudes individuais é nos considerar tontos ou agir com cinismo, sabendo que não acreditamos nisso.
A Comissão Europeia, por exemplo, publicou uma tabela onde é possível consultar as emissões de gases do efeito estufa por pessoa, as de eletrodomésticos e por cada atividade, mas nunca aparecem os grandes poluidores, sobretudo se são empresas multinacionais e forças armadas, dois pilares do sistema.
3) Os governos de qualquer tendência violentam aqueles que menos poluem, que menos emitem gases do efeito estufa, que vivem na sobriedade e na simplicidade, conforme defende Carlos Taibo para o Norte, mesmo sabendo que não é mais possível porque a cultura do consumo colonizou todos os espaços-tempos.
O que causa indignação é que as autoridades fazem discursos politicamente corretos sobre o aquecimento e as mudanças climáticas, prometem como Joe Biden, mas não se movem quando lhes é dito que o Pentágono é o maior poluidor. As forças armadas serão cada vez mais responsáveis pela crise climática, sobretudo durante essa transição hegemônica que promete gigantescas mobilizações de armas e combatentes.
Mais doloroso é ver como os governos progressistas lançam seus militares e paramilitares contra aqueles que resistem às megaobras extrativistas, do Trem Maia à barragem de Belo Monte, na Amazônia. Os povos de origem maia, o povo kayapó da Amazônia e dezenas de outros povos são os que estão conservando a pouca biodiversidade sobrevivente.
Essa é a razão pela qual são atacados com total desprezo: são a ponta de lança da resistência a esse modelo de morte.
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Impunidade das forças armadas diante da crise climática. Artigo de Raúl Zibechi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU