09 Agosto 2021
O interesse, e não dos menores, do Motu Proprio Traditionis Custodes do Papa Francisco (16-07-2021) é revelar ao grande público a postura teológica de várias fraternidades e institutos Ecclesia Dei (João Paulo II, 1988), assim como de muitos sites tradicionalistas. Revelação de todas as nuances do integralismo e do fundamentalismo. É claro que esta não é uma revelação de todas as nuances do latim, já que não há mais ou menos latim, mas é a revelação de tudo o que pode ser acrescentado às missas em latim como elementos pomposos da liturgia-espetáculo, como marcadores de decoro de uma verdadeira divisão eclesial. Revelação de formas rituais que mais uma vez se tornaram o suporte e a expressão de um fundo teológico em desacordo com o da Igreja Católica, conciliar e sinodal.
A reportagem é de Alain e Aline Weidert, publicada por Baptisés.fr, 28-07-2021. A tradução é de André Langer.
Citamos quatro dessas comunidades: o Instituto Bom Pastor, a Fraternidade Sacerdotal São Pedro, a Fraternidade São Vicente Ferrer e o Instituto Cristo Rei Soberano Sacerdote (ICRSP). Os membros deste último, que são identificáveis por seus pompons azuis, de repente floresceram nas páginas do jornal La Croix. Excentricidade e anacronismo indumentário, marca exterior reveladora de uma postura teológica interior de um instituto que, em seu nome, se afirma, em última instância, ser um Cristo monarca do Antigo Regime, duplamente rei e soberano. Jesus, ao contrário, nunca quis ser coroado rei.
Eles são, sem dúvida, particularmente representativos desta corrente de contra-reforma conciliar, embora infelizmente tenham sido oficialmente integrados na Igreja Católica graças à Ecclesia Dei. Trânsfugas da Fraternidade Sacerdotal São Pio X (FSSPX), eles não queriam dar o passo de um cisma oficial, mas, em última instância, mantinham em segredo, de forma sutil, as declarações de protesto do movimento lefebvrista contra a Igreja Católica conciliar e sinodal. Eles se entregaram, de acordo com sua liturgia tridentina, a um trabalho de minar o desenvolvimento da eclesiologia e da teologia do Vaticano II. Avançam seus peões, ocupam gradualmente o terreno e os espíritos, promovidos por alguns bispos que lhes confiam “apostolados”. Aproveitamos o tempo para consultar o site deles para entender o que está em jogo em suas rivalidades com o resto da Igreja, mas também não paramos em julgamentos emocionais, do tipo: “Eles são bons crentes, nostálgicos é verdade do latim, mas que não deixam de ser uma das facetas da Igreja”.
Sociedade de Vida Apostólica de Direito Pontifício (7-10-2008), contam com 50 sacerdotes e 70 seminaristas. Eles não dizem nada frontalmente contra a missa do Concílio Vaticano II, nem contra o próprio Concílio. No seu site, vemos que eles o ignoram, não fazem referência a ele de forma alguma, como se esse Concílio simplesmente não tivesse acontecido. Todos os seus textos-chave datam de antes deste Concílio. A Igreja, para eles, deixou de existir em 1962. Certamente afirmam a quem quiser ouvir que fazem parte da Igreja Católica; mas devemos compreender e corrigir: para eles, trata-se da Igreja Católica pré-conciliar. Mentira gritante por omissão deliberada!
Quando nos aventuramos nos textos de seu site, é toda uma teologia tridentina que salta abundantemente à nossa mente. Em uma de suas revistas sobre a liturgia, La Romanité (2020, 50 páginas), tudo está centrado em um culto divino, hierárquico, sacrificial e reparador. Não há nenhuma referência ao Vaticano II, exceto três vezes e de modo passageiro: uma citação do decreto sobre a formação dos sacerdotes (Optatam Totius 16), onde se trata dos estudos teológicos que, naturalmente, “serão feitos à luz da fé, sob a conduta do Magistério da Igreja” (p. 15). Uma segunda vez, quando se trata de duas academias pontifícias “antes e depois do Vaticano II” (p. 17). Simples menção cronológica. Uma terceira vez, para afirmar que “partindo do Concílio Vaticano II, desenvolveu-se uma modalidade ‘pastoral’ de exercício da função magisterial, que é difícil de definir bem...” (p. 18). Portanto, uma função do magistério atualmente nulo e sem efeito.
Em um texto sobre La messe pontificale au faldistoire (sic) [A missa pontifícia no faldistório], que permite “manifestar o caráter hierárquico da Igreja Católica”, não confundir, segundo eles, com La messe au trône (sic) [A missa no trono], escrevem: “A riqueza do rito romano nos ajudará aqui novamente a captar a importância capital do vínculo Igreja-liturgia, tão usado pelos modernos, que Nosso Santo Padre o Papa Bento XVI, apóstolo de uma ‘hermenêutica da continuidade’, desejou fervorosamente colocar novamente no centro das atenções”. Observemos de passagem que Bento XVI nunca fala, pura e simplesmente, de uma hermenêutica da continuidade, mas antes de tudo de uma hermenêutica da reforma. Na rubrica Textos do Magistério, não encontramos nenhum texto sobre o Vaticano II. Na rubrica “Bento XVI” encontramos apenas duas menções: Carta pelo quinto aniversário da Haurietis Aquas (encíclica sobre a devoção ao Sagrado Coração) e, claro, o Motu Proprio Summorum Pontificum. Como se este papa nunca tivesse produzido outros documentos dignos de interesse! É esta a sua concepção de enriquecimento mútuo e de paz litúrgica, quando, por este silêncio eloquente, expressam uma rejeição marcante do acontecimento histórico do Concílio e de um de seus colaboradores?
Por que, segundo eles, receber a comunhão diretamente na boca? “As crianças recebem o leite do peito da mãe apenas pela boca; os adultos, pelo contrário, levam a comida à boca com as mãos. Bem, Jesus não disse: ‘Se você não mudar e se tornar adulto’, mas o contrário!” (A Santa Missa 2018, p. 17). Com eles “é o pompom” da argumentação! Para eles, a liturgia é “como uma muralha divina no mundo” e seu instituto quer ser “uma ponte para Deus no meio do mundo” (cf. suas Cartas Provinciais). Estariam eles vivendo em um campo entrincheirado?
Quando consultamos as imagens em seu site, é toda uma teologia vertical, monárquica, hierática que salta aos olhos. Portanto, quando o Papa Francisco diz que vê uma lacuna que está se ampliando na Igreja, da qual a missa é apenas a parte visível, ele vê (finalmente!) de maneira correta. Precisamos consultar o site deles para entender as preocupações de Francisco (Igrejas paralelas, Igreja dentro da Igreja). Suas fotos dão uma imagem arcaica do Evangelho, revisado ao estilo monárquico.
O que eles escrevem em preto e branco de Cristo, do papa, dos bispos poderia ter saído diretamente dos costumes da corte de Luís XIV. É, para nós, uma desfiguração, uma falsificação da existência segundo Cristo, para fins sociais, políticos e partidários, com vistas ao estabelecimento de uma sociedade de direito divino. Para nós, suas roupas folclóricas apresentam ao mundo um Cristo mascarado, uma vergonha para o Jesus do Evangelho que serve para eles de ator coadjuvante. Não estamos julgando aqui as pessoas, mas a suntuosidade e a pompa de um culto real, em uma etiqueta de corte do Antigo Regime, cozinhado a fogo lento com sacrifícios sagrados e poder imperial absoluto.
Ah, todos esses barretes alinhados, todos esses chapéus que dão autoridade e boa presença, que protegem e distinguem um bom povo de fiéis e súditos obedientes! A fé tem necessidade de tais capacetes de proteção? É assim que se expressa a dignidade de Cristo? Revestir-se de Cristo é usar trajes ridículos que se parecem, para muitos observadores, com trajes de carnaval?
Essas vestimentas teatrais são como realces que não trazem nenhuma inteligência nem sobre o homem nem sobre Deus. Os ICRSP optam por uma visibilidade barroca e excêntrica da fé que denunciamos como um contratestemunho. É como um repelente do Evangelho proclamado na Galileia e do que Cristo significa para nós em uma Igreja Católica da sinodalidade. Em relação à pastoral do engendramento, eles nos colocam em uma posição delicada com nossos contemporâneos. Por trás desses enfeites de pompom e de casulas tecidas com fios de ouro, há algo do Grande Inquisidor que não reconhece Cristo Jesus que veio para viver entre os seus. É escandaloso, execrável, fazer assim do Cristo do Evangelho a chacota do público, a ponto de fazê-lo vestir (para eles: sacerdos alter Christus) a capa magna, uma capa vermelha de 12 metros de comprimento, muito em voga justamente nas suas liturgias pontifícias. Uma pergunta, então: eles temeriam ficar nus quando não exibissem mais esses belos enfeites?
E se houvesse apenas o problema da licitude da missa em latim, nunca anulada por sinal! O problema, em vez disso, é o que eles fazem com a missa, protegidos por trás de uma chamada disciplina litúrgica ancestral. O que se descobre debaixo deste padrão que é a missa (ou melhor, o missal tridentino), por trás deste grito de guerra, deste ator coadjuvante, deste pretexto, é uma compreensão de Cristo e, portanto, das relações com Deus/homem que chegou às antípodas daquele do Evangelho. Os ICRSP são a expressão ainda viva de uma tendência cristã dos séculos passados, os conservadores de um desvio evangélico que se tornou caricaturado.
Não podemos suportar esta agressão do Cristo, para nós “o princípio e o modelo da humanidade renovada” (cf. Ad Gentes 8), sobretudo porque não temos necessidade disso hoje, por causa de todos os outros escândalos que continuam a fazer desertar do navio. A menos que esses barretes de pompom fossem escolhidos para tornar a Igreja mais simpática, como no caso de Fernandel [Joseph Désiré Contandin] no filme O Pequeno Mundo de Don Camillo? Não, é toda uma religião cristocrática e uma sociedade tridentina de conluio entre o poder religioso e o poder político que aguardam, fechadas, nas suas sacristias. Eles espantam, nós nos insurgimos contra a figura de Cristo que eles apresentam e nos afastamos da forma mais categórica do que eles fazem e do que dizem. Não podemos ficar em silêncio sob o pretexto da comunhão eclesial.
Uma parábola: imaginemos que, doentes, fomos levados a um hospital onde os médicos se vestiam como no tempo do Médico à Força ou de O Doente Imaginário [referência a comédias de Molière]; e que nos oferecem os remédios da época para nos tratarmos, de acordo com o conhecimento que tínhamos do corpo humano na época. Nós fugiríamos, horrorizados ou com uma grande gargalhada, chamando esses médicos de loucos anacrônicos.
Esses médicos teriam ficado com a medicina do final da Idade Média ou da cidade italiana de Trento, argumentando que o corpo humano sempre foi o mesmo desde o início e assim permanecerá até o fim dos tempos (sempre ipse). Sem pensar minimamente que a compreensão do corpo humano e o conhecimento que se pode ter dele irão evoluir ao longo dos tempos (nunca idem), graças ao progresso da ciência e da medicina.
Na nebulosa fundamentalista, também existem sites transversais, geralmente administrados por leigos. Por exemplo, “La Paix Liturgique”, “Notre Dame de Chretienté”, “Riposte Catholique”, “Le Forum Catholique”… Embora se declarem fiéis à Sé de Pedro, a maioria diz ser contra o Concílio Vaticano II. A maioria deles expressa uma violência não fingida, insultos e injúrias contra Roma, contra o papa e o Concílio Vaticano II. Há muito tempo eles têm na boca injúrias, insultos, nomes de pássaros odiosos que não são apenas bíblicos. Palavras belicosas que não datam do Traditionis Custodes. A maioria deles usa uma retórica de perseguição e fala de estratégias, de vitórias a conquistar. Basta consultar os seus sites para ver que isso é incrivelmente verdadeiro! Mais recentemente, em frente à Nunciatura em Paris, alguns seguraram uma faixa com o seguinte dizer: “Francisco: Papa da exclusão e da guerra”. Da guerra?
Para a maioria deles, a Igreja Católica, conciliar e sinodal, é apenas um oximoro (uma contradição em si). Dizem ver nela uma inimiga da Igreja de todos os tempos, da Roma Eterna. Querem substituí-la o mais rapidamente possível, instalando na cabeça das paróquias as jovens vocações sacerdotales que os seus Institutos e Fraternidades, mas também as suas famílias e as suas escolas fora do contrato, sabem incutir (formatar?) nos seus filhos com vistas ao restabelecimento da cristandade, de uma cidade cristã. Da escola primária ao seminário, um caminho é traçado para eles. Os barretes de pompom azuis dos ICRSP são apenas a parte visível, reveladora de uma religião intransigente e triunfante, que revela uma Igreja com veleidades de poder supremo sobre a sociedade, pois, por convicção e decisão doutrinal impecável, Deus está do lado, exclusivamente do seu lado, contra o resto, contra o outro lado, contra o mundo e o mal entrelaçados.
Com o Vaticano II, percorremos um longo caminho. “Deus seja louvado!” A partir deste Concílio subimos novamente a ladeira a partir de onde, imperceptivelmente, o Evangelho tinha escorregado para uma religião do medo, da condenação, dos suplícios, dos castigos (Quas Primas, Pio XI) e da reparação eterna. Religião para a qual “o santo sacrifício da missa” era vivido, de repente, como o ápice dos tesouros da Igreja. Concílio bem-vindo após séculos de desvio da fé cristã para uma teologia e uma liturgia que, no seu conjunto, disfarçaram e desfiguraram Cristo. A Igreja foi então esvaziada de sua substância crística, assim como de seus membros, que, felizmente emancipados graças à implantação de uma educação finalmente generalizada e do acesso à cultura, estavam se tornando adultos na fé.
A Igreja Católica, depois de ter caminhado ao longo da história para uma religião teocrática rígida, dominadora, opressora, legalista, formalista, manipuladora das consciências e dos comportamentos, conhece com alegria, graças ao Vaticano II, não o tempo de um renascimento católico, mas o início de um renascimento crístico, de um Cristo que cada mulher e cada homem pode engendrar hoje...
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Fé cristã, barretes e pompons azuis. Ou a missa, o Papa Francisco, os integristas e nós - Instituto Humanitas Unisinos - IHU